Reflexões para um novo tempo!

Joatan Berbel
Reberbel
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6 min readAug 2, 2013

Uma das coisas que mais me incomoda no ambiente das “redes sociais” é a predominância de um certo provincianismo, algo mais que a simples demarcação de território ou exacerbação de valores locais comuns aos diversos povos.

Não!
O provincianismo de que falo é de outra ordem e já foi antecipado por T. S. Eliot, em seu célebre ensaio sobre o poeta Virgilio, “O que é um clássico?”, na década de 40 do século passado.

O provincianismo é — seguindo a visão de Eliot -: a distorção de valores, a exclusão de alguns, a exageração de outros, que se espalha, não como falta de uma ampla exploração geográfica mas pelo uso sistemático de certos padrões adquiridos em uma área — ou grupo, religião, ideologia — estritos, que restringem a ampla e profunda experiência humana; que confunde o contingente com o essencial, o efêmero com o permanente.
Eliot assinalava que, quando os homens parecem estar tendendo a confundir sabedoria com conhecimento, conhecimento com informação e tentam resolver os problemas fundamentais da vida em termos de tecnologia, isto significa o provincianismo. Não o provincianismo de espaço, mas de tempo; aquele que a história só serve como mera crônica dos inventos humanos que foram usados e depois desmantelados, para quem o mundo é propriedade exclusivamente dos vivos, uma propriedade a que os mortos não têm sua parte. A ameaça deste tipo de provincianismo é que todos, todas as pessoas no mundo, devem ser conjuntamente provincianos; e aqueles que não estão satisfeitos em serem provincianos só têm uma saída: serem eremitas.
Vejam que no discurso do Papa Francisco, ele incluiu mais duas categorias, vítimas deste provincianismo: os jovens e os velhos.

A outra forma de expressão atual deste provincianismo é a mais recente afirmação das “identidades”. O escritor Amin Maalouf, que nasceu no Líbano mas vive na França, publicou um livro muito interessante sobre o tema: “Identidades Assassinas” (na versão que li em espanhol “Identidades Asesinas, Alianza Editorial) . O livro é uma bela, dura, clara e assustadora reflexão sobre a questão das identidades.

Para o autor: “Em todas as épocas houve gente que nos fazem pensar que havia então um só pertencimento básico, tão superior aos demais em todas as circunstâncias que estava justificado chamar de “identidade”. A religião para uns, a nação ou a classe social para outros. Na atualidade, sem dúvida, basta dar uma olhada nos diferentes conflitos, que estão em curso no mundo, para perceber que não há nenhum pertencimento que se imponha de maneira absoluta sobre os demais.”

Atualmente, o tema das “identidades” ganha espaço na mídia brasileira, seja nas discussões sobre as cotas de vagas nas universidades para pessoas que se auto declaram como pertencente a uma “identidade” afro brasileira, nas ocorrências policiais em que se registra a crescente onda de agressão a pessoas que se auto declaram homossexuais, na intolerância das manifestações religiosas uns contra os outros e até na desqualificação da pessoa diante de um argumento crítico contra o partido ou líder político.

A intolerância, a falta de diálogo, a violência presente, de forma preocupante, em toda parte, como uma manifestação atual daquilo que T.S. Eliot chamou, em 1944, de provincianismo.

Podemos incluir no tema do provincianismo a banalização da política, a desfiguração do sentido da ética da responsabilidade nos atos dos gestores públicos e o ressurgimento febril de uma onda de populismo, travestido de socialismo, que tem assolado a América Latina.

O desejo de redimir da pobreza, do atraso e da desigualdade social os povos do hemisfério sul, tem levado muitos intelectuais a se reduzirem ao papel de arautos destes recorrentes e antigos líderes, verdadeiros bufões, que ressurgem como representantes da vontade popular. Um desvio, uma lástima que só posso considerar como produto deste provincianismo atávico.
Entretanto, o que mais choca é ver toda uma inteligência criativa, um espírito de luta forjado na luta contra a ditadura militar — nos anos 1960/70 -, a serviço de justificar os maus feitos administrativos e o saque dos recursos públicos, o nepotismo descarado, cometidos por estas falsas lideranças, estes oportunistas travestidos de revolucionários.

O trágico em tudo isto é constatar que o gesto de muitos intelectuais comunistas europeus em defender e tentar legitimar ideologicamente os crimes de Stalin na Rússia, a repressão política, os expurgos e degredos para a Sibéria de inúmeros intelectuais e críticos do regime, nos países que após a segunda guerra mundial faziam parte da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se repete aqui, décadas depois, com a mesma energia, o mesmo procedimento e a mesma justificativa ideológica: tudo o que foi feito, foi feito para beneficiar os pobres, ou o proletariado — como queiram, ou acreditem.
Como se o nazismo e o fascismo não tivessem usado o mesmo discurso e as mesmas justificativas.

Todavia, olhando de perto, serão estes defensores do “partido” dignos representantes dos pobres e oprimidos?

NAAAAAAAAAAAAAAAÃO!

Eles defendem a crença de que o partido é um lugar de pertencimento, uma “identidade” que os protege e, talvez, os promova a algum grau de dirigente — ou num cargo importante na esfera do Estado; tal e qual acontece em outros países que vivem a experiência totalitária do partido centralizado, do poder único e da ditadura do partido único. No fundo todos querem o poder, para ter o poder pelo poder e para poder poder.

Este comportamento me faz lembrar da célebre frase do jovem Tancredi, sobrinho do príncípe Fabrizio Salinas, personagem central do romance “O Leopardo”, de Giuseppe Tomasi, príncipe de Lampedusa: “Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude. Expliquei-me bem?

Não há como justificar um erro apontando o erros dos outros, ou desviando o assunto para a desqualificação de quem aponta o erro ou faz uma determinada crítica. Não há como ocultar a verdade dos fatos, apontando para a mídia, ou adversários políticos como responsáveis pela criação dos fatos. Temos, todos, uma responsabilidade muito grande pela frente. Vivemos numa sociedade com muitos problemas, vicissitudes, falhas e também virtudes.

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Alguns podem ser mais ou menos tolerantes, ou pacientes com este estado de coisas. Eu prefiro me rebelar. Todavia, não quero ser o dono da verdade.
Estou do lado daqueles que se rebelam e denunciam a manipulação da boa fé e vontade de mudar o mundo como, dos jovens que, convocados pelo Papa, se enchem de coragem para protestar.

Então abro esta janela de conversa.
Não tenho medo do diálogo.

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Joatan Berbel
Reberbel

Pesquisador e produtor de conteúdos em multilinguagem