AFETAR-SE

Fabiana Santos
RECONTA
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3 min readMar 28, 2020
Fotografia: Felipe Cardoso

As flores no quintal de casa tem sido o melhor entretenimento para minha mãe, apesar de ser outono aqui no hemisfério sul, elas estão maravilhosas. O vai e vem das borboletas e beija-flores em festa contradiz com as incertezas humanas e o isolamento social.

Tão confuso quanto o clima estão nossos dias. As ruas ficaram pálidas, sem cores, um silêncio esquisito. Agora, parece que todo dia é um pedaço extenso de solidão da madrugada. Comparar a um filme distópico? Cenário de guerra? Não sei.

Mas sei que dá um aperto no peito. Calma aí, sem desespero. Irei assistir filmes, ainda estou em débito com Parasite e Bacurau, um crime ainda não ter assistido… Vou ler, fazer cursos online e um pouco de exercício na sala. Era assim que pensava quando nosso “toque de recolher” por 24h e sabe lá quantas mais foi publicado.

No início amava a diversidade de lives dos meus artistas preferidos. O marketing não descansa, a criatividade não para, trabalha em home office. E um monte de gente acha delivery legal sem nenhuma criticazinha.

Mas já vou para o cômodo da hipocrisia também, pois fiz até cronograma para aproveitar bem a quarentena. Sim, sou uma chata metódica sem noção da dureza da realidade no meio de uma pandemia. Ainda iria abster de muita informação, só o básico para não ser afetada. Tadinha.

Estava tão egoísta que achava que ia ser muito tranquilo ficar em casa, aliás sou muito caseira. Não encaro a solidão como algo destrutível… É fácil, quando só pensamos em nós mesmos, não é?

Mas é muito difícil olhar o caos do mundo todo e se sentir imóvel. Como fugirei dele se estou nele? Sou parte dele.

“O afeto te afeta?” Lembrei desse questionamento que vi em um muro há bastante tempo e que não sei de quem é a autoria, ou, se já a vi em outro lugar senão ali cravada no concreto, não recordo. Pois, bem, sei que a falta de afeto afeta terrivelmente. Parece um trava-línguas. Você que vai ler no futuro, desculpa a redundância, é porque estamos meio assim sem por os pingos nos is direito, correndo contra o tempo para um lugar o qual não conhecemos.

Bebi uma dose de egoísmo, é amargo. Os dias começaram a pesar e fui caindo na real que a desigualdade do nosso país, agora, gritava de uma maneira mais dolorosa. Aí vem à tona a nossa essência e não há tranquilizante que drible o que realmente sentimos.

Comecei pensar em fome, deveria estar sendo cruel para crianças e adolescentes por esse Brasil afora que a principal refeição é na escola. Pensei também em quem não estava no mesmo privilégio de um bom psicológico para elaborar cronograma. E uma música despertou-me que é preciso “perceber que a cada minuto tem um olho chorando de alegria e outro chorando de luto”.

Em uma noite sonhei que a vizinha chegava de viagem e a casa dela estava destruída, aparentemente, quando aproximava só uma porta estava intacta e direcionava para algum lugar. Fui convidada a acompanhá-la, pois ela tinha medo de entrar sozinha. Quando entramos, vimos que a casa não estava mais dividida em cômodos, mas numa única sala grande sem sinais de destruição. Lá estava uma mesa redonda gigantesca, ao seu redor crianças felizes alimentavam que nem percebiam nossa presença.

Fui levada a lembrar da arte A Última Ceia. Todos os olhos se voltam para a obra, mas ela não se move, porém não significa que não nos toca de maneiras distintas em diferentes contextos. A mesa pintada por Da Vinci era retangular, mas a do meu sonho era circular, o que me leva a crer nas renovações dos ciclos, no movimento da vida mesmo que no compasso.

Poderia ter acordado assustada pensando em um fim apocalíptico. Mas acordei com uma baita de uma esperança primaveril que logo voltaremos para nosso trabalho, nossa escola, nosso lazer, ou, só para abraçar afetuosamente quem amamos em um cenário mais colorido.

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Um abraço, daqui pode rsrs e #ficaemcasa

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Fabiana Santos
RECONTA
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Jornalista. Apaixonada por pessoas e suas histórias. Ah! Vivo no sertão da Bahia.