WAP: Pornografia de alta produção com uma batida de hip hop

Ninka
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6 min readSep 11, 2020

Há alguns dias atrás ouvimos de uma mãe que nos contou que sua filha de 13 anos não conseguia parar de chorar depois de assistir ao clipe de WAP, a colaboração de topo das paradas (56 milhões de visualizações em 48 horas) pelas artistas americanas Cardi B e Megan Thee Stallion.

Todas as suas amigas estavam assistindo e falando sobre ele — claro que ela queria ir atrás do que era assunto de tanta conversa.

Ela não estava preparada para a performance pornográfica ou as letras parecendo que vinham direto de um roteiro pornô. WAP é, essencialmente, pornografia de alta produção transformada em música. E as meninas estão ouvindo que o dueto é um “hino feminino empoderador” (mesmo quando o clipe as faz chorar).

WAP é uma sigla para ‘Wet-Ass-Pussy’ (algo como bucet* super molhada). Não incluiremos a letra aqui. Mas ela contém, por exemplo, o refrão ‘whores in this house’ (‘vadias nessa casa’), um sample de uma faixa de 1993 ‘Whores in this House,’ mixado por Frank Ski e performado por Al “T” McLaran.

A palavra “vadia” é uma profundamente enraizada na misoginia, que intenciona degradar as mulheres e as pintar como seres inferiores que existem meramente para a gratificação sexual masculina.

Seguindo a estreia de WAP, recebemos uma mensagem de uma professora de ensino médio que trabalha em uma escola apenas para meninos. Ela disse:

“A palavra vadia está voltando. Ela não sai da boca dos meninos. Eu me pergunto onde eles estão ouvindo essa palavra? Eu ODEIO pornografia!”

Ela ainda não tinha visto o recém estreiado clipe de WAP.

O script pornográfico com uma batida de hip hop também normaliza a ideia de que as mulheres amam serem brutalizadas — isso as excita. Mais mulheres jovens esperam serem marcadas ou engasgadas durante o sexo. Nenhuma surpresa aí quando elas são aliciadas desde jovens por uma cultura que ver dor e violência como sexy.

Com seios cirurgicamente aumentados, uma abundância de closes de suas pélvis enquanto dançam com pernas abertas e rebolados furiosos de suas bundas nuas, isso não é, nas palavras do New York Times, ‘diversão boa e atrevida’. O vídeo é outra manifestação da objetificação, comodificação e fetichização de mulheres, especialmente as negras (e foi dirigido por um homem — Colin Tilley).

Em um tempo onde mulheres negras jovens reportam assédios sexuais racializados, e quando estereótipos raciais de mulheres negras como sexualmente vorazes, insaciáveis e agressivas está por todo lado, WAP chega em uma superprodução com toda essa selva de temas — para quebrar todas as críticas pensadas e sensíveis sobre o tema em pedaços.

Mas a auto objetificação (pelo lucro) não apaga o dano causado. Mulheres representadas abraçando sua própria subordinação e seu status de “vadia” dificilmente é algo revolucionário. As correntes não são empoderadoras porque agora você as está aceitando e pintando de rosa.

WAP perpetua a dominância sexual masculina — homens com grandes pênis que causam dor, homens amarrando mulheres, as engasgando, enforcando, usando algemas e chicotes, e mulheres “procurando apanhar”.

Como a professora americana de psicologia, especialista em mídia e sensitividade cultural, a Dra Carolyn West pergunta em seu recente documentário:’

“Como essas imagens moldam como você enxerga as mulheres negras, e como essas imagens moldam como nós mulheres vemos a nós mesmas?”

“A pornografia diz que é da natureza inerente da mulher negra de estar por aí vendendo sexo e estando nas avenidas”.

WAP reforça essa ideia.

Assim que o vídeo clipe foi lançado, o maior site pornô do mundo, o Pornhub, estava o promovendo.

Pesquisas pelos nomes das artistas aumentaram muito no dia do lançamento do vídeo clipe, e a plataforma endossou o vídeo.

O vídeo clipe apareceu lá emendado com vídeos pornográficos de mulheres sendo brutalizadas por homens.

Vídeo clipe emendado com vídeos pornográficos de mulheres sendo agredidas.

Como a feminista negra Sister Outrider @ClaireShrugged disse no twitter:

“Eu queria gostar de WAP. Eu amo Cardi B e Megan Thee Stallion. Mas é desolador que duas mulheres talentosas, artistas poderosas no topo de suas carreiras ainda precisem se representar como objetos sexuais e atender ao olhar masculino para atingir sucesso comercial.”

“Duas das artistas negas mais celebradas do mundo fizeram uma colaboração. E durante a faixa tem a repetição da frase “tem algumas putas nessa casa”. O que diz tão pouco sobre como as mulheres negras são validadas na indústria da música e na sociedade no geral.”

“Eu não acredito que tenha nada de “empoderador” que mulheres se descrevam com xingamentos misóginos. Se realmente pudéssemos adquirir algum poder disso, homens estariam se chamando de putos e vadios em cada um de seus clipes. Mulheres são tão chamadas disso, já estaríamos no topo do mundo. Mas a carreira dos homens não dependem da objetificação, e nós ainda somos reféns.”

Também nos deparamos com essa excelente análise no texto ‘On The Woman Question’ blog: ‘WAP: Women As Property’:

“O fato de que duas são mulheres (Cardi B e Megan Thee Stallion) reproduzindo o discurso cultural hegemônico de dominância sexual masculina é usado para nos blindar do fato de que WAP é uma música classicamente patriarcal. As mulheres, claro, reproduzem o discurso patriarcal (ou ele não se sustentaria), mas a abordagem do feminismo liberal confundiu o diálogo sobre isso ao insistir que tudo que uma mulher fizer é uma ‘escolha livre’ dela e, de alguma forma, além de qualquer repreensão ou crítica… comentaristas também glorificam WAP como uma celebração da sexualidade feminina.. enquanto a retratação no WAP da sexualidade feminina é de uma sexualidade que serve às fantasias masculinas e perpetua a noção pornificada de que o prazer sexual de uma mulher é derivada apenas da gratificação sexual do homem…”

“Uma análise mais a fundo da letra de WAP é esclarecedora. A linguagem de violência é prevalente: ‘bata aqui, baby, receba uma acusação [ no sentido criminal]’, e ‘nunca perdi uma briga, mas estou esperando apanhar’. Essa banalização da violência contra a mulher vêm diretamente do discurso predominante da pornografia: ‘Eu quero engasgar, eu quero enforcar’, ‘cuspa na minha boca’. Não apenas essas letras retratam atos de subordinação feminina sendo desejada, elas também sugerem que, ao desejar se submeter à dor e à degradação, a mulher têm algum tipo de poder — um argumento paradoxal, se já existiu um.

“Nada na letra de WAP é subversido — elas mostram formas padrões que agradam à sexualidade masculina criada e alimentada pela pornografia. A aprovação de seu grande pênis; a indicação de que seu pênis é tão grande que a machuca; a implicação que essa virilidade crua, dominante, agressiva não pode ser contida; a noção de grande força masculina e atletismo; todos são ‘tropes’ (repetições de discurso) que são frequentemente usados para enaltecer uma tal proeza sexual masculina.

“Como o sexo tem sido crescentemente mercantilizado e comodificado com o advento da pornografia online… a demanda sobre o mercado do pornô foi se tornando cada vez maior e mais extrema, resultando que o pornô vêm se tornando cada vez mais violento e a linguagem sexualmente violenta cada vez mais normalizado na cultura popular”.

Se WAP pode ser clamado com empoderador e feminista, aparentemente essas palavras já não têm mais significado algum.
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Texto traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni.
Link para o texto original.
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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.