Existe conexão entre a cultura pornô e a cultura do estupro?

( ou “Pornografia previne estupros?”)

Ninka
Recuse A Clicar
7 min readSep 25, 2019

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“Se eu estivesse usando calças e um suéter, seria minha culpa também?”

Para tantas pessoas em nossa sociedade, a pornografia é a nova norma. Para o consumidor médio, ela é uma forma de entretenimento direta quando bate o tédio, o padrão de educação sexual quando surgem perguntas ou curiosidades, ou um alívio rápido para quando chegam sentimentos de solidão.

Mas e se nós te dissermos que algo tão aceito e tão normalizado em nossa sociedade movida pelos meios digitais também está nos dirigindo a uma aceitação e normalização de comportamentos prejudiciais, como o estupro e a violência?

Quase qualquer pessoa já ouviu o cliché pró-pornô de que “a pornografia ajuda a diminuir os índices de estupro” ou que “a pornografia é uma ótima ferramenta para aliviar as fantasias violentas de algumas pessoas”, etc. (Na Recuse A Clicar, já cansamos de ouvir esse argumento). Dê uma olhada nesses tweets:

“Além disso, a pornografia, se alguma coisa, *previne* estupros e abuso de crianças. Pornografia é uma substituta para o sexo, não um afrodisíaco.”
“A PORNOGRAFIA PREVINE O ESTUPRO. Você já fez seu serviço público à pornografia hoje?”
“@** A pornografia previne estupros. Se um estuprador em potencial pode aliviar sua “necessidade” com a pornografia então a pornografia pode já ter salvado algumas mulheres. Você não pode provar o contrário”.

Mas e se a pornografia, na realidade, não for uma ajuda a parar a violência, ou uma maneira “segura” de expressar tendências abusivas? E se ela estiver complicando ainda mais a questão complexa e desoladora do assédio e da violência sexual, usualmente sofrida por mulheres?

Deixe-nos explicar.

Recentemente, o Centro Nacional de Exploração Sexual dos EUA (o National Center on Sexual Exploitation, NCOSE) publicou um relatório esclarecedor sobre o que a pornografia tem feito com os jovens, com a sociedade, e com nossa cultura coletiva. E, pra resumir, não são boas notícias. Te encorajamos a ler o relatório de 33 páginas na íntegra, mas aqui estão apenas 5 dos exemplos de pesquisas onde vemos que a pornografia está claramente afetando negativamente as atitudes quando falamos sobre estupro e violência sexual.

A aceitação do mito sobre pornografia e estupro

Antes de avançarmos, para aqueles que não sabem o que o termo “cultura do estupro” significa, ela é definida como “um conceito sociológico para uma estrutura na qual o estupro é pervasivo e normalizado devido às atitudes sociais sobre gênero e sexualidade. Comportamentos comumente associados com a cultura do estupro incluem culpabilização da vítima, trivialização do estupro, a negação da realidade de que estupros são comuns, recusa a admitir ou reconhecer os danos causados pela violência sexual, ou uma combinação desses”.

Para termos algum pano de fundo, os mitos sobre o estupro fazem parte da cultura do estupro — eles são crenças errôneas, prejudiciais e baseadas em estereótipos sobre as razões para o assédio e violência sexual, motivos de estupradores e das vítimas de estupro, e que servem para justificarem em algum nível a agressão sexual. Clique aqui para ler alguns dos mitos sobre o estupro da Rape Victim Advocates, uma organização americana sem fins lucrativos que visa ajudar as vítimas de estupro.

Um recente estudo, citado no relatório da NCOSE, mostra que mulheres que foram expostas à pornografia quando crianças são mais prováveis de aceitar alguns mitos sobre o estupro e de ter fantasias sexuais que envolvem estupro. [1]

A pornografia e a intenção de estuprar

Em outro dos estudos, homens de repúblicas estudantis que consumiam pornografia popular expressaram maiores intenções de cometerem estupros se soubessem que não seriam pegos do que homens que não consumiam pornografia.

Aqueles que consumiam pornografia mais extrema e sadomasoquista expressaram significativamente menor intenção ou disposição a intervirem em situações de violência sexual, maior crença em mitos sobre o estupro, e maior intenção de cometerem estupros. Dentre aqueles que consumiam pornografia com temas de estupro, a pesquisa descreve os “efeitos sérios” incluindo menor intenção e disposição de intervir como um terceiro, maiores crenças em mitos sobre o estupro, e maior intenção de cometerem estupros. Em outras palavras, não existe nenhum tipo de pornografia que não resultou em uma maior inclinação para cometer um estupro de um usuário se ele soubesse que não seria pego. [2]

A aumentada agressão física e verbal na pornografia

Uma meta-análise feita em 2005 com 22 estudos de 7 países diferentes concluiu que, internacionalmente, o consumo de pornografia estava significativamente associada com aumento de agressão verbal e física, tanto dentre homens como dentre mulheres. [3]

Aqui está um trecho retirado desse studo:

“O consumo [de pornografia] está de fato associado com a agressão sexual nos Estados Unidos e no mundo, dentre homens e dentre mulheres, e em estudos longitudinais e de seções cruzadas. As associações foram mais fortes para agressões verbais que para físicas, mas as duas formas mostraram associações significativas. O padrão geral dos resultados sugerem que o consumo de material violento pode ser um fator exacerbante”.

Pornografia, violência doméstica e abuso sexual

O consumo de pornografia dentre agressores aumentou significativamente a probabilidade de uma mulher agressora de ser abusada sexualmente.

O consumo de pornografia foi um fator isolado que aumentou o fator de probabilidade por quase 2, e a combinação de pornografia com consumo de álcool aumentou o fator de probabilidade de abuso sexual por 3.46. Outra pesquisa descobriu que o uso de pornografia por agressores está associado com um aprendizado sobre sexo pela pornografia, comparação de mulheres reais com as atrizes, introdução de outros parceiros sexuais, filmagem de atos sexuais sem consentimentos, e outros coisas associadas à cultura da pornografia (ex. fetiches), etc. [4]

Em um relatório sobre a crise de violência doméstica noticiado recentemente na Austrália, o diretos da Gold Coast Centre Against Sexual Violence, Di McLeod, disse o seguinte: “O que as pesquisas estão descobrindo e o que estamos observando em nosso centro é que a pornografia está claramente influenciando as expectativas e práticas sexuais dentre parceiros íntimos, e forma que a correlação entre a pornografia, o estupro e violência doméstica não pode mais ser ignorada”.

Pornografia, assédio sexual e coerção

Um estudo feito com 804 homens e mulheres italianas com idades dentre 14 a 19 anos, descobriu que os homens que assistiam pornografia eram significativamente mais prováveis de reportarem terem assediado sexualmente uma colega ou a forçar alguém a fazer sexo (aka, estuprar). [5]

Considere os fatos sobre o que a pornografia mostra. De acordo com Dr. Robert Jensen, da Universidade do Texas, em seu artigo “Pornografia e Violência Sexual”, a pornografia facilita a cultura tóxica do estupro: “Meus próprios estudos e revisões de outras análises de conteúdo sugerem que existem alguns temas básicos na pornografia: (1) Todas as mulheres querem sexo a todo o momento com todos os homens, (2) as mulheres gostam de todos os atos sexuais que os homens querem, fazem ou demandam, e (3) qualquer mulher que não perceber a princípio que gosta, pode ser facilmente convencida com um pouco de força, apesar de força ser raramente necessária já que na pornografia as mulheres são ninfomaníacas com as quais tantos homens fantasiam”.

O que podemos fazer?

Primeiramente, queremos enfatizar que esse é um assunto que envolve a todos — tanto homens quanto mulheres podem ser consumidores de pornografia, e tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas de violência sexual.

Também queremos ser claros ao dizer que, ao compartilharmos esses estudos e estatísticas, não estamos de forma alguma dizendo que todo consumidor de pornografia se tornará um abusador violento.

Ao compartilharmos essa informação, nós simplesmente queremos ajudá-lo a reavaliar o que você acha que sabe sobre a pornografia. Nosso objetivo como uma organização é jogar luz sobre os fatos e iniciar conversas que são baseadas em pesquisas e estudos, ao invés de no que você pode ler em capas de revistas ou ouvir dentre seus colegas. Pornografia não é saudável, não é legal, e não nos ajuda a sermos melhores parceiros ou amigos. A pornografia, a violência e o estupro estão muito mais intimamente conectados do que você possa perceber, e está na hora de nos conscientizarmos sobre esses fatos importantes.

A partir do momento que você obtém essa informação, não tem como ignorá-la ou desaprendê-la. Depois de ter lido sobre as estatísticas e sobre os fatos, você não pode esquecê-los. Se você quiser se aprofundar mais e obter mais evidência empírica sobre os danos da pornografia, clique aqui para acessar nossa página sobre fatos. No final, é nossa responsabilidade compartilhar e espalhar a informação e dizer que a pornografia é tudo menos entretenimento inofensivo, e que todos nós merecemos melhor do que a pornografia provê para a sociedade.

A pornografia alimenta a violência. #RecuseaClicar !


Texto traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni.
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Ninka
Recuse A Clicar

Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.