Relato de Seguidor
Como a pornografia quase me matou: um fio de Setembro Amarelo
A gente tá em pleno Setembro Amarelo, época em que todo mundo começa a prestar mais atenção na questão da saúde mental. Só que é raro ver alguém falar das partes mais feias de ser neuroatípico. Então vamo lá. [TW] [Suicídio]
Eu tenho transtorno obsessivo compulsivo. Diagnosticado há um ano, sofrendo há vários. E meu TOC se manifesta de um jeito diferente do que a gente tem no imaginário comum: não sou viciado em arrumação ou limpeza. Eu tenho pensamentos intrusivos.
Você já passou por um lugar alto, pensou por um segundo “Nossa, vou pular daqui” e se assustou com sua própria cabeça? Então, isso é um pensamento intrusivo. Agora imagina esse tipo de pensamento te assustando 24 horas por dia. Habemus TOC.
E é aqui que a gente entra no ponto: meu TOC é de conteúdo sexual. Desde criança eu, como um LGBTQ confuso e em formação, tive dificuldade em delimitar minha sexualidade. Como eu seria capaz de diferenciar amizade de atração se eu mal tinha contato com meninos?
E eu desenvolvi esse problema por um simples motivo: nunca me explicaram o que era sexualidade. Nunca fui permitido experimentar, falar sobre, discutir, ouvir. E quando a puberdade chega e você não tem pra onde ir, o que te acolhe de braços abertos? Pornografia.
A pornografia é a única educação sexual que muitos jovens têm. Especialmente jovens LGBTQ, a quem a educação sexual é um corpo estranho. E não tem como não sair algo de ruim de uma educação sexual que vem de um conteúdo fetichista, racista, pedófilo, misógino e assassino.
Como esperar que um jovem saiba delimitar sua sexualidade quando a pornografia sexualiza até as situações mais banais? Como esperar que ele não internalize os padrões de masculinidade, os fetiches, a sexualização de toda e qualquer circunstância?
E imagine o conflito interno de um jovem católico, caçula da família, tido como anjo, assexuado, desprovido de todo e qualquer ímpeto impuro ou carnal, que aprende sobre sexo desse jeito. Imagine o que isso faz com a cabeça de alguém.
Você tem a mistura de uma criança cuja sexualidade foi negada e uma educação sexual deturpada pela pornografia. Voilá! A receita perfeita pra uma bomba-relógio.
Agora imagina esse criança crescendo sem saber delimitar a sua própria sexualidade. Imagina essa criança se tornando um adolescente com medo porque nunca sabe se o que ele tá sentindo é amizade ou atração. Chato, né?
Agora imagina esse medo piorando. Imagina esse adolescente desesperado porque não sabe até onde vai a sexualidade dele. Imagina ele com medo de algum dia acordar e se sentir atraído por alguém da família. Por um animal. Por uma planta. Por uma criança. Grotesco, né?
E não importa que ele saiba que esses medos não façam sentido porque ele sabe que não se atrai por nenhuma dessas coisas, porque o medo continua. Imagina esse adolescente prometendo que se algum dia esses medos se concretizassem ele ia se matar.
É aí que eu pergunto: seu Setembro Amarelo é pra quem? Porque pro Gustavo de 14 anos que fez uma promessa silenciosa de suicídio não tinha ninguém. Pros meus amigos que quase explodiram sem alguém para falar sobre isso até descobrirem que não estavam sozinhos não tinha ninguém.
Seu Setembro Amarelo tá aí pra falar sobre a verdade? Tá aí pra falar sobre as partes feias, grotescas, monstruosas de se ter uma doença psicológica? Tá aí pra falar das raízes dos problemas? Tá aí pra falar sobre os inúmeros distúrbios que a pornografia causa?
A problemática da pornografia é muito mais complexa e pesada do que a gente pensa. Ela atinge todos os âmbitos da gente, desde o contexto macropolítico até o foro íntimo. É tão ardilosa que mesmo sabendo que ela quase destruiu minha vida eu ainda me vejo amarrado a ela.
Ela dessensibiliza quem assiste, faz a gente acreditar que o conteúdo da pornografia é igual à vida real. A gente se vê preso num ciclo vicioso de buscar um conteúdo mais e mais fetichista, mais e mais irreal.
Ser antipornografia não é moralismo. É saúde pública. É resistência LGBTQ. É luta contra patriarcado. É anticapitalismo. É antirracismo. É repúdio à pedofilia. É garantir que o Gustavo de 14 anos não morra por nada. Vê se não esquece: o vermelho do teu RedTube é de sangue.
Thread no Twitter de @ogusvato.