Memórias de uma “Positividade Sexual”

Ninka
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21 min readNov 25, 2020

Ou como eu comecei a pensar criticamente.

Eu era uma jovem mulher cheia de tesão em São Francisco no começo dos anos 90. Naquela época, eu queria mais sexo mais frequentemente que meus parceiros homens queriam. Alguns mitos me confundiam e me angustiavam: primeiro, que “homens só queriam sexo”. E segundo, que a sexualidade masculina tem seu pico aos 18, mas o desejo das mulheres aumenta com a idade e tem seu pico ao redor dos 40.

Essas são duas mentiras.

Os homens com os quais eu estive não apenas queriam sexo. Como uma antiga amiga me explicou, eles não querem sexo, eles querem poder. E assim é possível que ter uma parceira sempre excitada, sensual e cheia de desejos os desestimulasse.

Outro mito de minha juventude, propagado pela mídia e pelos homens, ou até mesmo algumas mulheres, é que não apenas homens querem sexo, mas mulheres querem bebês. Mulheres querem usar o sexo para aprisionar os homens nos relacionamentos. Os homens só querem ser descomprometidos e extravagantes — livres, e essas malditas mulheres os forçam ao comprometimento.

Eu nunca quis ter bebês, algo que eu deixava bem claro bem no começo de qualquer envolvimento. Isso servia apenas para apavorar os homens com os quais eu esperava fazer sexo. Não é que eles queriam bebês; é que eles não queriam que sua parceira determinasse isso. Se ela queria ter filhos, então não, eles não queriam. Mas se ela determinasse que não queria, então eles iriam querer. Já que a maior parte das mulheres (e dos homens!) quer ter filhos, isso comumente faz parecer que homens não querem ter filhos. Mas na realidade, me parecia que é apenas os homens não querendo o que suas parceiras queriam, para que eles pudessem se sentir no controle.

Uma mulher excitada, sem filhos e sem desejo de ter filhos, amante de sexo, não monogâmica (essa é outra história) e heterossexual não deveria ter problema algum em achar parceiros sexuais, mas esse não era o caso. Eu realmente encontrei alguns homens para fazer sexo — uma vez. Eles faziam sexo comigo uma vez, e eu nunca mais ouvia falar deles. Mesmo achar esses caras era difícil.

Porque eu estava procurando por sexo sem comprometimento, “vazio”, pra começar? Sim, claro, eu amava sexo — mas eu não o entendia.

Eu tinha recebido muita educação sexual: minha mãe trabalhava na Planned Parenthood (uma ONG americana que provê serviços de saúde sexual), e minha infância estava cheia dos mais novos livros de educação sexual, como “Como São Feitos os Bebês” e “O Que Está Acontecendo Comigo?”. Pela minha adolescência e começo da juventude, eu era encorajada a falar sobre sexo, a “comunicar”, para que eu fosse poupada dos desligamentos e da repressão sofrida pela geração da minha mãe. Eu era naturalmente atraída para os círculos da tal “positividade sexual” em São Francisco, onde nós falávamos, falávamos e falávamos sobre sexo. Mas essa chamada “educação sexual” — todo o discurso liberal e vazio ao redor do sexo — involuntariamente me levou a uma dissociação: na realidade, apenas falávamos sobre o corpo como uma coisa que faz atos. Muito do nosso intelectualismo era apenas uma defesa contra a vulnerabilidade, e aquilo que mais temíamos: a vergonha. Nós separamos o sexo da nossa pscicologia, do nosso emocional, do amor e de relacionamentos; e nós achávamos que aquilo era “progressista” e “empoderador”.

No geral, eu queria que eu tivesse me calado um pouco mais sobre esse “sexo”, e o mediado menos. Tirando a parte mecânica, sexo é um mistério, a ser experienciado diretamente e pessoalmente. Falar sobre sexo é tão útil quanto falar sobre Deus. Mediar experiências espirituais não faz nada no sentido de melhorar essa experiência — mas realmente permite a manipulação dos fiéis, dando origem a cultos.

◇◈◇

No começo dos meus 20 anos, eu tinha me apaixonado algumas vezes, e meus namorados haviam partido meu coração. O padrão usual era o emplodimento: eles recuavam, paravam de se comunicar, se desligavam e se afastavam de mim. Eu fui inevitavelmente deixada com minha solidão e excitação me comendo por dentro.

Eu amava os homens. Eu me identificava com os homens. Eu achava que eu deveria ser como um homem. Os homens pareciam perfeitamente felizes em foder mulheres e então nunca mais as ligar de novo, ou estar em um relacionamento por um tempo e depois implodir. Homens gostavam de sexo sem apego; aparentemente era a parte do relacionamento que os afastava, não o sexo. Eu deveria tentar, eu pensei. Então, eu decidi buscar pelo sexo, ao estilo dos homens. Eu parei de me importar se alguém poderia ser um parceiro decente para um relacionamento comigo, e comecei a focar apenas se eles diriam “sim”.

A maior parte deles disse “não”. Não tinha poder nenhum a ser ganho de uma mulher que queria aquilo.

Então, foi quando eu ouvi do SFSI: o San Francisco Sex Information (ou Informação Sexual de São Francisco), uma linha direta que requeria 52 horas de treinamento em educação sexual, e era dessa forma uma comunidade. Um namorado casual me contou que o SFSI era para “intelectuais excitados”. Eles tinham festas. Eu fui. Algum idiota disse “sim”. Ele era um parceiro terrível, mas haviam mais de onde ele tinha vindo. Finalmente, eu pensei, eu conseguiria todo o sexo que eu queria!

De novo, eu aceitei a ideia de que o sexo pudesse ser independente me mim mesma, independente de amor, carinho, relacionamento. Existiam algumas conversas nos painéis do SFSI sobre amor; as pessoas reconheciam que ele existia, mas era algo que podia ou não coincidir com aquilo que eles chamavam de sexo — que era o que todo mundo estava lá para falar sobre.

Tínhamos painéis sobre “trabalho sexual”, “terapia sexual” e pornografia. Eles diziam, “uma prostituta é como uma chefe de cozinha que te serve uma refeição deliciosa; uma terapeuta sexual ensina você a fazer uma refeição deliciosa!”. Nós tínhamos que assistir pornografia, MUITA pornografia, culminando em uma sobrecarga sensorial de várias telas que eles chamavam de “Porn-o-Rama”. Era uma parede cheia de monitores passando todos os tipos de pornografia simultaneamente: pornô hétero, gay, de fetiches, populares, e claro, anime (incluindo pornografia com “tentáculos” em clipes do filme japonês Wicked City, que me entrigou como artista e era mais fácil de assistir do que os vídeos de pessoas reais). O Porn-o-Rama era supostamente desenhado para te dessensibilizar de tudo, para que você não julgasse nada.

“Não julgar” era algo grande no SFSI.

Haviam painéis sobre sexo anal. O livro “Anal Pleasure and Health” do Jack Morin tinha acabado de sair e era bem quisto na comunidade. Eu aprendi sobre as terminações nervosas no ânus, os diferentes esfíncteres, e a necessidade de lubrificante.

Haviam painéis sobre fisting, “o mais próximo que sua mão pode chegar do coração de outra pessoa”.

Algemas: “quando as correntes são colocadas no exterior, elas caem no interior”.

Sadomasoquismo: grampos nos mamilos, anéis penianos, dor sendo sexualmente estimulante para algumas pessoas (aparentemente, a maior parte das pessoas no SFSI). Marcas, como hematomas e cortes, e quando as deixar, quando não. Cicatrizes, incluindo “sacrifícios ritualísticos”, que era bem popular. Piercings de todos os tipos.

Espartilhos, salto alto, e outros adereços de “consciência corporal”.

Dildos e vibradores. (O SFSI era afiliado de uma loja chamada “Boas Vibrações” (T.l)).

Algemas e Disciplina. Escravos e mestres. Atividades BDs divertidas como mestres controlando quais comidas os escravos poderiam comer.

Transsexualidade. Lá nós aprendemos que qualquer pele alterada para o contato com outra pele ou tecido desenvolve uma membrana mucosa. Dessa forma, as “neo-vaginas” eram naturalmente auto lubrificantes. (Isso não é verdade, mas eu acreditei nisso até bem recentemente. Soava científico o suficiente, por que questionar?).

As modelos de comportamento do SFSI incluíam Susie Bright (uma “sexpecialista”, “feminista da positividade sexual”), Annie Sprinkle (stripper, sexóloga, “atriz pornográfica”, “feminista da positividade sexual”), Pat Califia (Teórica queer e escritora de “contos eróticos” que, nessa época, ainda se dizia mulher) e a stripper, autora e “ativista do prazer” Regina Celeste*. Regina era nossa maior facilitadora, junto com sua parceira Avery Marks*.

Eu engoli tudo aquilo, e eu não julguei, porque eu estava excitada.

Eu tentei fazer as coisas. Sexo Anal? check! Algemas? check! Grampos nos mamilos? Ai! Eu não gostava de dor, não importa o quanto tentasse, mas eu gostava da “comunidade da dor”. Honestamente, eu estava desapontada comigo mesma por não gostar da dor, assim como era desapontada comigo mesma por não gostar de álcool, quando todos os outros pareciam derivar tanto prazer daquilo.

Eu gostava das roupas. Ali haviam lojas que atendiam as “trabalhadoras do sexo”, e eu ficava linda naquela merda. Mesmo alguns outlets tinham roupas para fetiches, e eu acumulei um baita armário de vestidos de vinil, incluindo um vestido vermelho de mangas longas e de zíper que meus amigos divertidamente chamavam de “guarda salsicha”. Eu era muito magra nessa época, praticamente magra como as modelos, e então eu queria modelar. Mas na São Francisco da “positividade sexual” nos anos 90, isso significava uma coisa: pornografia.

As últimas páginas das revistas locais tinham muitos anúncios de classificados procurando por “modelos”. E então, eu respondi para um que procurava por “Modelos de Lingerie — sem nudez”.

◇◈◇

Antes de prosseguir a detalhar como eu objetifiquei e comodifiquei o meu corpo a partir daí, e perdi minha libido como resultado, eu pergunto: o que mais eu faria? Sem chances de que a eu de agora pudesse convencer a eu do passado que isso era danoso, ou que iria nos prejudicar.

Eu ainda não posso explicar de forma clara porque foi tão danoso; sempre que eu tento, eu me vejo usando uma linguagem muito “espiritual” que, assim como falar sobre sexo, é uma grande perda de tempo. Os danos da objetificação e da coerção sexual são danos diretos à nossa alma e espírito, a nossa psique, e eu nem mesmo posso intelectualmente justificar a existência deles.

Mas eu vou tentar:

Quando mais alguma coisa tem um dono, menos vivo ela está.

Esse é um axioma do meu trabalho com a Free Culture. Quando nós fingimos sermos “donos” de música ou de arte, nós os comodificamos e matamos. A cultura precisa ser livre, fluir.

Isso é verdade para todas as coisas vivas. Seres humanos não são objetos. Sim, nós temos um aspecto material, mas quanto mais nos tratamos como objetos, menos “humanos” nos tornamos. Tratar animais como propriedade dá origem a horrores como a agropecuária industrial; tratar terras, água e o resto da biosfera como propriedade nos coloca de frente a um abismo do colapso ambiental.

Na civilização, mulheres são objetificadas e tratadas como propriedade — quer dizer, elas de alguma forma têm “donos” — mais do que os homens. E isso não muda como o “feminismo da positividade sexual”. A ideia dessa tal positividade sexual é que a mulher pode obter algum grau de poder e de controle ao objetificarem elas mesmas. As mulheres então permanecem como objetos, mas se nós jogarmos as cartas certas, essa linha de raciocínio alega, nós podemos desfrutar do lucro da nossa própria exploração.

As mulheres são também seres humanos, com mentes, ideias, desejos, sentimentos, pontos de vista, consciência. São essas coisas que fazem de nós vivas, e essa vida é diminuída pela objetificação.

Eu sou menos completamente humana quando sou vista como objeto por outras pessoas, mais eu estou num problema ainda maior quando existe uma participação de mim mesma na minha própria objetificação. A perda da minha libido foi apenas um dos resultados mensuráveis. Eu não fui apenas uma vítima de minha própria comodificação, mas também uma autora.

Eu deveria me guardar para o Amor? Eu já tinha estado apaixonada, várias vezes, e meus amantes implodiram e me deixaram. Os homens achavam que eu era “intensa demais”. Ninguém queria o meu amor, nem mesmo eu. A ideia de um homem me amar pelo que eu realmente era já tinha morrido há muito tempo. Ninguém queria minha alma, mas alguns queriam o meu corpo, que era magro aos limites, e com a maquiagem, a peruca e os salto altos eu era literalmente um produto super atrativo.

Eu estava bem consciente de que deveria ser cautelosa, e eu tomei precauções; eu apenas respondia a solicitações que especificavam “sem nudez” e “ sem sexo” (ambos os quais se tornaram risíveis, e essas são táticas que são usadas até hoje para recrutar mulheres jovens e vulneráveis). Eu também estava alerta que eu deveria me sentir envergonhada. Eu passei muito tempo considerando a vergonha, e a rejeitando: “eu não estava ferindo ninguém” (ha!), “minhas escolhas eram informadas”, meus “olhos estavam abertos”. Sexo não era nada do que se envergonhar! Objetificar meu próprio corpo não era nada do que me envergonhar: todas as strippers, prostitutas e modelos e diretoras pornô que falavam na SFSI deixavam isso claro. Era trabalho, era arte, era expressão. Não há vergonha na objetificação: “somos todos objetos, nós vivemos em um mundo material”. Não há nada de errado na troca por dinheiro, também; “ nós trocamos todas as formas de produtos e serviços, porque nossos corpos e o sexo são diferentes”?

A eu de agora sabe que sexo É diferente, e que corpos não são mercadorias. A eu de antes simplesmente nunca teria acreditado nisso. O corpo é sagrado? Nada é sagrado nesse mundo. Será que eu deveria apenas me trancar num convento, ser abstinente até que o Cara Certo aparecesse? Não existe Cara Certo, não haveria ninguém que me entenderia e me respeitasse e me amasse da forma que eu precisava ser amada, e o tempo estava passando e meu corpo super efêmero estava em seu pico de beleza e meus homônios gritavam “Transe! Transe! Transe!”.

O feminismo radical talvez tivesse me ajudado, mas naquela altura eu nem sabia que ele existia. Dworkins era um palavrão. Além disso, meu anseio por sexo tornava impossível que eu visse os homens como eles são, e de admitir o quão generalizada a misoginia realmente é.

Heterossexualidade: uma baita de uma droga.

Um corpo gostoso é frequentemente o maior acessório que muitas mulheres jovens possuem. Nós somos sortudas de termos um corpo gostoso, convencionalmente atraente. Todos os meus anos desenvolvendo minha mente e meus talentos não significavam nada se comparados com os momentos breves de ter um corpo gostoso e atraente. Os homens que nunca se impressionavam com minha arte caíam de joelhos para me comprar drinks e me agradar de alguma outra maneira quando eu saía de peruca e maquiagem. Eu na verdade sentia pena desses homens, tão desamparadamente condicionados eram a responder a estereótipos estúpidos de feminilidade, suas mentes débeis possuídas por nada além de uma programação mediada. Eu ainda tenho pena deles? O tanto quanto eu tenho pena de qualquer pessoa que rende sua responsabilidade pessoal e pensamento crítico em favor de programações sociais não examinadas. Esse tipo de pessoa é patética — e autoritária, e perigosa.

Por cerca de um ano, eu me rendi a isso, ao me vestir como a ideia masculina de uma mulher sexy: uma drag.

◇◈◇

O primeiro classificado dizia: “Modelo de Lingerie — sem nudez”. Era um casal que levava mulheres jovens para bares de clubes em São Francisco onde nós deveríamos conversar com homens e dançar por aí de lingerie. E então nós fazíamos leilões das nossas calcinhas e sutiãs. Íamos ao banheiro e trocávamos de volta para nossas roupas normais. Os vencedores na verdade ganhavam peças novas iguais estávamos usando, então não era tão nojento — eles não poderiam nem mesmo cheirar nossas calcinhas usadas. Eu não tenho ideia de porque homens pagavam tão caro por lingeries chinesas baratas, exceto que são uns idiotas. Ou todos sabiam que estavam pagando na verdade pelo “entretenimento”, que éramos nós.

Eu apenas fiz essa modelagem de lingerie algumas poucas vezes; o casal que os dirigia era bem excêntrico. Ou na verdade, acho que o plano deles era sempre ter “garotas novas”, então nenhuma de nós erámos chamadas de volta mais do que uma ou duas vezes. A curtíssima vida útil de uma mulher gostosa e jovem no “trabalho sexual” era às vezes mencionado na comunidade, mas muito complicado para nós ingênuas participantes compreendermos.

Depois disso, eu respondi um anúncio de trás de um folheto para “Modelos Adultas — sem sexo”. “Sem sexo” é uma qualificação hilária! “Dentista técnico — sem sexo”. “Contador — sem sexo”. “Animador 3D — sem sexo”. Modelar para a pornografia é sexo! Mas na São Francisco da positividade sexual, nós não chamávamos assim.

O fotógrafo morava em Berkeley e eu posei para ele diversas vezes. (Sim, era explícito. Sim, era pornografia.) Ele fotografava para várias revistas de fetiches para fãs de BDSM, fãs de mulheres gordas, fãs de mulheres velhas (aos 28 anos, eu qualificava como “Acima dos 30”). Eu estava desenhando minha primeira tirinha de comics, Fluff, naquela época, e eu o contratei para tirar minha foto oficial de autora/artista para o kit de estreia. Eu acredito que eu troquei algumas sessões de modelagem pornográfica por isso. As fotos dele eram bem iluminadas e profissionais, mas ele também fotografava em “estilo amador” para revistas que se especializavam nesse tipo de coisa. Ele me ajudou a aprender maquiagem e tamanhos corretos de sutiã (eu tenho certeza que ele gozava por medir os seios das modelos). Nós fomos em alguns clubes e eventos sociais juntos, enquanto eu estava montada; ele era inteligente o suficiente para conversar, e já que eu tinha limites ruins eu o considerava como um amigo e não como um total predador.

Eu não julgava.

Hoje, eu julgo não julgar. Todos os cultos treinam seus membros a não julgar? Na São Francisco da positividade sexual, nós julgávamos as “puritanas” e as feministas radicais como a Andrea Dworkin (que eu nem me dei ao trabalho de ler, porque ela já havia sido julgada pra mim), em nome de não julgar. É claro que eu não pensava criticamente sobre isso; você precisa ter julgamento claro pra isso.

Já que eu tinha um armário cheio de roupas de fetiche compradas em outlets, eu respondi para anúncios para “Aprendiz de Dominatix — sem sexo” (tinha sexo). Uma mulher completamente louca em Richmond, CA, me deixou sozinha com seu “escravo” (um “cliente” regular, ou “usuário”, ou talvez “patrão”, ou talvez até “marido” — ela não disse) e então gritou comigo.

Eu eventualmente achei uma dungeon “segura” em Lower Mission. Eu acho que eu visitei esse lugar pela primeira vez para o workshop de cordas afiliado ao SFSI. Eu amava o trabalho com cordas — era muito trabalhado, como um macramé ao redor de corpos humanos. A dungeon tinhas várias dommes (ou seja, “garotas”) trabalhando lá; horários eram marcados e o pagamento era feito através de outros, tudo parecia super profissional. O patrão/dono tinha uma galinha de estimação. As meninas variavam de ser um pouco loucas (como eu) a completamente totalmente insanas — ao menos uma era genuinamente sádica, agindo como uma “menina malvada” do ensino médio com todas as outras. Eu meio que fiz amizade com uma das meninas, uma alma gentil e um pouco perdida procurando algum tipo de conhecimento esotérico ou espiritual de um guru do oriente. Eu me pego pensando o que terá acontecido com ela. Ela era gentil, e confusa, como eu era.

Uma parte tão grande de ser jovem, confusa, vendendo seu corpo, é sobre acreditar que você não está confusa, na verdade você sabe o que está fazendo, seus olhos estão abertos, você é consciente, você fez uma escolha!, você tem livre arbítrio, pare de putafobia! Certamente todas nós resumimos o que é ser uma mulher branca privilegiada, de classe média a média alta, com uma boa educação, que brinca de “trabalho sexual” para divertimento e “empoderamento”. Todas nós tínhamos outras oportunidades para ganhar dinheiro. Não estávamos ali pelo dinheiro; eu tinha uma tirinha internacionalmente sindicalizada, na verdade (e com ela eu não ganhei tanto dinheiro assim, mas mais do que ser uma dominatrix em uma dungeon). Eu justificava aquilo ao dizer para mim mesma que eu estava aprendendo — sobre o trabalho sexual, sobre os homens que pagam por ele, sobre as mulheres que “trabalham” nele. Era apenas um experimento antropológico, eu dizia, e outras incontáveis mulheres jovens delirantes que achavam que era especiais.

O estereótipo de que mulheres jovens bonitas, gostosas, sexy são estúpidas nos fazia sentir tão presunçosas. “Elas são estúpidas sim, mas eu, eu sou uma mulher inteligente, educada, estou fazendo isso por pesquisa! Como sou esperta! Eu não sou como essas outras meninas, que realmente são estúpidas”.

Nós éramos todas tão estúpidas.

O que também é estúpido: acreditar que atuar como dominatrix era diferente de outros “trabalhos sexuais”, que nós tínhamos poder, e que aquilo nem era sexo. Não era penetração, verdade. Mas era definitivamente sexo. Eu me lembro de estar com um cliente no apartamento da Senhora Dianna*, que foi permitido a bater uma punheta no final da sessão (eu não me lembro o que foi; eu o bati? o amarrei? apenas falei sobre sexo com ele?). Porque eu estava “trabalhando”, sendo paga pela hora para estar ali, eu me sentei do outro lado da sala enquanto esse cara batia sua punheta. E, acredite em mim, eu senti. Nós não nos tocamos, tinha muito espaço físico entre nós, mas aquilo foi definitivamente, inquestionavelmente, absolutamente sexo.

Era um sexo controlado pelo homem que pagou por ele, e já que verdadeiro consentimento sexual não pode ser comprado, muitos chamariam esse “trabalho” de estupro pago.

“Sem sexo” sempre acabou sendo sexo, no final.

Infelizmente, eu precisei experienciar isso por mim mesma para entender. Na realidade, ninguém compreende o sexo completamente — não é tanto entender quanto reconhecer sua existência. Eu não consigo dizer porque um cara aleatório se masturbando do outro lado do quarto para o que eu fiz com ele me impactou profundamente, mas eu sei pela experiência que impactou.

A esse ponto eu estava no meu primeiro relacionamento morando junto, e pela primeira vez em minha vida eu não queria sexo com meu parceiro. Brett* começou a ficar cada vez mais manipulador e abusivo, e finalmente ali estava eu experienciando a dinâmica da qual eu sempre ouvi falar: o homem só quer sexo, e a mulher não. Que maneira triste de vir a entender esse padrão. Nossa terapeuta de casal, Marsha, realmente me aconselhou a trocar sexo com Brett por coisas que eu queria, como ele tomar banho uma vez na semana. Marsha era uma das fundadoras do SFSI. O conselho dessa supostamente progressista, super atualizada educadora sexual era indistinguível do status quo patriarcal dos anos 50 do qual SFSI e toda a minha educação sexual liberal deveriam ter me libertado. Talvez eu realmente fosse uma mulher agora, ao invés desse ser sem gênero e livre (mas frequentemente desesperadoramente depressivo) que eu era antes. O “trabalho sexual” me mudou. Ele me tornou um objeto feito para gratificar homens.

Acho que muitas mulheres aprendem isso mais cedo, no Ensino Médio ou mesmo no começo da faculdade, quando elas começam a usar maquiagem sempre e se interessar por moda. Ou muitos pais objetificam suas filhas até mesmo mais novas, as vestindo com roupas sensuais e inapropriadas e mesmo as colocando em concursos de beleza para crianças. Eu tinha me desviado de tudo isso quando era criança: desde os 8 anos, eu me recusava a usar qualquer coisa que um menino não usaria. Camisetas, tênis eram meu uniforme diário até os 25 anos. Então, comecei a frequentar lugares onde homens vestiam vestidos e usavam maquiagem e perucas, me dando a permissão de fazer o mesmo.

Se eu fosse uma criança ou adolescente hoje em dia, provavelmente eu insistiria que eu “na verdade sou um menino” e demandaria testosterona e cirurgia. Meus pais liberais teriam concordado com isso. Eu fico contente que transicionar crianças não acontecia naquela época; por mais que eu desgoste de ser uma mulher nessa sociedade, eu desgostaria ainda mais de ser uma paciente médica permanente.

Depois do Brett veio o Dick*, que descobri ser um sério viciado em pornografia. Quando estávamos vivendo juntos, ele regularmente negava sexo comigo em favor de se masturbar para pornografia na cozinha. Mas eu tinha aprendido do SFSI que pornografia era inofensiva, então novamente não julguei. Quando eu finalmente comecei a ligar os pontos, nossa nova terapeuta de casal apenas disse “talvez use menos pornografia”, o que é como aconselhar um super alcóolatra com “talvez beba menos”. E esses eram os “especialistas em saúde mental” da São Francisco da positividade sexual.

◇◈◇

Eu quero enfatizar que as pessoas do SFSI eram legais. A comunidade “kink” de São Francisco nos anos 90 incluía membros muito gentis, amigáveis, atenciosos. Eles sabiam que eram uma minoria e eles sempre enfatizavam a palavra “consentimento” (apesar de “consentimento” como um conceito ainda deixa muito a desejar, e usado de maneira rasa é frequentemente equivalente a “conformidade”). Eles tinham ao menos algum senso de humor naquela época, se referindo a eles mesmos como “os pervertidos”.

Eu sempre me pergunto onde estão os meus conhecidos e amigos daquela época, o que pensam, o que fazem.

Então, ontem a noite, eu pesquisei por alguns de seus perfis. Eu senti afeição por algumas garotas, vendo seus vídeos e fotos. Elas envelheceram, mas mantiveram seu carisma.

Eu li o site de Regina Celeste. Ela ainda está lutando pela ideologia da “positividade sexual”, por zilhões de gêneros, “networking sem roupas”. Em um recente artigo, ela detonava uma celebridade por usar o termo “vício sexual” — esse termo fere as pessoas, escreveu Dra. Celeste (sempre Dra, porque ela tem um PhD em sexologia! como ela e qualquer pessoa que a cite deve enfatizar ao menos uma vez!)

Dra. Celeste não considerou o porquê de uma pessoa usar um termo tão “danoso” como Vício Sexual: bom, porque as pessoas estão experimentando danos daquilo que Dra. Celestr chama de “sexo”, mas que é na verdade pornografia, programação e misoginia — a comodificação do sexo. É isso que tem de “positivo” nisso: o lucro, a absorção completa da esfera sexual no Capitalismo. As mulheres em especial viram mercadorias, e muitas de nós descobrimos, tarde demais, que isso nos fere, nos causa danos. Os danos da pornografia e da prostituição são claro uma legião, documentados por inúmeros cientistas E feministas radicais, incluindo Dworkin, que não era uma puritana — ela experimentou essa “indústria” em primeira mão.

Eu descobri que a “indústria do entretenimento adulto” agora chama a si mesma de Free Speech Coalition (ou “coalizão da liberdade de expressão”). Obrigada, Orwell.

Dra. Celeste escreve copiosamente sobre quão “sexualmente negativa” nossa “sociedade” aparentemente é. Estamos vivendo na mesma sociedade? Porque a sociedade que eu vejo possui imagens de mulheres (e crianças!) sexualizadas por absolutamente toda parte, em outdoors, em ônibus, revistas, séries de TV, clipes de música, filmes, etc. Essa sociedade aqui tem a pornografia comandando a internet, e meninas adolescentes procurando por cirurgias cosméticas nos lábios de suas vaginas. Essa sociedade considera depilação íntima aliciamento padrão. Essa tem o livro “Drag Queen Story Hour” em incontáveis bibliotecas públicas, incluindo a minha, e “I am Jazz” na TV, e educação pública sobre sexo para crianças jovens, e “identidade de gênero” substituindo o sexo. Eu acho que isso é realmente sexualmente negativo, já que o sexo — o sexo biológico, nossos corpos — está sendo apagado.

Eu quero, e posso, criticar selvagemente a Dra. Celeste. Mas eu gostava dela e da Avery bastante, e quando eu vejo fotos de seus rostos sorridentes, eu sinto afeição.

A vida é sobre cometer erros. Ninguém ainda entendeu como acertar em tudo. Se você apenas deixar o sexo como algo sagrado mas apenas privado, seus filhos podem crescer sendo reprimidos e envergonhados (é isso que meus pais me disseram, eu não sei como é). Mas se você deixar o sexo como sendo algo casual e totalmente público, ele se torna uma mercadoria que segue a lógica da nossa sociedade misógina e nós perdemos as nossas almas. As feministas radicais estão certas ao criticarem a pornografia, mas acredito que apenas banir o pornô é diretamente repressivo — e quase certamente será um tiro pela culatra, dadas as más aplicações das regulações da pornografia até hoje. (Em 1990, revistinhas de comics alternativas foram regularmente recolhida nas fronteiras canadenses porque elas foram “confundidas” com pornografia. Isso efetivamente me tornou contra esse tipo de regulamentação, mas apenas mais tarde eu considerei que os frequentes “enganos” dos guardas das fronteiras possam ter sido de propósito, para manipular pessoas como eu a se opor a regulamentações que na verdade elas apoiariam).

Meus 20 anos foram difíceis. Minha infância também. E agora também é. Eu não tenho direito de ter uma outra infância, ou uma outra juventude, ou uma outra semana passada. Eu me arrependo das escolhas que eu fiz? Sim, no sentido que eu não faria essas mesmas escolhas de novo. Mas não, no sentido de que todas essas escolhas me fizeram ser quem eu sou hoje, e eu gosto de mim mesma. Eu fiz coisas estúpidas porque eu era inocente, e a única forma em que eu pude aprender foi fazendo essas coisas estúpidas. Não era como se “o trabalho sexual vai ser ruim para você” fosse algum tipo de segredo. Avisos sobre isso eram muitos, mas não eram persuasivos, e além disso, eu achei um caminho para uma forma de culto. O rebanho no qual eu me encaixei era todo sobre “trabalho sexual”, pornografia, objetificação, e “não julgamento”; quem eu iria ouvir, um “bando de puritanos reprimidos”?

Hoje eu estou na menopausa, e eu já quase não tenho mais libido de qualquer forma. Se isso é devido às cicatrizes permanentes dos meus “sexualmente positivos” 20 anos, ou uma exaustão natural dos meus ovários, eu não sei. Muitas, ou a maior parte das mulheres freiam muito em suas vidas sexuais no final de seus 50 anos, mas o sexo é ainda adorado em nossa cultura. Sabe, muito da nossa população não poderia se importar menos com sexo, mesmo enquanto ele permeia todo tipo de mídia como o centro e a razão de toda a vida e existência. Sexo em propagandas, sexo em novelas, sexo em filmes, sexo na televisão, sexo, sexo, sexo, sexo — e a maior parte das mulheres acima dos 50 não ligam em nada pra isso. Muitas mulheres abaixo dos 50 também não, mas nós temos que ver o sexo da perspectiva masculina e cultural toda a droga do tempo, porque são homens os que estão por trás da maior parte das mídias.

É um alívio não estar excitada o tempo todo. É também enervante, porque em nossa sociedade você deveria estar excitada. Mas quando eu estava excitada, os homens também não gostavam disso. Mulheres ou são ninfomaníacas fora de controle, ou puritanas e frígidas.

Ou talvez, apenas talvez, a sexualidade das mulheres não deveria existir para agradar aos homens.

Eu só queria que ela tivesse me agradado.

Nina Paley.
(*) nomes modificados.

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Tradução livre por mim ❤ Nina Cenni.
Link para o original.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.