É Hora de uma Campanha de Saúde Pública sobre Pornografia Online Prejudicial

Ninka
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5 min readJan 19, 2019

O comitê de Mulheres e Igualdades do parlamento do Reino Unido publicou um relatório [outubro, 2018] sobre assédio sexual contra meninas e mulheres. O comitê relata que “o assédio sexual permeia a vida de mulheres e de garotas e está profundamente entranhado na nossa cultura”. Por volta de dois terços das mulheres e meninas já foi vítima de abuso sexual em lugares públicos, e esse número cresce para 85% dentre as mulheres entre 18–24 anos.

O relatório argumenta que, devido ao fato de o assédio sexual frequentemente se iniciar quando as meninas estão ainda em seus uniformes escolares, “ele se torna “normalizado” a medida que essas garotas se movem pela vida: ele dá forma às mensagens que garotos e garotas recebem sobre o que é aceitável […] e restringe [as mulheres] em sua liberdade em lugares públicos”.

O comitê também apresentou algumas recomendações específicas para abordar o problema. Na manhã de hoje, na BBC News, a convidada Maria Miller declarou que “apenas uma lei não pode mudar essa realidade”, e que é necessária uma abordagem multifatorial se queremos que garotas e mulheres vivam em um mundo mais seguro e igualitário.

Potencialmente a recomendação mais controversa envolve reconhecer e destacar os impactos prejudiciais da pornografia sobre a igualdade de gênero e sobre o abuso e assédio sexual.

O relatório mostra que “há uma quantidade significativa de pesquisas sugerindo que existe uma forte relação entre o consumo de pornografia e atitudes sexistas ou comportamentos sexualmente agressivos — incluindo violência sexual”. Citado no relatório, o Dr. Maddy Coy apresentou ao comitê uma meta análise de pesquisas que descobriu que “existe uma relação entre consumo de pornografia, atitudes que suportam violência sexual e a probabilidade de se cometer atos de violência sexual”.

O comitê prosseguiu em recomendar uma proibição a assistir material pornográfico em locais públicos como ônibus e trens, assim como a tomar uma “abordagem baseada em evidências em relação à pornografia, seguindo as mesmas linhas de segurança no trânsito e campanhas anti-tabagismo”.

Discussões sobre os potenciais efeitos prejudiciais que a pornografia tem sobre as atitudes sobre o sexo e violência sexual já estão em voga por um bom tempo. Ninguém nessas discussões está dizendo que todos os que assistem a esse tipo de material irá sair de casa e assediar uma mulher na rua — ou pior.

No entanto, não pode ser ignorado que não estamos mais vivendo na geração em que ter acesso à pornografia significava encontrar uma cópia de uma revista Razzle abandonada em um arbusto. Pornografia profundamente misógina e violenta agora está prontamente disponível online, e está sendo assistida por crianças de até 11 anos de idade.

Enquanto o acesso à educação de qualidade sobre sexo e relacionamentos ainda é rara, os adolescentes estão, não surpreendentemente, fazendo uso da pornografia para aprender sobre sexo. No entanto, com tanto da pornografia popular mostrando atos de agressão sexual, coerção e uma falta de interesse no prazer feminino, os jovens estão sendo expostos muito cedo a um material cheio de estereótipo de de imagens degradantes de sexualidade que pode alimentar suas atitudes futuras sobre as mulheres e sobre o sexo no geral.

Isso foi evidenciado em um relatório em 2013 da ‘Children’s Commissioner and Middlesex University’. Os pesquisadores descobriram que a exposição à pornografia desde uma idade tenra estava levando os adolescentes a ter “atitudes irrealísticas sobre o sexo, a crença de que mulheres são objetos sexuais e atitudes menos progressistas sobre papéis de gênero”.

Novamente, ninguém está sugerindo que assistir pornografia enquanto adolescente te torna um predador sexual. O que é preocupante, porém, é que a curiosidade muito normal e válida de pessoas jovens sobre a sexualidade está sendo alimentada por cenas de violência, estupro simulado, e atos centrados em agressão e degradação, tudo isso antes mesmo de eles terem uma chance de explorar e desenvolver sua própria sexualidade.

Isso arrisca termos jovens adolescentes crescendo com uma visão de mulheres como os objetos sexuais que elas são na pornografia, o que em sua vez normaliza o assédio sexual. Existe também evidência que sugere que garotas jovens se sentem coagidas por seus namorados a participar de atos sexuais que elas não querem, citando a “pornografia como a explicação” por serem pressionadas a praticar, por exemplo, o sexo anal.

Além disso, um relatório feito pelo Rape Crisis South London (“Crise de Estupros no Sul de Londres”) mostra a que a pornografia era usada como um instrumento para o aliciamento — “especificamente com jovens garotos”.

O Comitê de Mulheres e Igualdades declara que “existem exemplos de comportamentos que são dentro da lei, mas que o governo considera como danoso, como o fumo, e que são abordados com campanhas de saúde pública e gigantescos investimentos desenvolvidos para reduzir ou prevenir esses danos”. É hora, eles acreditam, de fazer o mesmo com a pornografia.

Claro, essa recomendação não se viu livre de críticas. Existem muitas pessoas e entidades com uma inclinação para a defesa da pornografia — propondo que quaisquer dúvidas ou questões levantadas sobre seus impactos estão ou vindo de um extremo puritanismo ou de alguma agenda anti liberdade de expressão.

É importante lembrar que não foi proposta uma proibição sobre a pornografia online, nem mesmo existe uma tentativa por parte do relatório de restringir os tipos de materiais pornográficos disponíveis. Ao invés disso, as recomendações do comitê nos pedem que paremos de fingir que a pornografia mainstream, que sexualiza a violência e a falta de consentimento, existe em um vácuo, livre de qualquer impacto sobre o consumidor e suas atitudes sobre mulheres, garotas, sobre o sexo ou sobre a vida.

Existe hoje uma epidemia de violência sexual, e garotas estão carregando o peso de crescer em um mundo onde ser tratada por um homem como um objeto a ser assediado é o seu “normal”. Se uma campanha para evidenciar os danos potenciais da pornografia puder começar a abordar esses assuntos, e dar aos consumidores de todas as idades algum contexto sobre o que eles estão assistindo, então talvez isso possa finalmente levar a uma mudança crucial e positiva sobre as atitudes da sociedade sobre a pornografia, sexo, assédio e igualdade feminina.


Sian Norris é escritora e jornalista. É a fundadora e diretora do Festival de Literatura Feminina de Bristol. Ela é a atualmente parte do departamento de política da Birkbeck University.

As referências originais foram mantidas.
Texto traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni.

Link para o original.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.