Contrato Honesto em um Set Pornô

Ninka
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4 min readOct 7, 2020

Com toda a discussão sobre como as mulheres “consentem” em fazer pornografia, eu escrevi um ensaio de como seria um “Contrato de Consentimento Informado” ou “Honesto”, que captura mais fielmente a realidade do que acontece com as mulheres em um set pornô. Fique a vontade pra compartilhar.

Você consente em:

  1. Perder o controle sobre a parte mais íntima de sua vida pelo tempo que você viver e depois (porque as imagens vão continuar a ser distribuídas depois que você morrer). Expor seu corpo para incontáveis milhões de consumidores de pornografia que vão te enxergar como uma “puta” ou uma “vadia”. Você nunca será capaz de reconquistar o controle dessas imagens e elas serão propriedade e serão distribuídas por todo canto pelo mercado pornográfico. Se você decidir que você não quer mais imagens pornográficas da sua pessoa circulando através de múltiplas plataformas online, você terá recurso legal limitado ou nulo para prevenir isso, e ainda mais provavelmente, você não ganhará nenhum dinheiro extra por isso além do pagamento inicial de filmagem. Se você decidir brigar contra isso na justiça, você terá que pagar advogados com pouca ou nenhuma garantia que irá vencer. E mesmo se você vencer, não terá como apagar de vez essas imagens porque elas já vão ter se espalhado pela internet e centenas, milhares ou mesmo milhões de consumidores já terão feito o download delas por seus dispositivos e poderão continuar as compartilhando. É bem provável que elas sejam coletadas e vendidas em pacotes para a distribuição em redes que serão difíceis ou impossíveis de rastrear já que são tantas e tão distribuídas pelo mundo todo.

2. Pegar um número de DSTs, muitas das quais são resistentes a antibióticos, que podem incluir, mas não são limitadas a:

• Clamídia no ânus/garganta/vagina/olhos

• Gonorreia no ânus/garganta/vagina/olhos

• Infecções fecais na garganta

• Herpes nos olhos ou nariz

• HIV dos olhos

• Hepatites B eC

3. Com a possibilidade dos seguintes acontecerem no set:

• Estupro anal, vaginal ou da garganta.

• Rasgos anais e/ou vaginais.

• Prolapso Anal.

• Aborto natural, se estiver grávida (nota: uma gravidez pode advir de um ‘acidente de trabalho’).

• Ser forçada a fazer atos sexuais que você claramente disse em sey contrato que você não estava disposta a fazer.

• Danos às próteses de silicone (que talvez te façamos colocar) que podem causar ruptura e precisem ser retirados cirurgicamente.

• Desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático devido ao contínuo abuso de seu corpo, mente e emocional.

4. Se algum dos citados no 2 ou 3 acontecer, você mesma é responsável por todo auxílio médico e medicamentos necessários.

5. Ser atacada nas redes sociais por pornógrafos e consumidores se você, por algum motivo, se pronunciar contra a indústria ou tentar recuperar o direito às suas imagens pornográficas na justiça. Existe uma boa possibilidade que eles irão contratar advogados contra você, cavar detalhes de toda sua vida presente e passada, te taxar na internet como instável mentalmente, uma “puta” ou “vadia”, uma mentirosa, criminosa, entre outros.

6. Há alta probabilidade que seus amigos, família e crianças que você possa ter ache suas imagens. Seus filhos provavelmente serão envergonhados por seus colegas, ridicularizados por ter uma mãe que está na pornografia, se sentirá isolada socialmente, e terá que viver em uma sociedade e comunidade que provavelmente te verá como uma “puta”, isso tudo não importando seus motivos para entrar no mercado, mesmo que seja vulnerabilidade socioeconômica, aliciamento ou abuso sexual (o que representa a maior parte de nossas contratadas).

7. Viver com medo que qualquer futuro empregador ache suas imagens na internet e te demitir porque seu ‘comportamento passado’ não segue os protocolos profissionais da companhia — ou é possível que ele simplesmente comece a te assediar.

8. Usar drogas que você mesmo adquire ou que seus agentes de dão para filmar as cenas particularmente difíceis, humilhante ou dolorosas para você, para que elas possam te dopar ou dessensibilizar, e para não correr o risco de acabar em dissonância cognitiva durante as filmagens. Possivelmente se viciar no uso dessas drogas e precisar continuar no mercado para pagar seu vício induzido por ele. Chance de morte por overdose dessas substâncias.

9. Viver sua vida em um ambiente de vulnerabilidade e insegurança que te rouba de sua integridade corporal, o direito à privacidade íntima, o direito de controle de sua imagem, o direito de viver sem medo, o direito de viver uma vida saudável, o direito de cometer erros e depois desfazê-los, o direito de se sentir no poder sobre si mesma, o direito de se tornar uma adulta que é dona da própria vida, imagem, sexualidade e noção de personalidade.

© Gail Dines, Ph.D. Culture Reframed 2019.

Traduzido livremente por mim. Nina Cenni.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.