Precisamos falar sobre a obsessão da nossa cultura com as “recém maiores de idade”.

Ninka
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5 min readMar 26, 2022

Vivemos em uma cultura onde há uma expectativa de que, quando as figuras pop fizerem 18 anos, já será permitido consumir imagens e vídeos explícitos delas. Mas, por quê?

Danielle Bregoli é amplamente conhecida como a rapper adolescente “Bhad Bhabie” — a mais nova rapper feminina a entrar para as 100 mais ouvidas no Billboard Hot em 2017, e a artista mais nova na última década a ganhar o platinum com seus hits de 2017 e 2018.

No ano passado, ela quebrou mais recordes — mas não foi na indústria da música.

Apenas dias após seu aniversário de 18 anos em Março de 2021, Bregoli criou uma conta de conteúdo adulto no OnlyFans, apromovendo em seu Instagram em um post com a legenda, “a partir de agora eu vou fazer a p*rra que eu quiser”. Em sua bio no OnlyFans se lia, “mais maluca do que você pensa!, me mande uma DM. Estou aqui todas as noites respondendo”.

Em apenas 6 horas, ela disse ter ganhado 1 milhão de dólares na plataforma.

“Pedófilos que esperaram que Bhad Bhabie fizesse 18 e fizesse um OnlyFans..”.

A dona do recorde anterior era a atriz-modelo-influencer, ex-atriz da Disney Bella Thorne, que fez mais de 1 milhão em suas primeiras 24 horas na plataforma em Agosto de 2020.

Thorne enfrentou uma repercussão negativa dentre produtores no mercado do sexo que dependem do ganho no OnlyFans quando o site reduziu o máximo que poderia ser cobrado por conteúdo de $200 para $50, depois que ela cobrou $200 por um pacote de três fotos explícitas.

Bregoli compartilhou no Instagram um print com o quanto tinha ganho e com a legenda, “Nada mal para 6 horas. A gente quebrou a p*rra do recorde do OnlyFans”.

Ela está cobrando $23.99 por mês por acesso à seu conteúdo. Aos inscritos também é prometida a possibilidade de conversar diretamente com ela por mensagens. Ela promoveu sua conta na plataforma com pequenos vídeos dela em lingerie e imagens embaçadas com legendas como, “vi seus 6 milhões de comentários e agora estou respondendo os pedidos… vamos todos quebrar as regras”. Isso porque ela estava recebendo pedidos para criar uma conta de conteúdo adulto enquanto ela ainda era menor de idade.

Em 2016, o OnlyFans, que tem sua base no Reino Unido, se lançou como uma plataforma onde celebridades e influenciadores poderiam monetizar diretamente seu conteúdo próprio, receber gorjetas, e cobrar de inscritos por mensagens diretas. O site rapidamente ganhou a reputação pela possibilidade de hospedar conteúdo adulto. Em 2019, o New York Times apelidou o OnlyFans como “o paywall da pornografia”.

“Você fez 18 anos. Então, onde estão os nudes?”

Danielle Bregoli não é a única celebridade da qual os seguidores tinham uma expectativa de consumir conteúdo explícito o mais rápido possível depois que completasse a maioridade.

Billie Eilish é apenas um exemplo de muitas outras figuras do mundo da música que experienciou trolls a rondando para que ela “tirasse as roupas aos 18”. A garota, a cantora-compositora ganhadora de 7 Grammys, completou 18 anos em Dezembro de 2019.

Pouquíssimo tempo depois, tweets sexualizados sobre a garota em uma regata viralizaram, com a legenda, “Billie Eilish fez 18 hoje…?? Todos vocês sabem o que isso significa..”. Anexo ao tweet estavam três fotos de Billie, todas objetificando seu corpo, com legendas que as classificava como “gostosa”.

Em uma entrevista após esses tweets sexualizados, Billie compartilhou, “Meus peitos estavam nos trends do Twitter! No primeiro lugar! O que é isso? Todos estavam escrevendo sobre meus peitos. Sim, eu nasci com p*rra de peitos, cara. Eu nasci com um DNA que iria me dar peitos grandes! Alguém com seios menores poderia usar aquela regata, mas eu poderia usar a mesma regata, ser constrangida e chamada de vadia, porque acontece que meus peitos são grandes. Isso é estúpido”.

Billie também retaliou em um post no Instagram, “Vocês estão bravos porque eu fiz 18 e não tirei todas as minhas roupas imediatamente?”.

Em entrevistas nos últimos anos, a estrela compartilhou sobre se sentir “aterrorizada” por completar 18 anos. Ela disse que preferia se cobrir em roupas largas e manter parte de si como um “mistério” para evitar ser julgada. “Meio que não dar a ninguém a oportunidade de julgar como seu corpo se parece”, ela compartilhou. Ela também frisou que seu estilo pessoal não era para ser usado para constranger mulheres que escolhem se vestir de forma diferente dela.

De onde esse senso de direito sexual sobre o corpo alheio vem?

Esses são exemplos de acontecimentos recentes e atuais que são, na verdade, bem comuns. Tanto que as pessoas agora nem piscam quando veem títulos de matérias do tipo. No entanto, o conceito por detrás desse fato é algo muito preocupante — e é algo que todos deveríamos prestar atenção.

Nós vivemos em uma sociedade obcecada por pornografia, que não tem problema algum em esperar cheios de expectativa que quando uma estrela pop chegar aos 18 anos, será liberado consumir imagens explícitas e vídeos delas — e essa mesma sociedade parece acreditar que tais celebridades deveriam tornar esse material prontamente disponível quando possível. Os trolls não apenas pressionam e, algumas vezes, assediam indivíduos para que compartilhem conteúdo explícito muito antes de completarem 18 anos, como eles sentem que é direito deles que isso seja feito assim que a pessoa tiver idade legal para isso.

O fato é, esse complexo cultural de ter algum tipo de direito sexual sobre corpos alheios é tanto um produto da pornografia quanto é, ao mesmo tempo, um fator que alimenta o mercado pornográfico.

A pornografia vende a ideia de que qualquer que seja seu objeto de desejo sexual, você deveria poder tê-lo — e no momento em que você tiver vontade. E, se não tem pornografia disponível por aí da pessoa que você quer ver, hoje os deepfakes tornam possível criar vídeos falsos de pornografia de quase qualquer pessoa, sem seu consentimento ou sequer conhecimento.

No mundo pornô, as fantasias e “fetiches” individuais superam a dignidade humana e o respeito. A indústria pornográfica não tem nenhuma forma de garantir que os “atores e atrizes” estão lá de maneira consensual (ou se têm mais de 18 anos), e retratações na pornografia são permissivas a tudo, não importa que seja abusivo, violento, faça apologia a estupro e pedofilia, ou que seja simplesmente irrealista. Além disso, não há realmente importância se o conteúdo causa danos aos consumidores e/ou a seus relacionamentos. A indústria pornô como um todo não está minimamente preocupada com quem sai perdendo ou é explorado no processo.

Quer uma pessoa tenha acabado de se tornar maior de idade, ou seja mais novo, mais velho, seja uma celebridade ou seu vizinho ao lado, ninguém tem o direito inerente de alimentar seu próprio prazer ao custo alheio — especialmente sem seu conhecimento ou consentimento.

Mas essa maneira de pensar é alimentada todos os dias pela pornografia, enquanto também alimenta a demanda para que mais e mais pornografia seja produzida. Esse é um ciclo que continua a escalonar, e vai tomando conta de todas as esferas, a menos que façamos algo para pará-lo.

Em seu âmago, a luta contra a pornografia é uma luta pela dignidade, valor e REAL liberdade humana — para todas as pessoas.


Traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni.
Link para o texto original.
@recuseaclicar.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.