(IN)FINITUDE

Fabiana Santos
RECONTA
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3 min readJun 5, 2019

Pensei em escrever a história do Zé, mas fui adiando até que um dia ela insistiu que não dava mais para ficar apenas em minha memória. Bem, Zé era o moço da verduraria perto de casa, ele tinha uma capacidade incrível de arrancar sorrisos das pessoas. Eu sempre ia zangada comprar alface nas manhãs de domingo e voltava rindo das piadas e brincadeiras. Além da alegria, outra lembrança que tenho é do velório do Zé.

Eu nem sabia o nome do Zé direito. Não conhecia a família dele, tudo que eu sabia sobre o Zé se resumia aos sorrisos estampados no rosto. Mas sei que ele era um humano como qualquer outro com diversos defeitos, erros e problemas. Porém só conheci a alegria contagiante, isso fazia a morte e o silêncio serem tão opostos ao que ele era, foi difícil a ficha cair. No bairro, todos estavam de alguma maneira tristes com a morte repentina do Zé.

A casa pequena, apertadinha, ficou ainda menor para a quantidade de pessoas que quiseram ver o rosto do Zé, agora adormecido, pela última vez. Entrei na casa com dificuldade, em fila, olhei rápido pra ele e em pensamento torci que a alma do Zé estivesse em um espaço muito alegre, bem distante dali e daquele corpo imóvel. Segui adiante, vi um quarto onde estavam a esposa e a filha inconsoláveis, não aproximei.

Passei pela cozinha, ainda em fila, sair pela porta do fundo que dava acesso a um quintal com algumas árvores frutíferas e o chão de terra. Em volta da casa, cadeiras de plástico branco ocupadas por pessoas que conversavam sobre o acidente. Alguns senhores julgaram que foi capaz do Zé ter bebido demais e não ter visto o carro se aproximar da moto, outros acharam que o condutor do veículo tinha errado e não iria resultar em nenhuma punição. Houve inúmeras versões sobre o ocorrido.

Fiquei parada no quintal ouvindo os comentários, encostei em uma parede, estava confusa porque não entendia meu sentimento de perda ser tão grande por uma pessoa na qual eu não era tão próxima. Foi aí que eu vi o patrão do Zé chorar, chorar mesmo. Comecei a perceber que pessoas de realidades diversas chegavam para prestar solidariedade. Além da curiosidade sobre o acidente, todos tinham uma história engraçada do Zé para compartilhar. Vi dos mais desfavorecidos aos privilegiados passarem por aquela casa e os olhos ficarem cheios d’água. Lágrimas corriam como um rio por faces incompreendidas com a morte.

Também chorei e sentia até mal de ter ficado mais comovida do que em velório de pessoas que estiveram mais inseridas em meu convívio. Estranho, não é? Mas foi isso que senti. Nem mais, nem menos. Naquele dia solidifiquei o pensamento que a morte é a única certeza, sem regras, sem data prevista no calendário.

A maneira otimista como lidava com a vida cativou-me e o que tem significância para nós sempre tende a permanecer vívido, nem que seja apenas em um canto no espaço das lembranças.

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Fabiana Santos
RECONTA
Editor for

Jornalista. Apaixonada por pessoas e suas histórias. Ah! Vivo no sertão da Bahia.