A Instrumentalização da Justiça

Pedro W. Gois
Realpolitik Madeira
4 min readJun 14, 2019
O Ministro (e ex-Juiz) Sérgio Moro, o paladino da ética e arauto da moralidade agiu de forma pouco ética e imoral?

As reportagens de Gleen Greenwald, do “The Intercept Brasil”, sobre a promiscuidade institucional entre o (então) juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, líder da Força-Tarefa do Ministério Público Federal (MPF), revelaram a instrumentalização do processo jurídico com um único objetivo: prender Lula e evitar que o carismático líder petista concorresse às eleições presidenciais de 2018, favorecendo o candidato ‘conservador-liberal’ Jair Messias Bolsonaro.

O que, até então, era um sentimento generalizado, por parte da população brasileira, comprovou-se como fato: a atuação de Dallagnol foi falaciosa e a de Moro, parcial. Não houve, sob a ótica do Estado Democrático de Direito, um julgamento justo porque as decisões do judiciário já estavam tomadas de forma prévia ao julgamento em si, inviabilizando o processo legal com a recusa em oficializar depoimento de testemunhas de defesa, além de embasarem-se em evidências forjadas e que, não comprovando a veracidade dos fatos e nem pautando-se pela materialidade das provas.

Se, por uma perspectiva, o processo teve contornos político-ideológicos, com a assunção da culpabilidade prévia antes do curso legal do processo, é preciso destacar que existem indícios, ainda não esclarecidos integralmente, que apontam para benefícios pessoais e profissionais, por parte do juiz Sérgio Moro. Se, sob a máscara da moralidade e da independência, Moro agiu de forma leviana, quem foi o maior beneficiário? Seria Bolsonaro, cuja vitória eleitoral no pleito presidencial foi garantida pela prisão arbitrária de Lula? Ou seria o próprio juiz Sérgio Moro que, alçado à imagem de ídolo ou uma espécie de ‘herói nacional’, transvestido como paladino da justiça assumiu funções ministeriais, tendo uma ascensão profissional meteórica: passou de juiz em Curitiba, responsável pelo julgamento de processos, a Ministro da República, responsável por coordenar diversas secretarias no âmbito do cumprimento jurídico e na conservação da segurança pública?

A comprovação jornalística dessa relação promíscua entre juiz e procurador permite uma profunda reflexão sobre a prática dos atores envolvidos e, principalmente, sobre o próprio Moro, é impossível não concordar que, ao deixar de lado as estritas funções de um juiz responsável por julgar um processo baseado nas evidências apresentadas e atuar como líder de uma organização interessada em comprovar a culpabilidade do réu à qualquer custo, mesmo que contra qualquer princípio ético ou moral e desrespeitando a própria legislação e a aplicação da lei, o juiz Sérgio Moro não agiu, portanto, como juiz. Deixou de lado a função de julgar para aplicar um modelo de organização onde ele orientava os procuradores sobre o que deveria ser feito ou como deveria ser feito. Portanto, assumiu funções ‘executivas’, comandando uma equipa de promotores e procuradores com intuito de condenar o réu ao invés de exercer as funções ‘jurídicas’ de comparar argumentos de acusação e de defesa, observar as evidências apresentadas, ouvir as testemunhas e, ao final de um longo processo de estudo do caso, chegar à um veredicto impessoal e que seja embasado, somente, pelo próprio processo em si.

Moro, herói nacional, paladino da ética e arauto da moralidade, não foi republicano. Não compreendendo a essência do caráter republicano — impessoal, público, constitucional e soberano — misturou opiniões pessoais com decisões jurídicas; ou confundiu o que é interesse privado e o que é atuação pública. O fato é que, incompreendido, o republicanismo padece para o autoritarismo — personalista, privado, inconstitucional e subordinado — e compromete a democracia. A república deixa de ser ‘coisa pública’. Passa a ser, por ora, gestão e execução de interesses privados e pessoais. Talvez Moro não compreenda a conceituação do termo República. Aliás, compreende-o de forma equívoca, ao considerar a sua função de magistrado como sendo, antes de mais, responsável pela expressão dos interesses e dos fins sociais. Compreendendo, portanto, a Justiça como auctoritas — ou seja, legitimação social e capacidade moral para opinar — Moro ignorou Cícero que, ainda na Grécia antiga, já afirmava que a Justiça ou o consenso do direito era a potestas dos magistrados: a competência de julgar conforme a Lei.

Sem competência para julgar conforme a Lei, não existe magistrado. Não julgar de forma republicana, portanto, anula qualquer tipo de legalidade do processo jurídico. Torna-se um simples processo de tomada de decisão. Não de juízo. Decidir, pura e simplesmente baseado em valores pessoais, é diferente de decidir respeitando a constitucionalidade e atuando com justiça. A justa análise dos fatos sem intoxicação ideológica, quando suprimida do processo de decisão, deixa de ser Justiça. Para a ser valoração. Cada um atribui o valor que quiser à quem quiser, baseado nos parâmetros que bem entender. A decisão não é justa porque o valor atribuído por quem tem o poder de exercer o juízo será superior ao valor atribuído por quem não tem poder de exercer o juízo.

Em síntese, Moro não foi juiz porque articulou a acusação e julgou baseado no que acreditava e não no que ficou comprovado. Agiu de forma parcial, pessoal e não-republicana. Foi executor da própria opinião, o que é diferente de ser juiz de Direito. Moro não fez da Justiça um fim em si mesma. Ao contrário, instrumentalizou-a. Nas mãos de Moro, a Justiça virou meio para alcançar um fim. No caso, o fim era a cadeira de Ministro.

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