AS MENTIRAS QUE HOLLYWOOD CONTA SOBRE GAROTINHAS
Britney Spears e eu tivemos a mesma lição ao crescermos: quando você é jovem e famosa, não existe controle.
Por Mara Wilson
23 de fevereiro de 2021
Eu passei meu décimo terceiro aniversário trancada em um quarto de hotel em Toronto.
Era julho de 2000, e eu estava em uma campanha publicitária para promover o filme “Thomas and the Magic Railroad.” Haviam me prometido um dia de folga pelo meu aniversário, mas quando eu cheguei em Los Angeles na noite anterior, descobri que falaria com repórteres por todo o dia. Trabalhar no meu aniversário não era novo para mim — eu havia comemorado meu oitavo aniversário no set de “Matilda”, e o meu nono filmando “A Simple Wish” — mas, ainda assim, aquilo foi decepcionante. Exceto por uma babá, eu estava sozinha.
Na manhã seguinte eu acordei, sonolenta com o fuso horário, e vesti minha melhor roupa da Forever 21. Dois coordenadores de imprensa apareceram antes de eu começar minha entrevista: Queria que desligasse o ar, ou um refrigerante? Respondi que estava bem — eu não queria ficar conhecida como reclamona. Mas quando a jornalista perguntou como eu estava me sentindo, cometi um dos maiores erros da minha vida. Contei a verdade para ela.
Não sei por que me abri com ela. Mas eu nunca tinha sido boa em esconder meus sentimentos (atuar, para mim, é bem diferente de mentir). E pareceu que ela realmente se importava.
No dia seguinte, o jornal de maior circulação do Canadá me colocou na primeira página do seu caderno de entretenimento. O artigo começava, “A entrevista nem começou com Mara Wilson, estrela infantil, e ela já reclamava com sua equipe”.
O artigo continuou me descrevendo como uma “pirralha mimada” que estava agora “na meia idade”. Descreveu caminhos sombrios que estrelas infantis como eu frequentemente trilhavam. Assumiu o que eu agora chamo de “A Narrativa”, a ideia de que qualquer um que cresceu sob os olhos do público terá algum fim trágico.
Aos 13, eu já sabia tudo sobre A Narrativa. Como atriz desde os cinco anos de idade, que alavancava filmes aos oito, eu havia sido treinada para ser vista, para ser, tão normal quanto possível — custasse o que custasse para evitar a minha inevitável desgraça. Eu dividia o quarto com minha irmãzinha. Eu ia à escola pública. Eu era escoteira. Quando alguém me chamava de “estrela” eu deveria insistir que era uma atriz, que as únicas estrelas estavam no céu. Ninguém tocaria no dinheiro que eu ganhava até eu fazer 18 anos. Mas então eu tinha 13 anos, e já estava arruinada. Justamente como todos esperavam.
Tem uma linha do artigo que me vem à cabeça agora, em meio aos agentes dizendo que crianças de 12 anos têm de “parecer inocentes” e ser como “bebês Johnson” para receberem atenção e as chocantes descrições de estrelas infantis que lutam contra o vício. A articulista havia me perguntado o que eu achava da Britney Spears. Aparentemente, respondi que eu a “odiava”.
Eu não realmente odiava a Britney Spears. Mas eu nunca teria admitido que gostava dela. Havia uma forte característica de “Não Como as Outras Meninas” em mim na época, que dá vergonha agora — mas será que eu não tinha que acreditar naquilo, quando eu passava tanto tempo da minha infância competindo em testes contra tantas outras meninas? Alguma coisa disso era pura inveja, de que ela era linda e legal de uma maneira que eu jamais seria. Acho que, principalmente, eu já tinha absorvido a versão dA Narrativa sobre ela.
A forma como as pessoas falavam da Britney Spears era aterradora para mim, e ainda é. A história dela é um exemplo chocante do fenômeno que testemunhei por anos: nossa cultura cria essas garotas somente para destruí-las. Felizmente as pessoas estão se conscientizando do que dizemos com a Srta. Spears e começando a se desculpar com ela. Mas ainda estamos convivendo com as cicatrizes.
Já nos anos 2000, a Srta. Spears foi taxada de “Menina Malvada”. Meninas Malvadas, observei, eram em sua maioria meninas que mostravam qualquer sinal de sexualidade. Segui a comoção sobre a matéria de capa que ela teve na Rolling Stone, na qual a primeira linha descrevia suas “coxas cor de mel” e o furor nas caixas de mensagem da AOL quando seus mamilos marcaram a camiseta. Eu vi muitas atrizes adolescentes e cantoras assumindo a sexualidade como um rito de passagem, aparecendo em capas de revistas masculinas ou em videoclipes provocativos. Isso nunca seria eu, decidi.
Eu já tinha sido sexualizada de toda forma, e odiava isso. Eu atuava principalmente em filmes família — o remake de “Miracle on 34th Street”, “Matilda”, “Mrs. Doubtfire”. Nunca apareci com nada mais revelador que um vestido leve na altura dos joelhos. Tudo isso era intencional: meus pais acreditavam que eu estaria mais segura dessa maneira. Mas não funcionou. As pessoas me perguntavam “Você tem namorado?” em entrevistas desde que eu tinha seis anos. Repórteres me perguntaram quem eu achava que era o ator mais sexy e sobre a prisão de Hugh Grant por aliciamento de uma prostituta. Era bonitinho quando meninos de dez anos de idade me mandavam cartas dizendo que estavam apaixonados comigo. Não era quando homens de cinquenta o faziam. Antes mesmo de eu completar doze anos, havia fotos minhas em páginas de fetiches com pés e photoshopadas em pornografia infantil. Todas as vezes eu sentia vergonha.
Hollywood resolveu encarar o assédio na indústria, mas eu nunca fui assediada sexualmente em um set de filmagens. Meu assédio sexual sempre veio nas mãos da mídia e do público.
Uma grande parte dA Narrativa é a pressuposição de que crianças famosas merecem. Elas pediram por isso tornando-se famosas e empoderadas, então é tranquilo atacá-las. Na verdade, A Narrativa muitas vezes tem muito menos a ver com a criança do que com as pessoas em volta dela. A MGM dava remédios à Judy Garland para ficar acordada e emagrecer quando ela estava no início da adolescência. A ex atriz infantil Rebecca Schaeffer foi assassinada por um stalker obsessivo. Drew Barrymore, que foi para uma clínica de reabilitação enquanto jovem adolescente, tinha um pai alcoólatra e uma mãe que a levou para o Estúdio 54 no lugar da escola. E isso nem ao menos leva em conta a quantidade de abuso que atrizes não brancas, particularmente negras, recebem do público. Amandla Stenberg foi assediada depois de ter sido selecionada para “The Hunger Games” como uma personagem que foi escrita como negra, mas que alguns leitores da série imaginavam como branca.
A coisa mais triste do “surto” da Srta. Spears é que ele nunca deveria ter acontecido. Quando ela se separou do marido, raspou a cabeça e furiosamente atacou o carro de um paparazzi com um guarda-chuva, a Narrativa foi forçada sobre ela, mas a realidade era a de que ela era uma mãe nova lidando com grandes desafios da vida. As pessoas precisam de espaço, tempo e cuidados para lidar com essas coisas. Ela não tinha nada disso.
Muitos momentos da vida da Srta. Spears foram familiares para mim. Ambas tivemos bonecas feitas de nós, tivemos amigos próximos e namorados espalhando nossos segredos e homens adultos comentando sobre nossos corpos. Mas a minha vida foi mais fácil não só porque eu nunca fui famosa de aparecer em tabloides, mas também porque, diferente da Srta. Spears, eu sempre tive o apoio da minha família. Eu sabia que eu tinha o meu dinheiro guardado para mim, e que era meu. Se eu precisasse escapar dos olhares do público, eu desaparecia — segura, em casa ou na escola.
Quando o artigo que se referiu a mim como pirralha foi publicado, meu pai me apoiou. Ele me lembrou que eu devia ser mais positiva e simpática em entrevistas, mas eu conseguia ver que ele também não achava aquilo justo. Ele sabia que eu era mais do que o que aquela jornalista escrevera sobre mim. Isso me ajudou a saber também.
Algumas vezes as pessoas perguntam “Como você acabou ficando bem?” Uma vez, alguém que eu considerava amigo perguntou, sorrindo, “Como você se sente sabendo que já chegou ao topo?” Eu não soube como responder, mas agora eu diria que essa é a pergunta errada. Eu não cheguei ao topo, porque, para mim, A Narrativa não é uma história que alguém está escrevendo. Eu posso escrevê-la por mim mesma.
Texto original aqui.
Tradução feita por André Bueno. S2
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