O Problema em Dizer que “Homens Precisam Assistir Pornô”
Há não muito tempo atrás, Russel Brand se juntou ao ranking de pessoas levantando suas vozes contra a pornografia em um vídeo postado em seu canal no Youtube. Nele, Brand acessa de maneira poderosa e sem remorsos o assunto de pornografia ‘softcore’, não apenas listando os seus conhecidos efeitos negativos em homens jovens, mas corroborando com esses dados ao falar sobre sua experiência pessoal. Voyeurismo, objetificação de mulheres, a necessidade de validar a masculinidade de um homem através de mulheres bonitas, medo de intimidade real, a tendência de ver mulheres como troféus ao invés de como indivíduos; todos esses aspectos ele admite que fizeram parte de sua vida e os atribui à sua exposição à pornografia.
Mas mais do que simplesmente reconhecer os devastadores efeitos que a pornografia teve sobre ele, Brand também admite que, ainda, não conseguiu parar totalmente seu consumo — apesar do seu desgosto pelo material. “Se eu tivesse um domínio total de mim mesmo, eu nunca mais assistiria pornô novamente”, ele diz.
Essas palavras, eu acredito, soam muito familiares perante o debate sobre pornografia. Domínio total sobre suas próprias ações, auto-controle: são esses objetivos factíveis para homens jovens? e para mulheres jovens, também? O fato de um homem ou uma mulher entenderem os efeitos danosos da pornografia mas permanecerem incapazes de largá-la levanta algumas dúvidas. Independentemente de pornografia ser saudável ou não, a pergunta permanece: São os homens e mulheres capazes de absterem-se dela?
A opinião da maioria — pelo que parece — é um ressonante “não”.
“Todos os homens vêem pornografia… a meia dúzia de homens que alegam que não assistem pornografia são ou mentirosos ou castrados”, Dan Savage famosamente comentou. E essa fala apenas repete à noção que é quase universalmente aceita.
Enquanto isso, as revistas femininas assumem que mulheres assistem e gostam de pornografia tanto quanto homens. É como se você não fosse um ser sexual se não logasse no sites e assistisse pornô.
Nós vemos essa noção manifestada em incontáveis personagens masculinos na TV popular, desde Barney Stinson até Frank Underwood. Nós a ouvimos reiterada na resposta de Jennifer Lawrence sobre o vazamento de fotos nuas de celebridades há alguns anos atrás: “Ou o seu namorado vai olhar para pornografia ou ele vai olhar para você”.
Eu pessoalmente já confrontei essa noção muitas vezes em conversas cotidianas. Eu uma vez disse a uma amiga muito próxima que meu noivo não assistia pornografia. Em resposta, ela arqueou suas sobrancelhas, inclinou sua cabeça, olhou para mim nos olhos e exclamou, “Eu acho que ele pode estar mentindo para você sobre isso”.
Em um mundo preenchido com dúvidas e confusão, parece que nós, como uma sociedade, viemos a acreditar em uma verdade imutável de que as pessoas não podem evitar olhar pra pornografia. A única opção para as namoradas/namorados, noivas/noivos, esposas/maridos, é aceitar isso.
E, no entanto, eu não consigo.
Para ser clara, eu não estou negando o uso prevalente de pornografia entre os homens, e o crescente número de mulheres assistindo aos vídeos. Eu não estou tentando argumentar contra as estatísticas. Mas existe algo perturbador sobre a forma como discutimos sobre homens e pornografia. Existe algo a mais em jogo aqui, e as falas de que o uso de pornô é inevitável para todos os homens é muito problemática por um número de razões.
“Todo Mundo Faz Isso” Não Pode Ser Possível
Primeiramente, insistir que “todos os homens vêem pornografia” é, como a maioria das grandes generalizações, simplesmente falso. As estatísticas sobre consumo de pornografia variam entre dizer que de 64% a 80% dos homens são usuários habituais, mas independentemente dos números precisos, existe um movimento ativo e crescente em números que é contra o uso de pornografia, e nesses movimentos homens são uma parte vital — O Fight The New Drug (e o Anti Pornografia*) são apenas exemplos disso. E ainda mais, existem sociedades inteiras de pessoas que seguem na linha de Russel Brand, que descobriram que o uso de pornô é danoso e viciante, e que acharam cura no entendimento e controle próprio.
A comunidade no Reddit “No Fap”, em cujo os membros se desafiam a largar a pornografia, já juntou mais de 140.000 membros. O grupo provê suporte, camaradagem, conselhos e — notavelmente — histórias de sucesso de muitos procurando “se recuperar de disfunção sexual induzida pela pornografia, parar de objetificar pessoas e manter conexões significativas, melhorar seus relacionamentos interpessoais, e viver uma vida mais realizada”. Uma pessoa pode procurar brevemente por histórias de sucesso postadas por lá e em outras comunidades para ver que homens, mesmo aqueles se recuperando de comportamentos seriamente viciantes, não são sem poder de resistência.
E ainda assim, apesar dessa evidência disponível de homens evitando e largando a pornografia ser reconfortante e inspiradora, ainda assim esse não é o ponto. A insistência de que homens não conseguem evitar o uso de material pornográfico é problemática por uma razão muito mais séria do que o mero fato de que isso não é verdade. Independentemente do número de homens que assistem pornografia — seja nenhum, alguns, ou todos, — sugerir que eles não têm escolha sobre o assunto é humilhante. Dizer que qualquer pessoa, pela sua própria natureza, é escrava de seus apetites sexuais, é negar-lhes o livre arbítrio — e sua própria humanidade.
A Diferença Entre “Comum” e “Necessário”
Há uma diferença significativa entre reconhecer que o uso de pornografia é comum e insistir que ele deve ser. Um não necessariamente é resultado do outro. Mesmo que todas as pessoas tomassem parte de uma atividade particular, isso não é prova de que elas necessitam disso. Se fosse, nós poderíamos facilmente concluir, por exemplo, que, já que todos os homens já comeram em restaurantes de fast food em algum ponto de suas vidas, eles necessitam disso ou são incapazes de sobreviver sem isso.
Essa uma argumentação ilógica é particularmente problemática em uma sociedade que está lutando por igualdade de gênero e contra um sexismo estrutural. De fato, desculpar o comportamento masculino por causa de uma visão limitada da “natureza humana” é um remanescente daquela forma arcaica de sexismo que alega que mulheres não podem ter papéis de liderança porque nossas decisões são invariavelmente ditadas por emoções. O que mulheres não podem cuidar direito das finanças porque nossa “natureza” nos torna indefesas diante do brilho de sapatos novos. Nesses casos, “natureza” é apenas uma outra palavra para “estereótipo preconceituoso”. Ao insistir que a irresponsabilidade financeira ou inocência sentimental são resultados necessários da “natureza” feminina, nós somos de vez absolvidas desses comportamentos e algemadas à eles. Da mesma forma, negar a habilidade dos homens de resistir ao pornô pode desculpar sua conduta, mas também os confina à ela. O vício em pornografia (que os neurocientistas já compararam com vício em outras drogas, como a cocaína), não é apenas um assunto muito sério, mas algo que pode ser vencido. Negar aos homens a oportunidade de vencê-lo não é algo benéfico — é um desserviço a eles.
Podemos Fazer Melhor do que Assumir
É possível para os homens, e para as mulheres, rejeitarem e se livrarem da pornografia. Eu sei disso porque estou noiva de um homem que tem feito isso por anos. Mas mesmo que ele tivesse que lutar muito e algumas vezes falhasse em seus esforços de evitar pornografia, eu nunca o denigriria assumindo que ele é incapaz de se auto-controlar o suficiente para resistir à ela. Então, vamos mudar a forma como discutimos o assunto da pornografia. Vamos promover um diálogo que não denigre ou humilha os homens ao alegar que sua natureza os torna incapazes de encarar seus problemas com a pornografia. Vamos elevar a nossa conversa e recusar-nos a negar à alguém a sua escolha — e responsabilidade — nessa questão. Porque os homens — e todos nós — merecemos isso.
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Porquê Isso Importa
Não é okay que a sociedade coloque uma expectativa geral de ser usuário de pornografia sobre ninguém, como se cada indivíduo não fosse capaz de decidir por si mesmo, ou como se eles fossem menos — menos ‘legais’ ou seres ‘menos sexuais’ — se escolherem não tomar parte com a pornografia. Ao fazer aparentar que a pornografia é uma busca masculina “perfeitamente saudável”, nós ignoramos a individualidade de cada pessoa e jogamos todas em um mesmo pacote de pessoas que não podem pensar e agir por si mesmas, e longe do pornô.
O que é saudável é perceber que, todos os dias, você tem uma escolha, independente do que qualquer pessoa venha a te dizer. Assistir pornografia por si só não te faz uma pessoa melhor ou pior, ao mesmo tempo que sim, ela tem efeitos negativos sobre você e sua vida, sobre as pessoas ao redor de você e sobre a sociedade em que você vive. ]E no final, é humilhante e degradante assumir que qualquer pessoa precise do pornô, porque todos nós temos um cérebro, e a escolha no final é nossa.
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Texo traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni.
As referências originais foram mantidas.
Link para o texto original.