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5 min readNov 5, 2015

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#partonaturalSIM

Mães e especialistas lançam o olhar sobre a realidade e a vivência do parto natural

por Raíssa Falcão

Foto: Marília Alves

Cesárea virou moda?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país que mais realiza partos cesáreas no mundo. Os índices chegam a 84% no sistema privado e a 40% no Sistema Único de Saúde (SUS). Mais de 23,7 milhões de brasileiras são beneficiárias de planos de saúde com atendimento obstétrico.

O procedimento, contudo, reserva algumas controvérsias. Segundo dados do Ministério da Saúde, uma cesárea desnecessária aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o bebê e triplica o risco de morte para a mãe. Estima-se, ainda, que 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade (retirada do bebê sem sinais de trabalho de parto).

Foto: Débora Amorim

Parir é amar

“Depois que decidi pelo parto natural, consegui ter um empoderamento do que era minha gravidez. Me senti muito poderosa. Eu iria dar a vida ao meu filho com toda liberdade possível.” Esse foi o início do relato de Kauana Resende, 26 anos, mamãe do Théo.

“Meu nome é Carolina Ramos, mas pode me chamar de Carol Ramos.” Rapidamente se apresenta a doula(profissional que dá suporte psicológico e físico a gestante), de 25 anos. Carol não tem tempo a perder. Largou o curso de arquitetura, perto de concluí-lo, para encontrar sua paixão na enfermagem. Agora, o ofício de Carol é amar e cuidar de gestantes que optam pelo parto natural. “Meu pai disse que nunca tinha visto meus olhos brilharem tanto.”

Marília Alves, de 25 anos, é arquiteta por profissão, mas fotógrafa por vocação. Desenvolveu essa paixão desde pequena e, hoje, fotografa momentos; fotografa o amor e o nascimento. A primeira experiência vivenciando o parto natural foi ao acompanhar uma prima. “Eu já sabia que queria ser profissional e viver disso. No nascimento da Luanda, eu decidi. Quando você está ali, acompanhando o parto, não tem como não ser afetada.”

Foto: Marília Alves

A parteira Clarice Andreozzi, de 40 anos, fala da força do nascimento. “Sou testemunha emocionada da soberania do nascimento. Me sinto abençoada em poder aparar mais uma vida sagrada em minhas mãos.”

Perguntamos a Carol o que ela sentia durante o processo do parto; o que via. Ela respondeu com poesia. E compartilhamos com vocês.

“Parto é tudo! Parto é vida e morte. Morte de menina que vira mulher, de mulher que vira mãe. É morte de homem que vira pai. Parto é transformação. De tudo e de todos. Parto é água, é sangue. É dor e prazer, é choro e sorriso, é medo e entrega. Parto é movimento. Parto é poder. Tem mulher que vira bicho, tem mulher vaidosa, tem mulher guerreira, tem mulher manhosa. Umas gritam, outas gemem. Tem mulher que chora, dorme, canta. E outras que fazem tudo isso misturado. É sempre diferente, mas algumas coisas sempre se repetem: o tempo para, tudo muda e ninguém sai intacto… Ainda bem.”

Clarice conta que a vida trouxe-lhe a missão de poder ajudar muitas mulheres. “Eu nunca escolhi ser parteira. Fui iniciada por uma parteira na Amazônia.” Bióloga por formação, ela entende o processo do nascimento fisiologicamente e, principalmente, com os instintos. “No momento do parto vejo vida, o poder da natureza e da força da mulher. Meu sentimento é de amor e agradecimento.”

Foto: Marília Alves

Conhece a ‘partolândia’? O termo nos foi apresentado pela fotógrafa Marília. “É um processo em que fica só a mãe e bebê. Ali está só ela. É um momento de muita intimidade dos dois.” O laço entre gestante e fotógrafa se perpetua. “Eu amo cada mulher que fotografei; os bebês que nasceram. É um laço muito intenso, muito forte e especial.”

Mesmo depois de muito preparo psicológico, de muita leitura sobre o assunto e da partilha de histórias de mulheres que viveram a plenitude do parto natural, é comum que dúvidas comecem a aparecer durante as horas de trabalho de parto. “Eu passei por várias etapas. E uma das que mais me edificaram, enquanto pessoa, foi esperar o tempo dele. — Eu seria capaz de dar a luz?” Kauana conta que o apoio da família e das profissionais que a acompanharam fizeram toda a diferença, ao afirmarem incansavelmente que ela era forte, que era capaz. “Fui criando mais confiança.”

Foto: Débora Amorim

‘Partograma’

Coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil (apoiada pela Fiocruz e divulgada em 2014), Maria do Carmo Leal, entende que o índice elevado de cesarianas se deve a uma cultura enraizada no país, onde se acredita que o procedimento é a melhor forma de trazer uma criança ao mundo. “No Brasil, o parto normal é realizado com muitas intervenções e dor”, justifica.

O estímulo ao parto normal e, por consequência, à redução de cesarianas que não apresentem indicação médica, foi normatizado pelo Brasil e está em vigor desde o mês de julho, através da Resolução Normativa nº 368, publicada pelo Ministério da Saúde junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nos casos em que não há indicação médica para a cesárea, a gestante precisa assinar um documento, declarando estar ciente dos riscos.

O ‘partograma’, uma das iniciativas da resolução, é uma ferramenta usada para avaliar todos os acontecimentos durante o trabalho de parto pelo profissional que acompanha. A realização de procedimentos cirúrgicos precisa ser justificada no documento. Ainda de acordo com as novas regras, os beneficiários de planos de saúde têm garantido o direito de solicitar às operadoras estatísticas relacionadas aos dois tipos de parto, por hospital e por médico credenciado.

Continua…

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