Resenha — Rebelde: a história pode sim ser contada pelos derrotados

Gustavo Pinheiro
Recanto da Literatura
6 min readJan 3, 2019

Título: Rebelde

Título Original: Rebel

Série: As Crônicas de Starbuck #1

Autor: Bernard Cornwell

Ano de Publicação: 2014

Editora: Record

Quantidade de Páginas: 392

Sinopse: Durante o verão de 1861, os exércitos do norte e do sul dos Estados Unidos se preparam para travar o que entraria para a história como a Guerra de Secessão. Rebelde é a fantástica história de como o jovem nortista Nathaniel Starbuck se rebela e luta a favor dos sulistas. Abandonado pela mulher que julgava amá-lo e afastado da família, Nathaniel chega a Richmond, na Virgínia, capital da Confederação sulista. Lá, depara-se com uma turba acossando nortistas e tenta não se envolver. Porém, quando percebe que seu sobrenome é capaz de gerar uma fúria ainda maior — pois é filho do reverendo Elial Starbuck, grande defensor de ideias antiescravagistas — , é resgatado por Washington Faulconer, um milionário excêntrico que deseja reunir uma companhia de elite para lutar contra os ianques. Como forma de gratidão, Nathaniel se alista na Legião Faulconer, mesmo sabendo que isso significa ter de lutar contra o próprio povo. Outros cidadãos enfrentam dilemas semelhantes, no entanto, em pouco tempo, todos se renderão ao caos e à violência que dividiu a América em duas.

Rebelde, o primeiro livro da série As Crônicas de Starbuck, do aclamado autor Bernard Cornwell (mas nunca antes lido por mim) me introduziu no mundo de ficção histórica. E acho que não haveria modo melhor de começar.

A história se passa no ano 1861, quando a Guerra de Secessão estava prestes a estourar nos Estados Unidos. Os problemas políticos, xenofobia e tensão existentes eram evidências do que estava por vir. Durando até 1865, a guerra entre os nortistas e sulistas teve mais de 600 mil mortos, resultando na abolição de escravatura e na destruição da economia latifundiária do Sul

Isso não fazia sentido para ele, porque não entendia como homens decentes
poderiam pensar que a guerra seria capaz de resolver as questões de um modo
melhor do que a razão e a boa vontade, mas, aos poucos e com relutância, Adam
começava a entender que a boa vontade e a razão não eram as forças motoras
da humanidade, e, em vez disso, a paixão, o amor e o ódio eram os precários
combustíveis que impulsionavam cegamente a história.

Nathaniel Starbuck, um nortista de Boston se vê ao meio de tudo isso após largar a faculdade de Teologia em Yale por causa de uma jovem atriz de teatro, contrariando sua família e principalmente seu pai, o reverendo Elial Starbuck. Ele acaba abandonado no estado sulista da Virginia e é capturado por uma multidão histérica após a conquista do Forte Sumter, o estopim da guerra, que quer dar aos ianques o que “eles merecem”.

Nate acaba salvo no último instante por Washington Faulconer, pai de seu melhor amigo da faculdade, Adam. Mas já nas primeiras páginas, o autor deixa claro a divisão impregnada entre sociedade estadunidense e a expectativa por uma guerra definitiva entre os escravistas do Sul e os abolicionistas do Norte.

Mapa dos Estados Unidos, durante a Guerra de Secessão

Faulcouner, um dos homens mais ricos e respeitados da região, acolhe Nate em sua casa e o convida a lutar pela Legião Faulconer, que ele mesmo está montando para a guerra e pretende torná-la em uma legendária repartição, que será lembrada nos livros de história por anos. Mesmo que tenha que lutar contra seu povo e ideais, Nathaniel aceita e começa sua jornada até virar o verdadeiro rebelde, que dá nome ao livro.

Se você cresce no campo, vive ouvindo falar do circo. Todas as
maravilhas do circo. Os shows de aberrações e os números com animais,
incluindo o elefante, e todas as crianças ficam perguntando o que é o elefante, mas você não consegue explicar, até que um dia leva seus filhos e eles veem. A
primeira batalha de um homem é assim. Igual a ver o elefante. Alguns homens
mijam na calça, alguns correm feito o diabo, alguns fazem o inimigo fugir.

A partir disso, a história decola e ao decorrer dela nos é apresentando vários personagens que ajudarão (ou não) o nortista em sua trajetória, alguns deles com destaque como Thaddeus Bird, o cunhado de Faulconer; Thomas Truslow, um ladrão de cavalos que entra para a Legião; sua bela filha Sally, além de Ethan Ridley, futuro cunhado do Coronel Faulconer e um tremendo patife.

Nate é um protagonista muito interessante, mas que nos deixa impaciente pelo remorso por ter deixado o caminho de Deus, o que o impossibilita de ter certas atitudes no começo da obra por medo, mas ele gradualmente vai deixando de lado essa preocupação. Solto de suas amarras, Nate se mostra um jovem habilidoso que busca encontrar seu lugar no mundo, mesmo numa região onde ninguém acha que ele deveria estar ali.

E pior que ladrão, pensou Nathaniel. Estava se lembrando do quarto
capítulo da primeira epístola a Timóteo, em que são Paulo havia profetizado que
no fim dos tempos alguns homens iriam se afastar da fé, dando espaço a espíritos
sedutores e doutrinas de demônios, e Nathaniel sabia que realizara essa profecia,
e a percepção imbuía sua voz de uma angústia terrível.

O livro é dividido em 3 partes, as duas primeiras desenvolvem a história, aprofundando bem os personagens que destaquei, já nos deixando na torcida por uns e desejando a morte ou desgraça de outros, e o grande clímax final é reservado para a terceira parte, o primeiro confronto sangrento de Nate e dos sulistas contra os ianques.

Ilustração da batalha de Manassas (Bull Run)

Pode soar clichê, mas a descrição de Cornwell da batalha de Manassas (ou Bull Run) nos faz sentir o cheiro da pólvora usado no embate. Um dos receios que tive ao começar o livro é exatamente essa parte, pois sendo uma batalha mais “sofisticada”, com armas de fogo e canhões poderia deixar a leitura confusa, sem saber o que realmente estava acontecendo ou mesmo entendendo o que estava escrito, porém cheguei a desejar estar participando da guerra ao ler sobre os disparos de canhão, as agonias dos soldados e as estratégias usadas por seus comandantes, de tão boa a escrita do autor.

Um cavalo à solta saiu galopando do meio do mato e passou por uma fileira de
soldados sulistas feridos deixados à mercê dos ianques que avançavam. Um
homem gritou e se agitou quando um casco bateu em sua coxa. Outro estava
chorando, chamando a mãe. Um terceiro perdera os olhos, ferido por estilhaços
de obus, e não conseguia chorar. Dois já estavam mortos, as barbas se projetando
para o céu e a pele coberta de moscas.

Em alguns momentos tive que parar a leitura para pesquisar sobre obras, localizações ou nomes citados, já que a Guerra de Secessão não é muito bem aprofundada durante o ensino no Brasil, mas que de certa forma me deixou mais entusiasmado de conhecer melhor a época.

Também achei interessante a narração onisciente em terceira pessoa, pois fica evidente que os americanos esperavam que fosse rápida, com uma definição ligeira de seu vencedor, o que obviamente não ocorreu. Ver a perspectiva do lado derrotado também é outro trunfo da obra, já que nos faz refletir sobre os acontecimentos com outros olhos, afinal muito dos “escravocratas” apenas eram jovens medrosos que foram à luta para não serem considerados covardes.

Bernard Cornwell entrega uma trama rica em detalhes, com personagens realmente bem desenvolvidos e que nos faz pensar melhor antes de pensar que todos sulistas eram malvados a favor da escravidão, a leitura flui muito bem, com pequenas ações durante todo tempo até culminar no início da guerra. O final do livro já me deixou com gosto de quero mais, descobrir como os acontecimentos de Rebelde afetaram seus personagens e a história dos Estados Unidos vai ser um prato cheio!

Classificação: 4,5/5

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