Esse estudo sugere que mulheres são tão visualmente estimuladas pela pornografia quanto os homens

Ninka
Recuse A Clicar
Published in
8 min readJun 2, 2022

Já ouviu o argumento que homens gostam mais de assistir pornografia porque eles são seres mais “visuais” que as mulheres? Bom, parece que esse pode não ser o caso.

Até hoje, muitas pessoas acreditam que a pornografia é apenas “um problema de homens”.

Embora sim, exista uma diferença significativa entre a porcentagem de homens e mulheres que consomem pornografia (homens sendo a absoluta maioria), pesquisas ainda mostram que 60.2% das mulheres reportam ter consumido conteúdo pornográfico no mês anterior.

Ainda assim, muitos programas de recuperação e materiais de suporte têm mirado apenas em homens que estão lutando contra a pornografia. Muitas pessoas dizem que os homens são seres “mais visuais” que as mulheres e são mais facilmente excitados por conteúdo sexual, e assim isso explicaria a diferença de consumo de material pornográfico entre os sexos. [1]

No entanto, uma meta análise realizada em 2019 — que consiste em um tipo de relatório de pesquisa que junta e resume os achados de estudos relevantes sobre tópicos específicos — pode contrariar esses estereótipos. [2]

As Pesquisas Recentes

A meta-análise, publicada no journal científico “Proceedings of the National Academy of Sciences”, incluiu 61 estudos em imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) em que os pesquisadores escanearam o cérebro dos participantes e traçaram as áreas e os níveis de atividade cerebral após serem expostos a imagens sexuais.

Os pesquisadores também realizaram uma “revisão sistemática das diferenças entre os sexos no que diz respeito ao volume da matéria cinzenta de regiões do cérebro associadas à excitação sexual” de mais de 3.700 adultos. [3] Do ponto de vista do planejamento prático de pesquisas, pode ser muito difícil para os pesquisadores realizarem imagens cerebrais em um grande número de pessoas, mas porque a meta-análise foi capaz de combinar resultados de dúzias de outros estudos, isso presenteou os cientistas com um uma quantidade enorme de dados para analisar, o que é algo muito notável.

No final, os pesquisadores não encontraram nenhuma diferença significativa entre homens e mulheres relacionada a como seus cérebros respondem a imagens sexuais. [4] Como um dos pesquisadores da meta-análise afirma, “ao menos no nível de atividade neural… os cérebros de homens e mulheres respondem da mesma maneira à pornografia.”[5] Basicamente, a excitação sexual tem a mesma aparência e funcionamento entre os cérebros de machos e fêmeas.

Porque isso importa?

Como eu disse, alguns estudos isolados sugeriam que os homens respondem mais fortemente a estímulos sexuais que as mulheres. [6,7] Foi proposto que a maneira pela qual a informação sexual é processada levava a diferentes respostas sexuais entre homens e mulheres e, por causa disso, avaliações subjetivas distintas sobre seus níveis de excitação. [8] Tradução? Pensava-se que homens e mulheres possuíam processos cerebrais radicalmente diferentes para a excitação sexual e por causa disso experiências de excitação sexual muito diferentes.

Esse novo estudo diz que não é assim. [9]

Ele quebra algumas noções equivocadas sobre pornografia e como ela afeta homens e mulheres. O estudo revisou centenas de relatórios e bases de dado e conduziu análise estatística em todos os 61 estudos significativos em neuroimagem que estudaram respostas cerebrais à estímulos sexuais, e concluiu que o tipo de estímulo usado era o fator preditor mais importante para classificar o tipo de resposta cerebral, enquanto o sexo biológico ficou em último lugar.

E não é tudo — diferentes análises mostraram que “não houve diferenças específicas ao sexo biológico significativas entre os grupos”, e ao analisar a matéria cinzenta associada à excitação sexual, não foi achada nenhuma relação causal entre o sexo do indivíduo e sua resposta ao estímulo sexual. [10].

Autores do estudo, incluindo Hamid Noori, chefe do grupo de pesquisas neurais do Instituto de Cibernética Biológica do Instituto Max Planck, na Alemanha, acreditam que resultados anteriores que insinuavam diferenças cerebrais relativas a homens e mulheres estimulados por conteúdo sexual podem ter sido exagerados devido a “um espaço amostral reduzido ou atitudes diferentes ao material dentre os participantes.”

Mas a pergunta então continua: porque homens consomem mais pornografia que as mulheres?

Em 2018, os homens representavam 70% dos consumidores segundo o relatório anual em um dos sites de pornografia gratuita mais populares. O mesmo aconteceu em 2019, quando 68% dos usuários eram homens e os restantes 32% mulheres. Ainda em 2021, as mulheres representavam apenas 34% dos visitantes ao site.

Enquanto os produtores e consumidores da indústria pornô permanecem sendo predominantemente homens, é justo apontar que mulheres são tão suscetíveis à pornografia quanto os homens o são; esse estudo confirma isso, apesar na diferença marcante nas porcentagens apresentadas. No entanto, ideias diferentes existem para explicar essa diferença existente nos números quando comparamos o consumo de pornografia entre os sexos.

Por exemplo, Noori acredita que essa diferença pode estar mais relacionada a fatores sociais, não biológicos:

Há muito estigma ao redor da sexualidade feminina… Talvez a principal razão é que, no caso das mulheres, existem fatores inibitórios secundários que as afasta de expressar o que sentem… ao menos até agora, nosso estudo indica que, ao nível cerebral, homens e mulheres não são assim tão diferentes [11].

Então, não é necessariamente o caso que homens são significativamente mais “visuais” que as mulheres, ou mesmo que mulheres também não estejam suscetíveis a serem atraídas por conteúdo pornográfico — existem muitos outros fatores para se levar em conta ao considerarmos a razão pela qual elas não consomem tanto o conteúdo, ou assim o reportam. Dentre eles podemos citar a diferente socialização entre homens e mulheres e como o consumo é incentivado de um lado e inibido de um outro. Estudos em que o consumo feminino de pornografia é considerado enfatizam que, “a experiência feminina com a pornografia é complexa e cheia de nuances, frequentemente paradoxal, variando entre indivíduos e dentre diferentes pontos de vista em um mesmo indivíduo — o que torna um desafio conseguir respostas claras. [12]

De toda forma, é importante lembrar que apesar de mulheres realmente consumirem menos pornografia que os homens, o número de mulheres consumidoras vem aumentando.

Nos últimos anos, um grande site de pornografia relatou um crescimento global de 3% no consumo de visitantes femininas, de 29% para 32%. Também foi observado que o país com a maior porcentagem de mulheres usuárias foi as Filipinas, com mulheres representando 39% do total de visitantes do site no ano de 2019.

Além disso, estudos mostram que é possível que os números de usuárias reportados nas pesquisas sejam menores do que na realidade. [13]

Então o que isso quer dizer?

Então, resumidamente, o que está acontecendo? Primeiro, apesar das diferentes porcentagens de consumo, a pornografia é um problema tanto de homens quanto de mulheres.

Cerebralmente, ela afeta homens e mulheres de formas semelhantes, e afeta ambos de ambos os lados da tela. Consumidores hoje têm qualquer idade, gênero ou orientação sexual — a pornografia tem o potencial de afetar qualquer pessoa, independentemente de fatores que possam diversificar esses efeitos.

Segundo, o consumo de pornografia não pode ser explicado ou justificado pelo argumento biológico, “homens têm maior necessidade” ou “homens são mais visuais”. As pesquisas a respeito mostram que esse argumento não se sustenta na realidade.

O crescente número de mulheres que relatam consumir pornografia é apenas uma forma pela qual essas verdades são refletidas.[14] Adicione a isso as novas pesquisas mostrando que homens e mulheres, biologicamente, não são tão diferentes no que diz respeito ao consumo pornográfico e indução de excitação sexual quanto pensávamos — o que também significa que os homens não são os únicos expostos aos danos que a pornografia pode causar no lado do consumidor. [15]

Ao mesmo tempo que ninguém está imune aos efeitos potencialmente tóxicos da pornografia, todos nós temos a escolha, independente de fatores biológicos, de lutar por algo melhor: por conexões reais e sexualidades autênticas, não dominadas por uma indústria baseada em violência, exploração e que mantém seus consumidores reféns.


Traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni.
#Recuseaclicar

Referências:

1 teinman, D. L., Wincze, J. P., Sakheim, Barlow, D. H., & Mavissakalian, M. (1981). A comparison of male and female patterns of sexual arousal. Archives of Sexual Behavior, 10(6), 529–547. doi:10.1007/BF01541588

2Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

3Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

4Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

5Davis, N. (2019). Women as likely to be turned on by sexual images as men — study. The Guardian. Retrieved from https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/jul/15/women-as-likely-to-be-turned-on-by-sexual-images-as-men-study

6Murnen, S. K., & Stockton, M. (1997). Gender and self-reported sexual arousal in response to sexual stimuli: A meta-analytic review. Sex Roles, 37(3), 135–153. doi:10.1023/A:1025639609402

7Laan, E., Everaerd, W., van Bellen, G., & Hanewald, G. (1994). Women’s sexual and emotional responses to male- and female-produced erotica. Archives of Sexual Behavior, 23(2), 153–169. doi:10.1007/BF01542096

8Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

9Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

10Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

11Davis, N. (2019). Women as likely to be turned on by sexual images as men — study. The Guardian. Retrieved from https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/jul/15/women-as-likely-to-be-turned-on-by-sexual-images-as-men-study

12Ashton, S., McDonald, K., & Kirkman, M. (2018). Women’s experiences of pornography: A systematic review of research using qualitative methods. 55(3), 334–347. doi:10.1080/00224499.2017.1364337

13Solano, I., Eaton, N. R., & O’Leary, K. D. (2020). Pornography Consumption, Modality and Function in a Large Internet Sample. Journal of sex research, 57(1), 92–103. https://doi.org/10.1080/00224499.2018.1532488

14Solano, I., Eaton, N. R., & O’Leary, K. D. (2020). Pornography Consumption, Modality and Function in a Large Internet Sample. Journal of sex research, 57(1), 92–103. https://doi.org/10.1080/00224499.2018.1532488

15Mitricheva, E., Kimura, R., Logothetis, N. K., & Noori, H. R. (2019). Neural substrates of sexual arousal are not sex dependent. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(31), 15671–15676. https://doi.org/10.1073/pnas.1904975116

--

--

Ninka
Recuse A Clicar

Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.