Um homem perguntou se ele poderia ‘me dar um tapa’ e ‘cuspir em mim’ — precisamos parar de normalizar a violência sexual contra as mulheres

Iza Forzani
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5 min readApr 16, 2021

Qualquer argumento de que esse tipo de comportamento é “incomum” parece dolorosamente ingênuo

‘Devemos nos posicionar sobre a normalização da violência sexual contra as mulheres e distingui-la de uma sociedade sexualmente liberada’ (Getty Images)

Como se o mundo de relacionamentos online durante o lockdown em virtude da pandemia não fosse uma montanha-russa suficiente, esta semana eu experimentei algo que me fez implorar por um convento: um homem normal em uma conversa normal em um aplicativo de relacionamento me perguntou diretamente se eu concordaria em levar tapas e em ser cuspida por ele.

Eu toparia, ele ponderou, “tapas na cara” e “cusparadas” como “recompensa”? Isso é tão profundamente problemático que eu não sei nem por onde começar, mas aqui parece um bom ponto: homens, não falem desse jeito com mulheres.

E antes que comecem — não, não quero dizer “todos os homens”. Isso não é sobre “todos os homens”; não é sobre os muitos homens bons por aí que tratam suas esposas, namoradas e parceiras em potencial com o respeito que todos os humanos merecem. Mas o fato é que são muitos homens. Mesmo UM homem como este é demais.

Mas não é apenas um, e qualquer argumento de que esse tipo de comportamento é “incomum” parece dolorosamente ingênuo. Assim que eu twitei sobre minha experiência — espontaneamente, à meia-noite — centenas de mensagens de mulheres com experiências semelhantes inundaram minha mente. Histórias de primeiros encontros que se tornaram um pedido imediato de “golden shower”, antes mesmo de ela ter saído do carro; uma mulher que visse as palavras “deve gostar de ser enforcada” em preto no branco no perfil de aplicativo de relacionamento de um homem; o sardônico, blasé, “você não está acostumada com encontros pela internet, então?”

A médica britânica Georgina Porter me disse que há 10 anos, recém-solteira e com 40 e poucos anos, ela aderiu a aplicativos de relacionamento e ficou impressionada com o número de homens que pediam práticas sexuais extremas. “Os homens muitas vezes nos testam para ver a possibilidade de sexo anal quase que instantaneamente”, disse ela. “Não era realmente comum quando eu era jovem — é uma demanda criado pela pornografia. É também por causa da pornografia que os homens querem cuspir nas mulheres; ou qualquer outra coisa degradante.”

“Quando eu era adolescente, as meninas que não faziam sexo prontamente eram rotuladas de ‘frígidas’. O novo ‘frígido’ é o ‘baunilha’. Meninas que não querem sexo inspirado na pornografia — anal, puxão de cabelo e sufocamento — têm vergonha de suas ‘inibições’. ”

Depois de compartilhar minha experiência, várias pessoas — e elas eram, em sua maioria, homens — correram para menosprezá-la ou defendê-la. Alguns insistiram que era “honroso” esse indivíduo ter sido franco sobre sua predileção pela violência sexual de homem contra mulher — que ele estava “apenas sendo honesto”, que ele não estava errado, mas eu estava, por criticá-lo abertamente. Eu até fui acusada de “kink-shaming”*.

Mas ao minimizar esse tipo de comportamento como uma “preferência”, ou reenquadrá-lo como um “fetiche inofensivo”, corre-se o risco de apagar a realidade do que ele é: violência sexual, na maioria das vezes perpetuada por homens, contra mulheres. Quantas conversas iniciais de mulheres em aplicativos de encontras começam com elas perguntando aos homens se podem enganar, bater, estapear ou cuspir neles?

Fiona Mackenzie, do grupo que faz a campanha We Can’t Consent To This — que está lutando para acabar com o uso de alegações de “sexo violento” no sistema de justiça criminal e pressionando para que o estrangulamento não fatal seja adicionado à Lei de Abuso Doméstico** — relatou que pouco menos de 40 % das mulheres com menos de 40 anos já foram violentamente agredidas durante o sexo, e um quarto dos homens admite ter cometido agressões sexuais contra mulheres.

“Isso não é normal, mesmo que seja terrivelmente comum”, ela me disse. “Estamos em um lugar lamentável onde os homens são encorajados a dizer, ‘Eu quero fazer um ato de violência contra você’, para uma mulher com quem eles nunca sequer conversaram.”

“Não tenho dúvidas de que as pessoas vão te dizer, ‘algumas mulheres gostam’ — mas por que todas as mulheres deveriam aceitar que elas são dignas de um tapa?”

“Isso é 100% a influência da pornografia”, disse-me uma mulher. “Tenho sido sexualmente ativa desde 1987 e cuspir, estapear e enganar simplesmente não existia até muito recentemente. Anal também era incrivelmente raro. A pornografia erotiza a violência contra as mulheres e, como mãe de um menino de nove anos, realmente me preocupo com isso.”

Não há dúvida de que a pornografia deve fazer parte da conversa — apenas recentemente, o Pornhub removeu milhões de vídeos na tentativa de combater imagens de abuso sexual. O site foi acusado de hospedar conteúdo não consensual relacionado a pornografia infantil, tráfico e estupro.

Tive que conversar com meus próprios filhos sobre pornografia — minha filha tinha apenas sete anos quando um colega de classe disse que tinha visto imagens inadequadas no iPad de sua família; e pesquisas nos dizem que até 28% das crianças de 11 e 12 anos admitem ter assistido pornografia online, por meio de amigos, pop-ups ou por acidentalmente parar nela. O NSPCC e o Children’s Commissioner for England descobriram que, aos 15 ou 16 anos, 65% das crianças assistiam a pornografia, com 53% dos meninos relatando que consideravam isso “realista”.

Quando se trata de relacionamentos virtuais, algumas mulheres disseram que preferiam saber da “preferência sexual” de um homem pela violência desde o início. “Você prefere que eles não falem sobre isso até que você esteja na cama com eles, e eles simplesmente comecem a falar sem nem mesmo te perguntar?” um me desafiou. “Pelo que ouvi, essa é a opção mais comum. Pessoalmente, prefiro as bandeiras de aviso na frente. ”

“Os homens definitivamente deveriam ser francos sobre sua tendência para abusar das mulheres”, acrescentou outro. “Pelo menos você descobriu cedo e não três meses depois de ter um relacionamento com ele.”

Quanto a mim, encerrei a conversa bloqueando e denunciando o perfil dele ao site de relacionamentos que eu estava usando. Mas a luta continua online, com os homens me rotulando de “estúpida” e “errada” por fazer isso.

Claro, todos têm o direito de praticar sexo seguro e consensual de uma forma que seja adequada para ambas as partes, desde que seja, verdadeiramente, consensual — e que venha de uma relação de confiança, cuidado e respeito mútuos. E embora isso não seja um apelo aos muitos homens bons por aí, é um apelo, no entanto. Todos nós precisamos fazer nossa parte e criticar abertamente os homens que tratam as mulheres como objetos; que brincam sobre estupro, espancamento e sufocamento, virutalmente ou no bar.

Devemos nos posicionar contra a normalização da violência sexual contra as mulheres e distingui-la de uma sociedade sexualmente liberada. Porque, no momento, está se parecendo muito mais com uma sociedade que incentiva as meninas a se submeterem à violência e degradação em nome de serem a “liberais e mente aberta” — e os meninos a perpetuá-la.

*Kink (tara, fetiche) shaming (envergonhar), é o ato de criticar as preferências sexuais de alguém ou usar essas preferências para estigmatizar a pessoa.

** A Lei de Abuso Doméstico (no original, Domestic Abuse Bill) é como se fosse a Lei Maria da Penha do Reino Unido

Texto original aqui.

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Iza Forzani
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Uma pessoa que se importa muito com tudo e amante dos animais.