Você acha que a pornografia é um problema de saúde pública? Dr. Gail Dines acha, e aqui está o porquê
Escrito por Dra. Gail Dines
Não importa o que você pense sobre pornografia (seja uma fantasia prejudicial ou inofensiva), a ciência tem o seu próprio ponto. Após 40 anos de pesquisas revisadas por pares, os estudiosos podem dizer com tranquilidade que a pornografia é um produto industrial que molda a maneira como refletimos sobre gênero, sexualidade, relacionamentos, intimidade, violência sexual e igualdade de gênero — para pior.
As estatísticas sobre o uso de pornografia hoje são surpreendentes. Uma manchete do Huffington Post anunciou em 2013 que “Sites pornôs recebem mais visitantes a cada mês do que Netflix, Amazon e Twitter combinados” e um dos maiores sites pornôs gratuitos do mundo, YouPorn, transmitiu seis vezes a largura de banda do Hulu em 2013. Pornhub , outro grande site de pornografia gratuita, gabou-se de que em 2015 recebeu 21,2 bilhões de visitas e “transmitiu 75 GB de dados por segundo, o que se traduz em pornografia suficiente para preencher o armazenamento de cerca de 175 milhões de iPhones de 16 GB”.
Extensas pesquisas científicas revelam que a exposição e o consumo de pornografia ameaçam a saúde social, emocional e física de indivíduos, famílias e comunidades, e destaca o grau em que a pornografia é uma crise de saúde pública em vez de um assunto privado. Mas assim como a indústria do tabaco argumentou durante décadas que não havia prova de uma ligação entre o fumo e o câncer de pulmão, também a indústria pornográfica, com a ajuda de uma máquina de relações públicas bem escorregadia, nega a existência de pesquisas empíricas sobre o impacto de seus produtos.
Conexão do pornô com a violência
Usando uma ampla gama de metodologias, pesquisadores de várias disciplinas mostraram que ver pornografia está associado a resultados nocivos. Em um estudo com universitários dos Estados Unidos, os pesquisadores descobriram que 83% relataram ter visto pornografia convencional e que aqueles que o fizeram eram mais propensos a dizer que cometeriam estupro ou agressão sexual (se soubessem que não seriam pegos) do que os homens que não viam pornografia nos últimos 12 meses.
O mesmo estudo descobriu que os consumidores de pornografia eram menos propensos a intervir se observassem uma agressão sexual ocorrendo. Em um estudo com adolescentes em todo o sudeste dos Estados Unidos, 66% dos meninos relataram consumo de pornografia no ano passado; essa exposição precoce à pornografia foi correlacionada ao cometimento de assédio sexual dois anos depois. Uma meta-análise recente de 22 estudos entre 1978 e 2014 de sete países diferentes concluiu que o consumo de pornografia está associado a uma maior probabilidade de cometer atos de agressão sexual verbal ou física, independentemente da idade. Uma meta-análise de 2010 de vários estudos descobriu “uma associação positiva geral significativa entre o uso de pornografia e as atitudes de apoio à violência contra as mulheres”.
Um estudo de 2012 feito em mulheres em idade universitária com parceiros masculinos que usavam pornografia concluiu que as jovens sofreram diminuição da autoestima, qualidade do relacionamento e da satisfação sexual correlacionados ao uso de pornografia de seus parceiros. Enquanto isso, um estudo de 2004 descobriu que a exposição a conteúdo sexual filmado acelera profundamente a iniciação do comportamento sexual dos adolescentes: “A dimensão do efeito sexual ajustado foi tal que os jovens no percentil 90 que assistiram sexo na TV tinham uma probabilidade prevista de iniciação sexual [no ano seguinte] que era aproximadamente o dobro da dos jovens no percentil 10”, escreveram os autores do estudo. Todos esses estudos foram publicados em periódicos revisados por pares.
Rastreando a tendência de agressão
Como tanta pornografia é gratuita e não filtrada na maioria dos dispositivos digitais, alguns pesquisadores estimam que a idade média para a primeira exibição de pornografia é de 11 anos. Na ausência de um currículo abrangente de educação sexual em muitas escolas, a pornografia tornou-se de fato educação sexual para a juventude. E para o que essas crianças estão olhando? Se você tem em mente uma página central da Playboy com uma mulher nua sorrindo em um milharal, pense novamente. Enquanto revistas masculinas “elegantes” como a Playboy estão disponibilizando os nus soft-core do passado, a pornografia gratuita e amplamente disponível é muitas vezes violenta, degradante e extrema.
Em uma análise de conteúdo dos filmes pornôs mais vendidos e mais alugados, os pesquisadores descobriram que 88 por cento das cenas analisadas continham agressão física: geralmente surras, esganaduras, enforcamentos ou tapas. A agressão verbal ocorreu em 49 por cento das cenas, na maioria das vezes na forma de chamar uma mulher de “vadia” e “vagabunda”. Os homens cometiam 70% dos atos agressivos, enquanto as mulheres foram os alvos em 94% das vezes. É difícil contabilizar toda a pornografia tipo “gonzo”* e pornografia amadora disponível online, mas há razão para acreditar que a pornografia avaliada na análise reflete em grande parte o conteúdo dos sites pornôs gratuitos. Como aponta a pesquisadora Shira Tarrant, “Os sites de tubo** são agregadores de um monte de links e clipes diferentes e são frequentemente pirateados ou roubados”. Assim, a pornografia produzida para venda é oferecida gratuitamente.
Os atores que compõem a indústria pornográfica também estão em risco, de maneiras que não só os afetam, mas também ao público em geral. Além de alegações frequentes de violência sexual e assédio, os sets de filmagem costumam estar cheios de infecções sexualmente transmissíveis. Em um estudo de 2012 que examinou 168 artistas da indústria do sexo (67% eram mulheres e 33% homens), 28% estavam sofrendo de uma das 96 infecções. Ainda mais preocupante, de acordo com os autores, é que os protocolos da indústria pornográfica subdiagnosticam significativamente as infecções: 95 por cento das infecções na boca e garganta e 91 por cento das infecções retais eram assintomáticas, o que, argumentam os autores, aumentava a probabilidade de transmissão para parceiros dentro e fora da indústria do sexo.
Como os membros da indústria protestaram contra as medidas de segurança propostas que exigem o uso de preservativos e outros métodos profiláticos, legislar para proteger esses artistas tem se mostrado um desafio.
Pornografia como arma
Além da indústria pornográfica, os legisladores começaram a enfrentar outro gênero de pornografia que proliferou rapidamente na web: a “pornografia de vingança”, cujos perpetradores postam e disseminam fotos sexualmente explícitas de suas vítimas (muitas vezes suas ex-namoradas) online sem seu consentimento. Sem surpresa, a pornografia de vingança foi associada a vários suicídios e foi usada para chantagear e explorar sexualmente menores.
À medida que as evidências se acumulam, uma coalizão de acadêmicos, profissionais de saúde, educadores, ativistas feministas e cuidadores decidiu que não podem mais permitir que a indústria pornográfica roube o bem-estar físico e emocional de nossa sociedade. Isso significa entender que a pornografia é problema de todos. A Culture Reframed, uma organização que fundei e atualmente presido, é pioneira em uma estratégia para tratar a pornografia como a crise de saúde pública da era digital.
Estamos desenvolvendo programas educacionais para pais, jovens e uma gama de profissionais que visam ajudar a mudar a cultura que normaliza a sexualidade pornográfica baseada na opressão para uma que valoriza e promove uma sexualidade enraizada na intimidade saudável, cuidado mútuo e respeito.
Pais e educadores em todos os níveis precisam saber que, se a pornografia não for discutida em um currículo de saúde sexual adequado à idade baseado em pesquisas, seus efeitos certamente aparecerão como assédio sexual, violência em relacionamentos e mesmo em “pornografia infantil” inadvertida nos telefones dos alunos . A pornografia pode causar problemas para a vida toda se os jovens não forem ensinados a distinguir entre sexo pornográfico de exploração e sexo saudável e seguro.
Como a pesquisa mostra, a pornografia não é apenas um incômodo moral e assunto para debates de guerra cultural. É uma ameaça à nossa saúde pública.
Link da matéria original.
Sobre a autora: Dra. Gail Dines é presidente e diretora executiva da Culture Reframed, e professora emérita da Wheelock College de Sociologia e Estudos da Mulher, em Boston. Tendo pesquisado e escrito sobre a indústria pornográfica por mais de 20 anos, Dr. Dines é internacionalmente aclamado como o maior especialista em como a pornografia molda nossas identidades, cultura e sexualidade.
Tradução livre.
*NT.: Pornografia gonzo é aquela que se popularizou nos anos 90; aquela onde não há história, só simulação de sexo.
** NT.: Sites de tubo: sites onde se pode fazer upload e download de conteúdo livremente.
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