A Indústria Pornô Realmente se Importa em Empoderar as Mulheres?

Ninka
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5 min readApr 9, 2019

Um dos maiores equívocos sobre a pornografia é que ela é só um “problema dos homens”, mas sabemos que definitivamente ela não é uma questão com a qual apenas os homens lidam. As estatísticas estão mostrando que mais e mais mulheres estão assistindo à pornografia de uma maneira regular. Surpreso?

A realidade é que, mulheres são seres sexuais que podem ser atraídas pelo conteúdo pornográfico assim como os homens. E, como com os homens, algumas vezes essa atração e curiosidade naturais podem se desenvolver em uma grande e difícil luta. De fato, já recebemos muitos e-mails de mulheres e garotas compartilhando sobre suas dificuldades em lidar com um hábito compulsivo de ler ou assistir à material pornográfico.

Mas a pornografia também é um problema para as mulheres de uma forma distinta — ela as objetifica, humilha, e explora sem remorsos, enquanto a indústria clama ser simultaneamente uma guerreira para as mulheres. (A pornografia também pode fazer isso com os homens através de mecanismos diferentes, mas vamos falar sobre as mulheres por um momento.)

Exploração ou empoderamento?

De acordo com os números do resumo de 2017 do site de pornografia mais popular do mundo, um dos termos de pesquisa que definiu aquele ano foi “pornô para mulheres”. Esse termo cresceu um total de 1.400% no PornHub desde 2016, e em meio as pesquisas massivas do site de pornografia, ele foi rotulado como a pesquisa número 1 que definiu o ano de 2017. Citado no review está a “especialista em sexo” Dra. Laurie Betito, que trabalha para o site, dizendo que esse era um sinal de que as mulheres estavam “finalmente sendo ouvidas”.

“Do movimento ‘Me Too’ até mulheres proeminentes…no estádio mundial, as mulheres estão se sentindo mais empoderadas e elas acharam a sua voz. [Esse termo de pesquisa] é um sinal de coisas por vir”, disse Dra. Betito.

Mas nós estamos mais do que um pouco céticos em relação a esse discurso de uma suposta vitória de empoderamento para as mulheres, especialmente considerando que a Dra. Betito trabalha para o PornHub, fazendo com que sua opinião acadêmica represente um possível conflito de interesses. Além disso, nós não estamos comprando a celebração do enfim empoderamento das mulheres, considerando o fato de que a audiência feminina no PornHub é de apenas de 26–29% dos usuários.. então em geral não são as mulheres que estão procurando por essa categoria de pornografia (e nós detalhamos o porquê disso nesse artigo.)

Mas mais do que a opinião de uma pessoa, aqui está o porquê de “pornô para mulheres” não ser exatamente uma vitória, de maneira alguma, e como está claro que o PornHub não faz o menor esforço para lutar contra abuso e violência.

“Lutando” contra a violência enquanto a romantiza

O mesmo movimento ‘Me Too’ que a Dra. Betito referenciou é totalmente sobre escancarar uma realidade generalizada de assédio e violência sexual — ambos temas extremamente comuns nos ‘roteiros’ dos vídeos pornográficos — mesmo aqueles que podemos encontrar no PornHub. Por exemplo, categorias populares incluem “abuso facial”, “adolescente chorando”, e “gang bang extremamente brutal”.

Essas categorias soam como uma “vitória” para as mulheres?

Consideremos outro termo de pesquisa popular em 2017, “líder de torcida”. Essa categoria idealiza a fantasia sexual problemática em relação à uma adolescente, certo? Aqui está o que a Dra. Betito disse em resposta a essa tendência no relatório de 2017 do PornHub:

“Que macho nunca teve uma fantasia envolvendo líderes de torcida, uma professora, ou uma robô feminina? Pornografia com realidade virtual permite a eles que se entreguem a essas fantasias de uma maneira sem riscos e sem ameaças”, ela disse.

Vamos por partes sobre o que essa fala totalmente se esquece.

Assumir que todos os homens assistem a pornografia ou fantasiam com menores é humilhante e uma inverdade. (Aliás, essa é uma tática comum de propaganda da indústria pornográfica: falar em nome dos homens de maneira a indicar de alguma forma que eles só são realmente “homens” ou machos de verdade se se interessarem por esse tipo de conteúdo, na maioria dos casos, degradante e abusivo. É uma tática de publicidade muito usada para cooptar adolescentes que estão descobrindo a sua sexualidade. N.d.T). Além do mais, engajar nessas fantasias envolvendo menores não é algo “sem-riscos” e “não-ameaçador” — as pesquisas mostram claramente como o consumo de pornografia hardcore pode levar à violência e mesmo os tipos mais leves de conteúdo pornográfico alimenta uma aceitação social da cultura do estupro. Isso não soa exatamente como uma atividade ‘sem riscos’ e ‘sem promover ameaças’, certo?

Mas esperem, tem mais. Um estudo feito há alguns anos atrás analisou 304 vídeos pornográficos populares e encontrou que 88% desses continham violência física e 49% incluíam agressão verbal. E as mulheres nesses filmes, majoritariamente as recipientes desses abusos, eram retratadas ou com neutralidade ou parecendo apreciar o abuso sofrido.

Novamente, nos perguntamos: alguma coisa a respeito disso soa como uma “vitória” para as mulheres, ou para os homens?

Exploração não é empoderamento

As companhias de pornografia podem vender a ideia de que eles são muito a favor do empoderamento, mas a realidade mostra o extremo oposto: claramente, eles são uma parte significativa do problema.

A vasta maioria dos vídeos pornô — violentos ou não — retratam homens como poderosos e com o controle; as mulheres são submissas e obedientes. [1] Assistir a cenas após cenas de submissão desumanizante faz com que isso comece a parecer o normal. [2] Isso prepara o terreno para uma dinâmica de poder desequilibrada na relação entre o casal e a aceitação gradual de agressão física e verbal contra a mulher. [3] As pesquisas confirmam que aqueles que assistem à pornografia (mesmo em sua forma não violenta) são mais sujeitos a corroborar com argumentos que promovem abuso e assédio e agressão sexual contra mulheres e garotas. [4]

Não apenas isso, mas também considere como pode ser difícil às vezes dizer a diferença entre o que estupradores e revistas pornô têm a dizer sobre mulheres. Um estudo pela Universidade de Surrey comparou frases retiradas de revistas pornô e frases de estupradores condenados e pagando pelos seus crimes, e foi concluído que eles usam uma linguagem praticamente idêntica.

Graças ao crescente ramo de pesquisa, nós já sabemos que o consumo de pornografia altera o cérebro, e pode até se tornar um vício, afetar os gostos sexuais, impactar negativamente relacionamentos (tantos românticos, sociais ou familiares), aumentar o risco de disfunção sexual, encorajar a violência, alimentar o tráfico humano, promover desigualdade de gênero e discriminação, e essa lista pode continuar longamente,

Será que algo sobre isso soa como uma vitória, seja para mulheres ou homens?

Pornografia é uma questão para as mulheres de maneira que elas também precisam lutar contra seu consumo, mas também de maneira que as mulheres são constantemente degradadas e exploradas por companhias como o PornHub enquanto ouvem que estão sendo ajudadas, apreciadas, e empoderadas. Claramente, os fatos reais se empilham e vemos como nada disso é verdade. Não compre essas mentiras.


Texto traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni.
Link para o texto original.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.