No primeiro sinal… Fuja!

Fabiana Santos
RECONTA
Published in
5 min readJun 13, 2019

Fui convidada pela minha mãe para visitarmos uma amiga que havia passado por uma tragédia na família. Alertei minha mãe para não perguntar nada sobre o caso, embora eu também estivesse com a curiosidade muito aguçada. Mas jurei conter-me e a depender do contexto reprimiria minha mãe com um olhar ou cortaria a conversa ao menor indício de uma pergunta invasiva. Antecipei um cenário na minha cabeça para fuga da dor, pois não sabia como lidar com a tristeza da irmã de um homem que há mais ou menos um mês havia assassinado a esposa.

Já fazia um bom tempo que minha mãe não visitava essa amiga. Eram vizinhas, mas mudamos de endereço e elas encontraram cada vez menos. Nosso destino foi retornar ao sítio. A fachada era uma cerca de madeira e arame farpado com uma casa branca ao fundo, as portas eram daquelas que pode ficar metade aberta e a outra parte fechada. As janelas da casa eram no mesmo estilo da porta, ao redor da casa poucas árvores e algumas galinhas perambulando pelo quintal.

Chamamos e não apareceu ninguém até que ouvimos um ‘entra aí!’, passamos pela cerca temendo que no quintal tivesse algum cachorro bravo. Não apareceu nada além do que já tínhamos visto. Então, andamos em direção a porta principal.

Fomos recebidas na sala, o chão de tão brilhante que estava fazia dó pisar com os nossos pés tão empoeirados da estrada de terra vermelha. Deixamos um pouco da poeira dos pés em um tapete que mais parecia uma obra de arte, era uma junção de retalhos coloridos muito bonita. Cumprimentamos e nos acomodamos no sofá, conversamos um pouco sobre nossas vidas. De repente uma garotinha entra na sala com uma boneca no braço, a amiga da minha mãe (tia da criança) manda a menina pedir a bênção à minha mãe, a menina gentilmente aproximou e nos cumprimentou também com um abraço.

Após outro pedido da tia, a menina foi brincar para não atrapalhar a conversa. A criança saiu para o quintal e pareceu entreter com a moça que estendia as roupas no varal, do canto que eu estava sentada no sofá conseguia vê-las pela janela na lateral da sala. Ela explicou que ficaria com a guarda da menina porque sempre foram muito próximas. A partir daí começou contar sobre a tragédia, ficamos caladas. Disse que o irmão deveria continuar preso e a justiça tinha que ser feita. Chorou quando falou da cunhada que também era prima. O casal era da mesma família, primos, cresceram próximos um do outro.

_ Os dois vivia bem. Acontece que de uns tempos pra cá quando voltou de São Paulo ele estava muito diferente, muito triste, nervoso.

Relatou a mulher olhando para o lado e apertando os dedos entre as mãos. Nesse momento, interrompi. Questionei se as pessoas da família não tinham notado diferenças. Ela respondeu que sim. Disse que ele parecia depressivo. Ingenuamente, questionei o porquê de não ter procurado ajuda médica. Acabava de quebrar totalmente meu protocolo sobre não fazer perguntas. Ela respondeu que não souberam o que fazer e nunca imaginaria que o irmão fosse capaz de tirar a vida de alguém, muito menos da esposa.

_Sabe homem como é, não escuta. Mas não era só isso. Ela [a vítima] queria terminar, ela não gostava que ele bebia. As confusões começaram a piorar, eram muitas brigas. Não coloco culpa em depressão. Ele já era muito ciumento, parece que depois que o pior acontece a gente começa perceber as coisas. Ele não queria que ela saísse de casa para trabalhar, aí ela resolveu fazer o curso… Tava indo bem. Por isso que aconteceu lá… Ele não queria que ela fizesse as coisas dela… Não irei visitá-lo e nem sei quando estarei pronta…

O silêncio tomou conta. Ela ficou um tempinho de cabeça baixa. Parecia querer justificar que era próxima e que talvez se tivesse sido mais atenta poderia ter salvado a prima da violência do irmão. Na minha cabeça vinham duas palavras que não ousaria expressar naquele momento: machismo e feminicídio. Esperei um tempinho para tentar mudar de assunto, mas ela continuou:

_ Não dava para imaginar… Acredita que ele fazia de tudo em casa. Lavava as louças…

_ Meu pai também varria a casa pra minha mãe.

Falou a menina de seis anos que voltou para a sala completando a fala da tia e ainda trazendo consigo sua boneca. A minha mãe ficou surpresa e perguntou se a criança compreendia os acontecimentos. A tia fez um sinal de mais ou menos com o balançar de uma das mãos junto a um olhar atravessado e exclamou:

_ Essa menina é muito esperta.

A amiga da minha mãe encerrou o assunto contando que estavam recebendo apoio psicológico, falou sobre a generosidade de amigos, nos agradeceu pela visita e convidou para um café que a filha dela preparou enquanto ela contava suas dores. Confirmei que era muito importante a ajuda que estavam recebendo e deveriam continuar indo ao psicólogo. Antes de adentrarmos para outra parte da casa onde foi servido café, ela nos levou até a porta e apontou para a casa quase em frente, lá no alto, onde tinha passado a ser só vazio. Saí daquela casa agoniada com várias questões. Também não parava de pensar na garotinha: e quando ela compreender que a mãe não virou uma estrelinha e que o pai não está viajando?

No primeiro indício de violência, psicológica ou física, fique atenta. Sempre começa aos pouquinhos… Não deixe que ninguém diga que você não pode fazer algo por ser mulher. Comece estranhar isso. Machistas também falam palavras bonitas, podem até parecer com príncipes de contos de fadas, sabe? Nem sempre são durões… Quando perceber os primeiros sinais de qualquer tipo de abuso e agressividade é aí que o encantamento deve acabar. Não espere o tempo passar ou a pessoa mudar para pedir ajuda.

Ah! E, sobre homens realizarem atividades domésticas, não romantize isso. São atividades como quaisquer outras.

Sim, essa cultura machista também é cruel para os homens.

Se você está passando por algum tipo de violência busque apoio de alguém confiável e denuncie. Ligue 180. Não é fácil, se preciso, fuja! Saiba que sua vida importa.

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Fabiana Santos
RECONTA
Editor for

Jornalista. Apaixonada por pessoas e suas histórias. Ah! Vivo no sertão da Bahia.