Como falar com seu parceiro sobre pornografia — E porque todos deveríamos fazer isso

Ninka
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8 min readJul 26, 2018

À luz de escândalos como o da Ashley Madson, o uso de pornografia e a infidelidade merecem nossa atenção.

Crédito da foto: Tom Page

Quando você está procurando por alguém com quem compartilhar a vida, existem muitas coisas com o que pensar — desde simples coisas mundanas à coisas simplesmente não negociáveis. Estamos na mesma página sobre querer ter filhos? Com que família passaremos os feriados?

Mas, quando falamos sobre estar na mesma página que seu parceiro ou parceira, tem um assunto (muito importante) que você pode estar esquecendo: a pornografia. Na onda de um recente escândalo com o site Ashley Madson, o e-mail de Josh Dugger estava entre aqueles dados que foram vazados. Duggar emitiu uma nota pública de desculpas, que originalmente incluía (mas que depois foi removida) uma confissão ao uso da pornografia como um hábito que o levou ao seu caso extramarital. Como o grupo de marketing da Ashley Madson parecia saber — é um site frequentemente anunciado em sites de pornografia — a conexão entre os dois está longe de ser incomum.

A cada segundo, 28.258 usuários na internet estão assistindo pornografia e gastando mais de 3.000 dólares com ela. Por segundo. Pesquisas entre homens em idade universitária mostram que mais de 93% deles foram expostos à conteúdo pornográfico antes dos 18 anos. Então, se você acha que o uso de pornografia não afetou o seu relacionamento, talvez você queira pensar de novo.

Quando eu estava solteira, o tópico da pornografia era parte do meu processo de triagem com os garotos com os quais eu saía. De fato, esse foi um dos primeiros assuntos que eu levantei com meu em-breve-marido. Eu acredito que a pornografia danifica os relacionamentos, desumaniza o sexo, e explora a mulher — mulheres que, muito frequentemente, estão na indústria do sexo em decorrência de abuso e/ou tráfico sexual e sofrem com os pós-efeitos nocivos do consumo de pornografia de terceiros. Para mim, o uso de pornografia representa o extremo oposto do homem com quem eu gostaria de passar a minha vida — alguém que seria fiel a mim com seu coração e mente, não só com seu corpo. E é por isso que eu faço questão de falar sobre isso com meu parceiro.

De acordo com Dawn Hawkings, vice presidente e diretor executivo do Centro Nacional de Exploração Sexual (dos EUA), conversas como as que eu tive com meu futuro marido são muito importantes. Hawking diz que a pornografia tem uma miríade de efeitos danosos em relacionamentos íntimos, incluindo um que foi exposto recentemente pelo vazamento de dados da Ashley Madson: a infidelidade.

A conexão entre a pornografia e a infidelidade não é apenas algo que os ativistas antipornografia expõem ou algo que sites como o Ashley Madson aparentemente exploram. É um fato muito bem estabelecido pela ciência social. O uso de pornografia é associado com uma grande gama de atitudes e comportamentos sexuais negativos que significativamente machucam homens, mulheres, e especialmente os relacionamentos íntimos. De acordo com uma pesquisa compilada por Mary Anne Layden, Ph.D, diretora do programa de Psicopatologia e Traumas Sexuais para Terapia Cognitiva da Universidade da Pensilvânia, adultos usuários de pornografia são mais inclinados do que não-usuários a: taxar seus parceiros como menos atraentes, serem menos satisfeitos com a performance sexual de seus parceiros, desejarem sexo sem envolvimento emocional, tentarem fazer seus parceiros performarem atos sexuais como os vistos na pornografia, procurarem por prostitutas, e, sim, quando se trata de usuários de pornografia casados, a terem casos extramaritais.

Outros estudos também já conectaram o uso de pornografia com casamentos infelizes e com o divórcio. Um estudo de 2014 com 20.000 adultos que já foram casados descobriu que aqueles que tinham assistido filmes com conteúdo erótico adulto eram mais inclinados a se declararem infelizes com seus relacionamentos e tinham maior probabilidade de se divorciarem. Um estudo anterior a este, realizado pelo Dr. Jill Manning, que testificou sobre os danos da pornografia diante do subcomitê do senado dos EUA em 2005, descobriu que “um interesse obsessivo com sites pornográficos” por parte de um dos parceiros era um dos motivos de por volta de 56% dos casos de divórcio!

Então, o que na pornografia danifica tanto a intimidade sexual saudável e faz com que alguns usuários sejam infiéis?

“Assistir pornografia envolve se conectar com imagens e atos sexuais, ao invés de a uma pessoa real” diz Hawkins. “Isso pode cavar uma separação em qualquer relacionamento íntimo”.

Hawkins também aponta para pesquisas que mostram que o uso prolongado da pornografia leva a muitas coisas, incluindo o “tédio” com a pornografia mais “leve” e um desejo por conteúdo sexual mais degradante e violento; inclinação para a objetificação da mulher, que são vistas como objetos sexuais que desejam sexo a todo o tempo e gostam de ser violentadas sexualmente; uma visão distorcida da realidade sexual, que inclui pensar que certos comportamentos sexuais como sexo com animais ou sexo grupal são amplamente praticados; um desejo de praticar os comportamentos retratados na pornografia; e vício sexual.

À luz desses efeitos corrosivos da pornografia nos relacionamentos saudáveis, a popularidade da pornografia na nossa sociedade é uma causa para preocupação. Conforme mais homens casados estão sendo expostos pelos seus usos dos serviços da Ashley Madson, talvez nossa conversa nacional devesse ser expandida para além de “quem traiu” para considerar se talvez a proliferação do uso da pornografia esteja levando à demanda para aquilo que é vendido na Ashley Madson. Um estudo feito por cientistas da Universidade de Cambridge mostram que imagens dos cérebros de usuários ávidos de pornografia não são muito diferentes daquelas dos de viciados em drogas. A pornografia é um assunto sério e deve ser tratado como tal, mas mesmo com alguém em quem você confia, não é um assunto fácil de tratar.

Hawkins aconselha as mulheres solteiras a levantarem o assunto da pornografia com seus namorados cedo no relacionamento, e encoraja mulheres casadas a terem discussões contínuas sobre pornografia com seus maridos. Mantenha em mente, não são só os namorados que lutam com a pornografia. Apesar de ser menos prevalente entre as mulheres, o uso de pornografia e o vício são problemas que algumas namoradas também podem sofrer. Hawkins oferece as seguintes dicas sobre como falar sobre esse tópico, começando com o que não falar, para que a conversa seja fluida e frutífera.

- Não o faça pensar que você está o julgando

Essa conversa não vai ir bem se seu parceiro se sentir culpado ou envergonhado. Ao invés disso, mantenha a conversa aberta e honesta. Por exemplo, Hawkins aconselha as mulheres a não perguntarem “Você tem um problema com pornografia?” porque isso pode o deixar na defensiva. Ao invés disso, pergunte “Qual foi a última vez que você assistiu pornografia, qual era a situação, e como você reagiu a isso?”

- O dê a chance de se explicar antes de pular diretamente para conclusões

Por causa da proliferação da pornografia na internet, muitos homens e mulheres foram expostos à pornografia quando muito jovens, e muitos possivelmente vêm usando a pornografia desde o ensino fundamental. Não assuma que seu namorado saiba sobre a problemática da pornografia. E não assuma que seu uso de pornografia não seja ou já não tenha sido uma luta para ele. É difícil para os homens se protegerem da isca da pornografia, principalmente quando crianças, então escute-o, e seja respeitosa com o que ele tem a dizer.

- Seja clara sobre sua visão sobre a pornografia quando se diz respeito à sua vida e seu relacionamento

Você não precisa ser dura ou não amável para fazer com que sua visão seja conhecida e afirmada. Enquanto é importante deixar seu namorado saber que você entende a luta dele em evitar a pornografia, não deixe nenhum espaço para confusão quando você explicar como você se sente sobre a pornografia e o que ela significa para você no contexto do seu relacionamento. Antes de trazer o assunto à tona, certifique-se de tomar um tempo para formular quais são seus sentimentos e porque você se sente dessa forma, e o que você sentiria se seu parceiro fizesse uso de pornografia.

Isso significa se educar sobre os danos da pornografia antecipadamente, e então você pode usar essa conversa como uma oportunidade de ensinar seu marido ou namorado. “Talvez seu parceiro não perceba que a pornografia é danosa para relacionamentos íntimos ou que mulheres sejam frequentemente forçadas ou coagidas a participarem dos vídeos”, diz Hawkins.

- Verifique de tempos em tempos

Ainda que seu namorado ou marido compartilhe seus valores na questão na pornografia, Hawkins aconselha que isso seja verificado com seu parceiro de tempos em tempos, só para ter certeza que tudo está OK.

“A pornografia prospera no secreto, e é da natureza da pornografia deixar as pessoas se sentindo envergonhadas e sozinhas”, diz Hawkins. “Precisamos prover um ambiente de abertura para a comunicação com nossos amados sobre essa questão, para que eles não se retirem e tentem lidar com o problema da pornografia sozinhos”. Uma maneira de verificar com seu namorado ou marido sem usar um tom acusatório ou suspeito é perguntar algo como “Alguma vez é difícil para você resistir à pornografia quando estamos separados?” ou “De que formas poderíamos trabalhar juntos para proteger nosso relacionamento da pornografia?”. Isso dá ao seu parceiro a oportunidade de se abrir para você para receber suporte se ele estiver lutando com esse problema ou pra te dizer que tudo está bem.

- E se seu parceiro achar que não tem nada de errado com a pornografia?

Enquanto Hawkins afirma que a pornografia é uma gigante bandeira vermelha em qualquer relacionamento amoroso, “ela não precisa, necessariamente, ser algo que faça com que você termine o relacionamento” , porque a maior parte das pessoas hoje em dia já foi exposta à pornografia de alguma forma e as pessoas são capazes de mudança se forem educadas sobre seus danos e malefícios se tiverem suporte.

“É por isso que é tão importante que seu namorado saiba desde cedo na relação como você se sente sobre a pornografia, e quais são seus limites sobre esse assunto”, diz Hawkins. “Se essa pessoa não for respeitosa sobre a sua visão ou sentimentos, ou se ela não estiver disposta a mudar seus hábitos, então eu diria que talvez precise repensar essa relação”.

Mesmo que eu tenha deixado meu marido saber sobre meus sentimentos sobre a pornografia e os homens que a utilizam antes do nosso casamento, devo admitir que conversar com ele sobre esse assunto não é mais fácil depois de 13 anos de casamento do que era antes dele. Eu sei que ele compartilha dos meus valores sobre a pornografia, mas às vezes é uma luta para mim me aproximar desse assunto, e seria mais fácil simplesmente ignorar esse tópico completamente e esperar que tudo esteja certo e que minhas dúvidas sumam sozinhas.

Mas se o vazamento de dados da Ashley Madson nos ensinou alguma coisa, é que talvez nenhum de nós possa ignorar o problema da pornografia e seus efeitos negativos — pelo menos não se nós damos valor à relacionamentos íntimos saudáveis e espera construir casamentos e famílias que durem. Não importa o quão difícil possa ser para nós como mulheres solteiras ou casadas ter uma conversa sobre pornografia com nossos parceiros, nós precisamos estar falando sobre os danos da pornografia e sobre porque ela não tem lugar em um relacionamento saudável ou mesmo em uma sociedade saudável.

Texto original de Alysse Elhage / Link do texto original.
As referências originais foram mantidas para os textos e pesquisas em inglês.

Teto traduzido livremente por mim ❤. Nina Cenni.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.