Bolsonaro prepara acordo de livre-comércio com UE

Acordo de livre-comércio com a União Europeia poderá liquidar setores económicos ligados à manufatura, à indústria automóvel e à indústria química no Brasil

Pedro W. Gois
Realpolitik Madeira
5 min readJun 25, 2019

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O Governo Bolsonaro, eleito em 2018, negocia com outros países do Mercosul, em especial a Argentina e o Paraguai, um amplo acordo de associação que inclui um acordo comercial com a União Europeia. Durante uma visita ao Presidente argentino, Mauricio Macri, em Buenos Aires, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), afirmou que o acordo entre a UE e o Mercosul estaria “iminente”. Desde 1999, a UE e o Mercosul negoceiam mas, por diversas vezes, as negociações estiveram completamente bloqueadas, tendo sido retomadas em 2016, pelo usurpador Michel Temer (MDB), após o processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Roussef (PT).

A sinalização, por parte do governo Bolsonaro, reflete a atual política económica ultra-liberal de Paulo Guedes, o todo-poderoso Ministro da Economia brasileiro. O objetivo de Guedes é, não só privatizar todas as empresas publicas estratégicas mas, principalmente, garantir o fim de toda e qualquer regulação do mercado. Isso inclui desmontar qualquer tipo de protecionismo da industria nacional que, pouco produtiva, não tem competitividade com a industria europeia, estadunidense ou chinesa. Guedes, ao invés de investir na recuperação do tecido industrial e da capacidade produtiva das empresas nacionais, garantindo algum grau de protecionismo fundamental à qualquer economia em desenvolvimento no mundo, irá assinar um acordo de livre-comércio com a Europa que será totalmente nocivo à já combalida industria nacional ao liberalizar o mercado, desregulamentando-o.

No rescaldo dessa informação, sete chefes de Governo da União Europeia (UE) pediram a Bruxelas avanços nas negociações com a organização do Mercado Comum do Sul (Mercosul) — que junta Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai -, que visam o estabelecimento de um acordo de livre-comércio. Em causa está uma carta enviada por António Costa, governante português e pelos homólogos de Espanha (Pedro Sánchez), Alemanha (Angela Merkel), Holanda (Mark Rutte), República Checa (Andrej Babis), Letónia (Krisjanis Karins) e Suécia (Stefan Lofven) ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Destacando que “o aumento da ameaça do protecionismo e outros fatores geoestratégicos estão a ter um grande impacto nas exportações e no comércio internacional”, os líderes signatários defendem que o atual contexto cria “uma oportunidade histórica e estratégica de fechar um dos mais importantes acordos da política comercial europeia”, já que o Mercosul abrange cerca de 260 milhões de consumidores, sinalizando que a organização “parece determinada em liberalizar certos sectores que são muito importantes” e concluem que “a UE não pode desistir perante argumentos populistas e protecionistas relativos à política comercial”, pedindo a Jean-Claude Juncker que faça uma “oferta equilibrada e razoável” de acordo de livre-comércio.

A carta destes sete líderes europeus ao Presidente da Comissão Europeia revela que a liberalização do mercado comum sulamericano é um fator decisivo para a expansão e consolidação dos interesses capitalistas europeus na região. E não só: aponta, ainda, para uma política económica de estrangulamento da capacidade produtiva nacional em detrimento de um re-alinhamento geopolítico na divisão internacional do trabalho, por parte dos países sulamericanos que, abrindo mão dos recentes avanços sócio-económicos nas últimas duas décadas, sinalizam estarem de portas abertas à retomada do imperialismo neo-colonial europeu. Se, por um lado, o livre-comércio com o mercado consumidor no Mercosul, com 260 milhões de habitantes, será um fator fundamental para o equilíbrio da balança económica europeia, à medida que amplia as exportações do bloco europeu, por outro lado, será um fator decisivo na quebra da pequena e média indústria brasileira ou argentina que, através do instrumento cambial e das próprias ineficiências produtivas e estruturais, passarão à ser ‘presa fácil’ para as gigantes industrias europeias. Existe, ainda, fatores económicos e de mercado que apontam um impacto mínimo nas importações, por parte do bloco europeu que, com reduzido poder de compra dado pelo recém-ultrapassado período de austeridade, não incrementará o seu consumo interno. Na prática, o acordo de livre-comércio não ampliará as exportações sulamericanas para um europeu sem poder de compra mas, mediante o fluxo de importações e a disparidade produtiva, destruirá a frágil industria do Mercosul.

O mais interessante é que, levando em conta o impacto sócio-económico deste acordo, as forças políticas estão completamente desmobilizadas — tanto no Brasil, por exemplo, com a total ausência desta pauta no debate proposto pela oposição política ao governo Bolsonaro; como na Europa, com a assunção do debate por parte das elites burocráticas em Bruxelas. A prova disso foi a declaração do porta-voz da Comissão Europeia para a área do Comércio, Daniel Rosário, manifestando que estão “empenhados em levar estas discussões comerciais a um resultado positivo, mas para isso acontecer ainda há trabalho a fazer” e sublinhando que “dependendo do resultados destas negociações técnicas, uma reunião a nível político poderá ser agendada para os próximos dias”.

Em outras palavras, o porta-voz da Comissão Europeia sinaliza que o caráter técnico da negociação, nomeadamente o regime burocrático de Bruxelas, não-eleito e pouco representativo enquanto órgão soberano na direção económica do bloco europeu, é quem ditará se os resultados das discussões são razoáveis — traduz-se como resultados favoráveis à atividade predatória das industrias europeias no mercado sulamericano — e se merecem ser tema de debate político, por parte de membros eleitos dos parlamentos nacionais europeus.

Em síntese, estamos à beira do colapso da economia brasileira com a quebra de centenas, talvez milhares, de industrias ligadas à manufatura, a automobilística e a química. Por ora, as políticas liberais de Guedes e Macri direcionam o Brasil para o abismo, respondendo muito mais ao interesse de grandes empresários europeus do que do povo argentino ou brasileiro. Bolsonaro, em menos de sete meses, já revelou ao que veio: promiscuidade institucional com milicianos; lobbismo inconstitucional com a indústria bélica e, agora, entreguismo económico à União Europeia.

É o capitalismo tupiniquim, do tipo mais reles: que entrega os recursos hídricos, minerais e energéticos; que não protege o mercado e nem a industria; e, por fim, que zomba da cara do eleitor, em malfadados acordos de livre-comércio com o capitalismo internacional.

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