A Insidiosa e Perigosa Natureza do OnlyFans

Ninka
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6 min readJul 18, 2022

O crescimento contínuo do OnlyFans demonstra como apenas o lucro importa nas novas fronteiras da exploração sexual online. A autodescrita “plataforma social”, que foi lançada há apenas 5 anos, é na verdade um dos provedores de pornografia que mais cresce no mundo — o grosso de seu conteúdo é sexualmente explícito, criado primariamente por mulheres jovens para o consumo de seus, geralmente “fãs”, do sexo masculino.

Então, o anúncio ano passado que ela não permitiria mais conteúdo explícito causou um choque em muitos e foi recebido através das mídias sociais e noticiários online com desalento. Confrontados pelos impactos prejudiciais que essa decisão iria sem dúvida causar em sua receita financeira, as pessoas por trás da plataforma voltaram da sua decisão rapidamente e suspenderam a proibição, o que veio acompanhado de grande entusiasmo. Mas, por que celebrar?

No ano passado, foi reportado que a receita do OnlyFans antes de se aplicarem impostos., era de 62 milhões de euros (NT: algo próximo de 340 milhões de reais), e é esperado que cresça para 350 milhões de euros (ou 1.9 bilhões de reais) no próximo ano financeiro. Esses montantes impressionantes são recebidas pela plataforma ao cobrar 20% das taxas de assinatura pagas pelos “fãs” para os “criadores de conteúdo”.

Por trás de uma linguajem de negócios pensada para parecer neutra, o que isso realmente significa é que lucros substanciais estão sendo gerados pela facilitação da venda do acesso sexual online aos corpos de mulheres jovens por homens de todas as idades e ao redor do globo. Tudo isso apoiado pelos investidores, bancos, companhias de cartão de crédito e serviços de armazenamento na nuvem, que lubrificam as engrenagens desse tipo de plataforma.

O fluxo constante de títulos midiáticos que chamam atenção para histórias sobre criadoras de conteúdo se tornando milionárias, tudo faz parte da narrativa pensada para normalizar e propagar o OnlyFans. Mas a realidade é que apenas 300 de seus 1.5 milhões de criadores (ou seja, 0.02%) realmente ganhou toda essa quantidade de dinheiro, com os top 1%, perfis com um imenso e usualmente pré-existente seguidores nas mídias sociais, representando um terço de todo o dinheiro gerado. Em óbvio contraste à esses milhões, na média uma criadora de conteúdo ganha menos de 145 dólares por mês (aproximadamente 780 reais na conversão atual). É estimado que, pelo tempo e esforço que as criadoras devem dedicar à plataforma para manter seus “fãs” interessados e aumentar o número de assinaturas, a maior parte destas está de fato perdendo dinheiro na plataforma.

As “histórias de sucesso”, no entanto foram bem sucedidas para atrair milhares de mulheres jovens com a promessa de dinheiro rápido — uma solução rápida e direta, elas pensam, para seu desespero financeiro, enquanto lutam para pagar o aluguel, pagar a faculdade, dar suporte a familiares, ou conseguir emprego em meio à instabilidade econômica.

Mulheres jovens descrevem o estresse e extrema exaustão mental de ter que continuamente criar novo conteúdo, responder mensagens de dia e de noite para manter os “fãs” engajados, e terem que implacavelmente performar diante das câmeras sob os olhares críticos dos compradores, emulando desejo sexual e prazer que elas não realmente sentem.

Mulheres na plataforma também reportaram um desgaste e terem que ceder de seus limites pessoais — com “fãs” as mantendo sobre constante pressão para performar atos sexuais que elas não pretendiam fazer, mas se sentiram compelidas pelo medo de perder inscrições.

Para muitos “fãs”, uma foto nua ou uma excitante sessão de striptease não são o suficiente — eles se sentem no direito de pedir por mais, e ameaçam cancelarem suas assinaturas se não conseguirem o que querem — e há inúmeros relatos de mulheres jovens que foram pressionadas a se penetrarem com diferentes objetos que a causavam dor, enforcar ou asfixiar a si mesmas ou a outros tipos de autoagressões, tudo a mando de seus “fãs”.

O 0nlyFans, e todos seus equivalentes na vida real ou online, engenhosamente se propagandeia como uma plataforma onde mulheres jovens podem se expressar sexualmente de forma livre e explorar sua sexualidade. Mas a verdade é justamente o contrário. Assim como no mercado sexual na vida real, raramente se trata de uma troca mútua entre iguais.

É requerido das mulheres que ponham seus próprios desejos e prazer inteiramente de lado e performem aquilo que agrade as demandas sexuais e gratificação de seus “fãs” — ou seja, homens que possuem vantagem econômica sobre elas — homens que compram o poder e noção de direito sexual que os leva a acreditar que o acesso sexual ao corpo de uma mulher jovem que necessita, às vezes urgentemente, do dinheiro é algo que eles possam comprar e vender.

Para além dos danos inerentes a esse comércio, mulheres jovens estão também precisando lidar com a perda de controle sobre seu conteúdo explícito. Relatos de assinantes individuais compartilhando ou mesmo vendendo o conteúdo de uma ou várias criadoras sem o consentimento das mesmas são comuns, sem mencionar o gigantesco vazamento de conteúdo roubado que se tornou viral em 2020. O online é, quase sempre, para sempre. As consequências de longo prazo e a possibilidade de futuros parceiros, empregadores ou mesmo filhos encontrando seu conteúdo explícito são situações dolorosas de contemplar.

Histórias traumáticas de criadoras sendo hackeadas, sofrendo violência psicológica, sendo assediadas, ameaçadas, recebendo comentários racistas, sendo chantageadas, estalqueadas ou perseguidas, não faltam. Há também evidência de mulheres jovens, novas na plataforma, sendo persuadidas ou coagidas a entregarem o controle de suas contas para um “administrador” ou “agente” que promete maximizar seu lucro em troca de uma porcentagem — em outras palavras, um cafetão. Finalmente, e novamente assim como o comércio sexual na vida real, crianças e adolescentes estão sendo sexualmente exploradas no OnlyFans.

E, de alguma forma, mesmo com os abusos, mesmo com toda a exploração e apesar de todos os riscos que aquelas na plataforma enfrentam, e tipicamente por tão pouco dinheiro por semana, a continuidade da plataforma é aplaudida.

Aplaudida em particular até mesmo por pessoas de “consciência social”, que normalmente nunca pensariam em defender qualquer outro tipo de comércio explorador e que questionam o comportamento de grandes empresas a cada oportunidade. Talvez suas cabeças tenham sido invadidas pelos barulhentos líderes de torcida do OnlyFans (e, claro, da pornografia em geral )— os lobistas e promotores de quem todos os grandes negócios dependem para proteger seus lucros — enquanto muito menos é ouvido das outras vozes, tantas vezes silenciadas, tantas vezes desacreditadas, das “produtoras de conteúdo médias”, aquelas que foram prejudicadas de mais de uma forma por suas experiências na plataforma.

Em um mundo igualitário, de que tanto se fala, um tipo de plataforma como essa jamais existiria. Mas, enquanto existe, precisamos garantir que ela seja responsabilizada por todo tipo de exploração que acontece debaixo de seu nariz, garantir que qualquer pessoa violada ou prejudicada em seus domínios recebam tanto suporte quanto remediação, e alertar àquelas atraídas pela ideia dos riscos significativos que elas podem, e provavelmente irão, enfrentar.

O comércio sexual mundial persuadiu as mulheres de que, enquanto vivem em tempos ou vidas de dificuldade financeira, seu corpo é a sua moeda. E vender o acesso sexual a ele é, de alguma forma, a resposta contra a pobreza. Nós não pedimos ou esperamos o mesmo dos homens.

Isso representa uma situação óbvia de “dois pesos, duas medidas” que permeou a história em termos da opressão de mulheres sexualmente ativas — exceto que não mais é a igreja a grande opressora, e sim o mercado sexual global. Talvez seja hora de pararmos de celebrar o sucesso desse enojante mercado e de seus facilitadores, e começar a desafiá-lo?

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Texto traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni
Link para o original.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.