“Quanto Mais Real Era a Dor, Mais Visualizações Eu Tinha”: Confissões de Uma Atriz Pornô de BDSM Extremo.
Essa é uma experiência real de uma ex-atriz pornô que trabalhou em uma companhia de produção de vídeos de BDSM ultra-extremo por alguns anos, antes dela ser fechada.
Aviso de gatilho: esse texto contém elementos de abuso sexual, violência doméstica e descreve cenários pornográficos gráficos.
Como alguém sequer vai parar na pornografia? Isso não é uma escolha feita de forma completamente livre, onde tudo que acontece é consensual?
Isso daí é uma grande mentira, suportada pelos usuários. Eu nunca encontrei uma modelo ou atriz pornô com um passado feliz.
No momento em que eu fui explorada diante das câmeras pela primeira vez, aos 21 anos, eu já tinha sido quebrada por 8 anos de abuso sexual e violência doméstica.
Quando eu era jovem, eu sofri de abuso sexual nas mãos de uma mulher mais velha. Eu não percebia na época que o que eu sofria era abuso, e, no momento em que eu percebi, eu já era uma jovem adolescente e reportei os abusos para a polícia.
A vergonha começou na sala de audiências com minha abusadora
Ter reportado os abusos adicionou um novo trauma na minha infância, um que me alienou de todos os meus colegas e da comunidade escolar onde tudo aconteceu — e minha mente jovem não conseguia processar a condenação. Na sala de audiências, eu recebia olhares rancorosos vindos do mar de rostos que eu não conhecia e que tinham ido apoiar minha abusadora, era como se eu fosse quem estivesse sendo acusada e julgada, e ali eu ouvi minha agressora dizer que ela “me perdoava” por acusá-la em frente a um juiz.
Passar por um tribunal daquela forma enquanto jovem me golpeou com envergonhamento, eu fui rejeitada pela comunidade inteira por ter me posicionado, e marcada como uma pervertida pela comunidade, pois, como a minha abusadora era uma mulher, aquilo deveria significar que eu era gay. Eu fui despida e testada para DSTs no exame forense por insistência da defesa.
No exame forense foi a primeira vez que meu corpo nu e genitália foram fotografados. Eu nunca vou me esquecer como estava confusa quando as enfermeiras forenses tinham que fotografar partes do meu corpo que não tinham sido tocadas pela abusadora há meses, ou nem mesmo sido molestadas. Quando eu vi minhas genitais sendo mostradas na tela do computador, para mais tarde serem usadas como evidência no tribunal, eu não conseguia entender a lógica por detrás daquilo, estava mortificada com a ideia de que minhas partes íntimas de 14 anos seriam mostradas para advogados e juízes apesar de não haver feridas aparentes, e eu pensei naquele momento em como meu corpo era horrivelmente feio. Depois da sentença, eu senti como se tivesse sido marcada de uma maneira impensável.
Eu acreditei na mentira de que eu era “ruim” por ter me posicionado a respeito de algo que eu queria que parasse, e essa mentira se tornou a crença que guiou a minha vida. Eu precisei de 11 anos após a sentença da minha agressora para entender que o que tinha acontecido era um crime. Um crime de um adulta contra uma criança que nunca teve culpa de nada, e que amor não tinha nada a ver com aquilo.
Nesses 11 anos, o ciclo de abuso continuou implacavelmente, até que o abuso se tornou a minha casa.
Eu acreditei que poderia apagar o primeiro abuso com mais abuso
Um bom número de outros adultos prosseguiu a me usar como um “brinquedo sexual” após a primeira abusadora. Tendo sido exilada pelos meus colegas e jogada fora como lixo, eu não conseguia mais me relacionar com pessoas da minha idade, e gravitei até o mundo familiar dos adultos, suportando diversos outros crimes que ficaram sem denúncia. No meu cérebro adolescente despedaçado, eu pensava que se mais adultos dormissem comigo, então talvez o abuso original pudesse ser apagado e meu trauma pudesse ser diluído.
Eu pratiquei sexo não seguro com homens adultos que eram donos de bares durante um verão na França quando tinha 15 anos, voei para o outro lado do país para me encontrar com homens com dentes podres que tinham me solicitado no meu blog na internet e que me introduziram ao sadomasoquismo — S&M, o dar ou receber prazer com atos envolvendo receber ou infligir dor e humilhação — (eu disse aos meus pais que eu estava ‘visitando uma amiga na cidade’ naquele final de semana), dormi com ex-viciados em heroína que me passaram infecções todas as vezes que fizemos sexo porque eles não tomavam banho, e comecei a morar com um alcoólatra de 28 anos quando eu tinha 17.
Quando eu finalmente fiquei maior de idade e comecei a namorar caras apenas alguns anos mais velhos que eu, o que parecia como um romance dos sonhos se tornou violento apenas alguns meses depois de nos conhecermos. Ele leu meu blog, não gostou do que leu, quebrou tudo no meu quarto, e depois foi me buscar no trabalho apenas para me levar para um bosque ali perto e me bater, enquanto repetia que eu era uma “menininha quebrada”, de novo e de novo.
Eu me lembro que meu corpo estava congelado e imóvel enquanto eu era chutada e recebia os tapas, e eu não conseguia lutar contra em lugar algum a não ser dentro da minha mente. Apesar de estar coberta de feridas e hematomas, ter sido jogada abaixo de um monte lamacento e fugido para outro estado por medo, eu me recusei a denunciar para a polícia porque ele me disse que sentia muito e eu acabei ficando com esse homem por mais dois anos e meio, sendo condicionada a achar violência algo erótico e ouvindo que aquilo era amor.
Eu acreditava que violência era uma linguagem que eu entendia
Ele me disse que violência era a única linguagem eu entendia, e eu acreditei nele. Depois que eu consegui reportar o caso para a polícia, ele tinha sido preso na frente de sua mãe no seu trabalho, e seus pais não me deixavam ir jantar com eles mais. Eu tive que consolar seus amigos que estavam chorando porque ‘não acreditavam que ele fosse capaz de cometer violência doméstica’.
Eu me lembro de estar no banco de trás de um Toyota Camry com sua mãe para ir expurgar sua ficha, e eu me rendi à ideia de que eu teria que consolar outras pessoas quando coisas ruins acontecessem comigo, que ninguém realmente se importava com as vítimas do crime e que realmente não valia a pena me posicionar ou me expressar sobre aquilo. Era meu dever tanto receber o abuso, quanto limpar a bagunça que eu tinha feito.
Esse meu namorado me amarrava durante o sexo, tirava fotos de mim com minhas feridas enquanto eu estava de lingerie, me mostrava uma variedade de vídeos pornô e já tinha me levado para vários clubes de strip com uma identidade falsa, e ali eu via parte de mim mesma nas dançarinas e me sentia quase à vontade naquele mundo subterrâneo, escondido. Garotas quebradas se sentem à vontade na companhia de outras garotas quebradas.
O mundo do sexo comercial parecia algo inevitável para mim, e depois de responder a um anúncio, eu comecei a fazer pornografia de bondage perto do final do final do nosso relacionamento, como que sucumbindo à ideia de que ser abusada em troca de pagamento era meu caminho profissional.
Tentando pornografia ‘bondage’ como um escape, mas aquilo apenas me aprisionou
Eu lembro de odiar minha primeira gravação de um vídeo de bondage, e de dizer à mim mesma que eu nunca mais teria que fazer aquilo depois que eu terminasse. Mas no dia seguinte, foi como se um interruptor fosse acionado no meu cérebro, eu percebi que eu poderia usar a pornografia para fugir daquele namorado, e acabei marcando mais uma gravação. Depois outra e depois outra, por 5 anos.
Eu não entendia que eu estava apenas pulando de um incêndio para o outro, nesse caso, uma chama que me faria desejar a morte mais tarde, só para silenciar a dor.
Eu não entendia que a ideia de que as pessoas que eu encontrava na indústria eram como ‘a minha verdadeira família’ era uma mentira, porque uma verdadeira família não faz dinheiro através do seu sofrimento, ou te proíbe a segurança e bem estar porque você passará a ser conhecida como “nervosa” ou “barulhenta”, ou te faz continuar no bondage por trás das câmeras para poder ser pago quando você o faz na frente delas.
Depois de 10 a 12 horas por dia de ser amarrada e torturada, em cenas que procuravam fazer uma mímica de torturas militares e reencenar cenas de crimes de assassinato, fazendo vídeos com nomes com P* inútil — ou Humilhação da V* — ‘É Punida’ —etc, onde eu recebia choques com aguilhões de gado, me batiam até que eu chorasse tanto que não conseguia respirar, conseguia hematomas que demorariam meses para sarar, e era asfixiada com sacolas plásticas onde produtor urinava — eu então era amarrada pela duração da noite, ou numa cela com um balde como toalete, ou acorrentada em uma cama onde o chefe do estúdio podia fazer sexo comigo quando quisesse, ou colocada dentro de um saco onde não conseguia ver nada e era forçada a dormir em fluidos corporais. (Nota do FTND: A companhia pornô que ela está descrevendo aqui foi fechada em 2005 por ser tão extrema e violenta, apesar do conteúdo produzido por ela e outras organizações de BDSM e pornô gonzo extremo terem sido introduzidos nos sites pornográficos gratuitos populares de hoje em dia. O PornHub, por exemplo, contém até hoje vídeos produzidos por essa companhia de pornografia extrema.)
A coerção e atividade por trás das câmeras era bem conhecida pelas modelos e uma condição mandatória para o emprego, de maneira que modelos veteranas simplesmente aliciavam novas atrizes para dentro dessa rotina de ‘trabalho’. Se você queria trabalhar, você deveria se acostumar com aquilo.
Meus anos de sofrimento pavimentaram meu caminho até a pornografia
Os anos de ter minha inocência violada, ser condicionada à violência, acreditar que eu era “ruim”, e ouvir que meu valor não era mais do que o meu corpo foi o que criou minha passagem para dentro da pornografia, e uma vez dentro de lá, meus ferimentos sangraram mais e mais para o entretenimento sexual. Quanto mais real era a minha dor, quanto mais eu chorava por dentro do abismo do meu emocional, quanto mais abusada eu parecia, mais visualizações os vídeos tinham.
Todas as vezes que alguém me assistia na tela, eles estavam assistindo alguém que tinha sido tão distanciada de uma experiência real de amor, que eles paravam de acreditar totalmente no amor.
Porque me ver na tela era me assistir acreditando que eu era inamável, irredimível, irresgatável, e que meu único valor como um ser humano consistia na quantidade de prazer sexual que eu poderia prover para os outros, qualquer que fosse o preço para mim mesma. Eu oferecia a mim mesma, porque eu já tinha sido roubada pela toxidade do meu passado.
E foi assim que eu me vi na pornografia.
–Y.”
Reabrindo as cortinas da pornografia violenta
Essa história mostra como a realidade da produção de vídeos de pornografia extrema impacta a vida das atrizes.
Sim, nem toda a pornografia popular incorpora conteúdo tão extremo, mas o BDSM e a violência extrema estão se tornando um tipo de pornografia cada vez mais popular e normalizada, e a maioria dos consumidores médios de conteúdo pornografia sabem sobre ela.
Com isso dito, a experiência de Y nos mostra um vislumbre de como algumas atrizes canalizam a sua dor dos traumas emocionais da vida e da infância através da violência da indústria. Não, não são todas as atrizes nesse meio que tiveram um passado abusivo, apesar de que, em nossa experiência entrevistando ex-atrizes pornô, o passado abusivo é um tema muito comum e recorrente.
No final das contas, o que nos fica da sua história desoladora é que você nunca pode saber como e porquê alguém entrou para a indústria pornográfica, ou porque algumas pessoas continuam nela. Algumas vezes, é pela sobrevivência. Algumas vezes, por coerção. Usualmente, é por causa da exploração.
Você entendeu o que Y disse em sua história? Ela não poderia usar a “palavra de segurança” para parar as cenas brutais porque ela seria vista como “alguém difícil de se trabalhar com”. Talvez não aconteça assim em todos os sets de pornografia BDSM, mas essa foi sua experiência, e nós já sabemos através de outros relatos de estúdios grandes e populares que abuso absolutamente acontece em seus sets.
Um “Sim” só é válido quando “Não” é uma opção legítima
O fato é, quando você consume pornografia, não existe maneira de você saber o contexto daquele ‘consentimento’, ou qual tipo de ‘consentimento’ foi dado ali. Você não pode assumir que, só porque alguém aparece em um vídeo pornô, que aquela pessoa sabia anteriormente exatamente o que iria acontecer ou que ela teve uma escolha real ou a habilidade de parar o que estava sendo feito.
“Eu nunca recebi uma surra como essa antes na minha vida”, disse a atriz Alexandra Read depois de ser chicoteada e agredida por 35 minutos. “Eu tenho cicatrizes permanentes por toda minha coxa. Eram coisas com as quais eu tinha consentido, mas eu não sabia quão brutal era o que estava prestes a acontecer até eu estar lá”.
Você entendeu o que Alexandra disse aqui? “Eram coisas com as quais eu tinha consentido”. Esse é o problema de tratar o consentimento como se ele fosse um “tudo ou nada”. Ela consentiu com X. Mas não consentiu com X, Y e Z².
Não estamos clamando que todo e qualquer vídeo de pornografia é não-consensual. Estamos apontando para o fato de que uma quantidade não é, e quando você assiste, não existe maneira de você saber se aquilo foi um real e válido consentimento ou não.
Então, você compraria de uma companhia que você sabe que uma boa quantidade, mas não todos, os produtos são feitos com trabalho infantil? Você apoiaria uma loja que abusasse de vários empregados, mas não de todos?
Como pode ser ético dizer que “pornografia é okay porque os participantes consentiram com aquilo”, quando sabemos como um fato que tantos — e muito provavelmente muitos mais do que você acha — não consentiram? Como pode ser saudável assistir pornografia quando está claro que tantas atrizes, apesar de que não absolutamente todas, entraram na indústria por causa de seus passados abusivos?
“A pornografia alimenta a violência. SE RECUSE A CLICAR”.
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Texto traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni.
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