O hiato do orgasmo: por que as mulheres ainda estão se contentando com menos no quarto?

Iza Forzani
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5 min readJun 25, 2022

Por Aleksandra Cejovic

Há apenas 24 anos, a urologista australiana Helen O’Connell redefiniu a sexualidade feminina quando afirmou que a anatomia do clitóris era mais complexa do que nos diziam há séculos. Afinal, esse órgão não é apenas o pequeno pedaço de tecido erétil que vemos acima da abertura uretral — cerca de 90% do clitóris está escondido, cheio de nervos, estendendo-se abaixo do osso púbico e envolvendo a abertura vaginal. O prazer que as mulheres sentem através da penetração vem de bulbos previamente excitados e ingurgitados, e não se limita ao contato com a pequena protuberância comumente considerada um mistério para os homens que parecem nunca encontrá-la.

Mais chocante do que a constatação de que a anatomia do clitóris foi mal compreendida por tanto tempo é a realidade de que milhões de mulheres nunca aprenderam sobre os mecanismos de seus corpos, o que realmente nos permite sentir um prazer mais profundo e variado do que os homens.

Apesar de possuir um órgão cuja única função é o orgasmo, um número preocupante de mulheres heterossexuais não atinge o clímax durante a relação sexual. Estudos confirmam a disparidade nos orgasmos entre os sexos — o chamado hiato do orgasmo.

Embora seja provável que um homem tenha um orgasmo independentemente de seu relacionamento com a mulher com quem está fazendo sexo, as mulheres em relacionamentos de longo prazo são mais propensas a experimentar o orgasmo do que as mulheres que experimentam uma conexão pela primeira vez. Isso nos diz que quanto mais encontros uma mulher tem com seu parceiro masculino, mais ele (e ela!) aprende a se envolver em relações sexuais que resultam em satisfação para ambos os parceiros.

Durex (uma marca de camisinha) conduziu um estudo que descobriu que 20% das mulheres disseram que não têm orgasmo, em comparação com 2% dos homens. Outras pesquisas mostram resultados ainda piores (para as mulheres): apenas 10% das mulheres “facilmente chegam ao clímax” e, surpreendentemente, 10 a 15% das mulheres nunca tiveram um orgasmo. Números específicos à parte, todas as pesquisas mostram que os homens heterossexuais são o grupo com maior probabilidade de sempre atingir o orgasmo durante o sexo.

Não me entenda mal: não culpo nem as mulheres nem os homens pela desigualdade do orgasmo. Muito disso se deve à falta de compreensão das mulheres sobre nossos próprios corpos também. Três anos atrás, um estudo do Reino Unido descobriu que seis em cada 10 homens e metade das mulheres pesquisadas não conseguia nem identificar corretamente a vagina em um diagrama da anatomia feminina. A revolução sexual lutou para normalizar a contracepção e o aborto, as práticas sexuais fora das relações heterossexuais tradicionais e a masturbação, mas o prazer sexual das mulheres continua sendo uma prioridade baixa.

Mesmo que as mulheres tenham lutado pela emancipação do controle masculino e do sexismo moderno, ainda vivemos em um mundo onde o corpo feminino é constantemente objetificado através das mídias sociais, que todos nós usamos, e da cultura pop, na qual todos somos enfiadas. Mulheres ainda são retratadas e entendem a si mesmas como objetos a serem tocadas e vistas, enquanto os homens são sujeitos — os executores da ação, particularmente quando se trata de sexo. As mulheres são ensinadas a exercer a sexualidade, os homens são ensinados a priorizar o próprio prazer.

Essas dinâmicas normalizam o orgasmo masculino como necessário e inevitável, e o orgasmo feminino como um bônus — muito menos importante do que o prazer visual e físico dos homens. Ambas as características podem ser rastreadas até a indústria pornográfica. A maioria das mulheres no pornô são categorizadas principalmente por etnia, habilidade sexual e seu tamanho ou tipo de corpo. A pornografia não apenas deprecia a experiência sexual feminina, mas também trata o orgasmo feminino como uma ocorrência rara, ligada ao desempenho — a ejaculação feminina é uma categoria pornô em si, representando o orgasmo como uma novidade.

Hollywood não ajuda — escalando mulheres com base no tipo de corpo, mostrando mulheres gozando no momento em que o pênis de um personagem masculino penetra em sua vagina e normalizando falsos orgasmos. A maioria de nós provavelmente já viu intermináveis ​​cenas de sexo mostrando um homem dominando as mulheres física e sexualmente — dirigindo a ação, por assim dizer — enquanto as mulheres proporcionam prazer visual para o público.

Esse fenômeno foi estendido às mídias sociais, onde um número crescente de mulheres se auto-objetifica para um público masculino heterossexual para ganhar popularidade, validação e seguidores. A maioria das redes sociais virtuais são visualmente centradas, o que estimula a objetificação e a sexualização feminina.

Então, como tudo isso está relacionado ao hiato do orgasmo?

A função sexual feminina e o prazer não são apenas sobre biologia. Todos nós aprendemos crescendo nesta cultura e absorvendo seus valores. Quando as mulheres vivem em uma sociedade que nos valoriza principalmente como objetos sexuais, aprendemos que nosso valor é definido pelo olhar masculino — dependente de ser esteticamente agradável e capaz de agradar os homens no quarto.

Isso se reflete ainda mais no fato de que as mulheres tendem a colocar seus parceiros masculinos em primeiro lugar — na cama e na vida. Mesmo que elas queiram aprender a acabar com esse hiato e tomar sua sexualidade em suas próprias mãos, muitos dos artigos que abordam a questão: “Por que não consigo atingir o orgasmo?” têm como foco a narrativa da “disfunção sexual feminina”, que pressupõe que as mulheres não têm orgasmo porque não estão se comunicando bem com seus parceiros ou estão estressadas. E, embora esses problemas possam influenciar a incapacidade das mulheres de atingir o orgasmo, dizer às mulheres que elas são “disfuncionais” quando na verdade a maioria das mulheres pode atingir o orgasmo quando se masturba mostra que essa perspectiva é equivocada.

Uma abordagem mais eficaz seria combater os fatores culturais, educar as mulheres (e homens!) sobre a anatomia feminina e parar de glorificar as práticas sexuais que humilham, ferem e degradam as mulheres. Hoje, a penetração é o que define “sexo”, o que não seria um problema, exceto que a grande maioria das mulheres não consegue atingir o clímax apenas com a penetração — a estimulação do clitóris é necessária para a maioria. Com todo o progresso que o feminismo fez, as mulheres heterossexuais ainda são menos propensas a receber sexo oral do que a dar a seus parceiros masculinos.

Claro, o prazer sexual não se limita ao orgasmo, mas os fatos demonstram que existe um grande problema de desigualdade sexual em nossa sociedade. As mulheres não merecem menos prazer sexual do que os homens, e o fato de ainda não vermos as coisas dessa maneira é desanimador. As mulheres que são sexualmente empoderadas também têm um senso de autoridade sobre seus próprios corpos e vidas. Nesse sentido, o pessoal é realmente político.

Texto original aqui.

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Iza Forzani
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Uma pessoa que se importa muito com tudo e amante dos animais.