Força, Fraude e Coerção: Entendendo a superposição entre pornografia e tráfico sexual

Ninka
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7 min readJul 31, 2018

Qual a diferença entre o filme “Busca Implacável” — uma ficção épica sobre tráfico sexual — e a indústria da pornografia?

Retirada das filmagens da “pornografia feminsta” de Erika Lust.

Ela é menor do que a maioria das pessoas percebe. Quando pornografia e tráfico sexual são colocados lado a lado, o pensamento comum é que eles estão separados por quilômetros de distância. No entanto, só precisamos dar uma olhada nas pesquisas e nas histórias de sobreviventes pra chegarmos a uma conclusão muito diferente — e mais real.

Parte de nossa campanha para aumentar a consciência social sobre os danos causados pela pornografia inclui iluminar com um grande holofote a grande ligação existente entre pornografia e tráfico sexual. Mas como isso pode ser verdade? Porque, por causa de um grande aumento de estudos realizados sobre essa ligação, nós observamos:

  • A pornografia, frequentemente, é uma evidência gravada do tráfico humano.
  • A pornografia alimenta diretamente por exploração e tráfico sexual.

São afirmações ousadas, não são? Mas antes que você feche esse artigo com descrença e deboche, vamos olhar para algumas estatísticas e informações que suportam essas afirmações. Pra realmente entender o que estamos dizendo, precisamos primeiro falar sobre um conceito básico:

O quê (exatamente) é tráfico sexual?

Podemos muito bem somente pensar em cenários como os do filme “Busca Implacável” quando pensamos sobre tráfico sexual. Mas ele é muito mais do que aquilo. As vítimas não precisam ser acorrentadas, ou fisicamente “presas” para estarem sendo traficadas, embora essa ainda seja a realidade de muitas. Na verdade, ser uma vítima do tráfico sexual nem mesmo precisa necessariamente envolver “elementos de contenção física, danos ao corpo, ou força física”.

Aqui está um resumo do que o tráfico realmente é, de acordo com uma definição legal:

“Tráfico sexual é o recrutamento, abrigo, transportação, provisão, obtenção, “apadrinhamento”, ou solicitação de uma pessoa com o propósito de um ato sexual comercial, onde o ato sexual comercial é induzido pela força, fraude, ou coerção, ou onde a pessoa induzida a realizar tal ato ainda não tenha completado 18 anos”.

Em outras palavras, se uma pessoa é forçada, manipulada, ou ameaçada a participar em qualquer tipo de ato sexual em troca de dinheiro, segurança, ou para escapar de uma punição, isso constitui tráfico sexual. Uma vítima do tráfico não precisa ser “movida” — isso constituiria contrabando — ou presa em um estilo de vida diário de exploração para ser considerada uma vítima de tráfico sexual.

E, se uma pessoa menor de 18 experimentar essas mesmas condições, isso é também tráfico sexual — não é necessária prova de força, fraude ou coerção nesse caso.

Pornografia e tráfico sexual podem frequentemente ser a mesma coisa

Infelizmente, vemos em várias histórias e experiências de sobreviventes que a pornografia frequentemente não é nada mais do que uma evidência filmada de que houve tráfico sexual.

Mas como? De acordo com um relatório, as atrizes são “sujeitas a violência e coerção durante as filmagens. Elas protestam e tentam parar as filmagens... mas seus protestos são ignorados ou então elas são pressionadas por seus agentes ou diretores a continuarem”. Wow — esse é um cenário típico de alguém estar forçando alguém a algo, não é?

Mas como a coerção seria em um cenário real que faria da situação uma envolvendo “tráfico”? Seria algo como isso, como contou uma ex-atriz:

“Eu tentei voltar atrás e queria ir pra casa, não fazer pornô nunca mais. Eu fui ameaçada, dita que se eu não fizesse a cena eu seria processada e perderia muito dinheiro” — Ex atriz pornô, Michelle Avanti.

Algumas vezes, as vítimas são pegas de surpresa, esperando fazer uma cena envolvendo alguns atos sexuais específicos, mas então acabam experimentando algo completamente diferente do que ela tinha concordado no meio da filmagem. Isso é fraude.

E como seria a fraude em um cenário real que faria da situação uma envolvendo “tráfico”? Seria algo como isso:

A pior cena que eu já fiz foi durante minhas duas primeiras semanas no negócio. O agente que tomava conta da minha agenda me ligou um dia antes de uma cena e me disse que seria similar a uma cena.. solo… Uma vez no estúdio, Madelyne descobriu que os homens que faziam fila do lado de fora tinham sido recrutados por um ad no LA Weekly para ir e ejacular no rosto de uma jovem atriz pornô. Ela ligou para a sua agente de protestou.. “Meu agente me disse que eu tinha que fazer aquilo e, se não pudesse, ele cobraria de mim e eu também perderia qualquer outro agendamento.” — Ex atriz pornô, Michelle Avanti.

Como isso pode ser aceitável?

É bastante claro que essas atrizes e atrizes como essa são vítimas, não aquelas atrizes ricas, glamourosas e obcecadas por sexo que a indústria gostaria que você acreditasse que elas são.

Situações de tráfico dentro de uma indústria glamourizada

O nome do jogo aqui é força, fraude e coerção. É claro que dentro da indústria o tráfico sexual é um problema sério, porém frequentemente irreconhecido.

Essa triste realidade nem mesmo leva em conta as menores de idade envolvidas na produção da pornografia, onde elas sempre são consideradas vítimas de tráfico sexual de acordo com a definição legal acima. Considere que é estimado que aproximadamente uma em cada cinco imagens pornográficas online são de uma menor de idade. Isso não é okay. No entanto vemos que a demanda por conteúdo “mais jovem” refletiu nesses números:

Porque tudo isso está acontecendo? Conceitos básicos de economia nos dizem que a demanda alimenta a oferta. E, infelizmente, a demanda por atrizes mais jovens está seguindo esse princípio, simultaneamente criando “estrelas” pornô e vítimas de tráfico sexual.

A pornografia pode ser a “provocação”, a compra de sexo pode ser o objetivo principal

A pornografia alimenta o comércio sexual global ao dirigir a demanda para a sociedade padrão. E como os consumidores de pornografia não distinguem e nem conseguem distinguir entre indivíduos traficados e simples atores e atrizes, eles podem frequentemente reforçar e dirigir a demanda por exploração através de cliques e downloads sem nem mesmo perceber.

Ou pode ser um reforço mais direto, como consumidores obcecados por pornografia efetivamente comprando sexo de indivíduos traficados.

Considere como a pornografia é a “provocação” que leva os consumidores a quererem mais. Catherine Mackinon, professora na Escola de Direito de Harvard, diz que “consumir pornografia é uma experiência de sexo comprado” e dessa forma “cria uma fome de continuar a comprar e objetificar, e a atuar aquilo que é visto”.

Pesquisadores de viciados em pornografia notaram que uma crescente tendência de atuar sexualmente os comportamentos vistos na pornografia incluem frequentar casas de massagem. Em outras palavras, os consumidores que visualizam pornografia em casa frequentemente são os mesmos explorando pessoas reais, prontos com as imagens da pornografia em mãos para mostrar às pessoas que estão explorando o que é que elas querem fazer.

A questão do consentimento

Mas espere — e sobre o assunto do consentimento? Muitas dessas atrizes e pessoas exploradas aparentemente concordaram em performar atos sexuais por dinheiro antes, e elas estão sendo pagas, não é?

Mas aqui está a questão: para ser considerada vítima de tráfico sexual, de acordo com esse relatório, “mesmo se uma vítima inicialmente consente com a atividade sexual, elas sempre devem ter a opção de retirar seu consentimento e a atividade deve ser interrompida. Se seus desejos são ignorados, então há a existência de tráfico sexual”.

Em outras palavras, consentimento real pode sempre ser retirado. Se existe uma situação onde o consentimento não pode ser retirado, por qualquer razão, então não há consentimento real. Então se uma atriz consentiu a um certo ato sexual, e ela começa a performá-lo mas decidem que estão desconfortáveis, elas devem ter o direito e a liberdade de parar o que está acontecendo, ou do contrário essa não é uma situação real de consentimento.

E, se elas não têm a liberdade de retirar seu consentimento sem medo das consequências, ou se seus “não” não são ouvidos e respeitados, por definição, essa pode virar uma situação de tráfico sexual.

Ainda assim pensa que “Busca Implacável” e pornografia são totalmente separados um do outro?

Então, o que podemos fazer?

Sabemos que essas informações são jogadas na cara da maioria de pessoas que pensam que sabem ou entendem sobre a indústria pornográfica. Entendemos que pode ser chocante aprender os fatos por trás de uma indústria tão normalizada, glamourizada e promovida. Mas pare e considere como cada download, clique e visualização não apenas reforçam a influência dessa indústria e o seu poder sobre a sociedade, como também servem para legitimar a violência e exploração que atrizes ou pessoas traficadas sofrem nas mãos de seus exploradores.

É por isso que queremos aumentar a consciência sobre como apoiar essa indústria significa apoiar o tráfico sexual, e sobre como lutar contra a pornografia é essencial para lutar contra o tráfico. No final, o prazer temporário da pornografia não vale o preço de todas as pessoas exploradas que são usadas em sua criação.

Pare a demanda. Se recuse a clicar na exploração.

Texto traduzido do site Fight The New Drug.

Link pro texto original. As referências originais foram mantidas.
Texto traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.