A passividade do United com Solskjaer revela algo pior: o apreço pela mediocridade
Após mais um vexame histórico, o fato de Solskjaer ainda permanecer no cargo é um péssimo sinal para o United
Quando perdemos, ou melhor, quando fomos humilhados pelo Tottenham na temporada passada, eu escrevi uma coluna extensa, fazendo críticas a todos os envolvidos: desde a diretoria até ao técnico e jogadores. E tempos depois é possível dizer que, apesar da postura mais agressiva na formação do elenco e política salarial, o principal ainda não mudou. Me refiro ao pensamento do clube, da direção, daqueles que tomam decisões e tem influência dentro do Manchester United. Se você está lendo este texto agora, significa que Ole Gunnar Solskjaer ainda é técnico do United. E isso revela uma coisa muito pior do que “apenas” maus resultados em campo. É um comportamento, por parte de clube, diretores e torcida — sim, torcida — medíocre.
Segundo o dicionário, mediocridade é a natureza do que é mediano, que fica na média, sem grande destaque. Por outro lado, grandeza é a propriedade daquilo que é importante e é enaltecido. Qual destes adjetivos você acha que mais combina com o Manchester United? Se você pensou grandeza, infelizmente pensou errado. Ao menos hoje, nada define melhor o clube do que mediocridade.
O clube não pode ficar refém do carinho pelo passado
Bem do nosso lado tivemos uma situação didática sobre como distinguir capacidade técnica e apreço pelo ídolo. O Chelsea investiu pesado com as chegadas de Chilwell, Thiago Silva, Ziyech, Timo Werner, Edouard Mendy e Kai Havertz. Em campo, porém, o começo da temporada foi muito ruim e a postura do mandatário do clube, Roman Abramovich, foi esta:
“Esta é uma decisão difícil para o clube, não apenas porque eu tenho um excelente relacionamento pessoal com Frank e porque eu tenho o máximo respeito por ele. Ele é um homem de grande integridade e ele tem a maior das éticas de trabalho. Contudo, sob as atuais circunstâncias, nós acreditamos que o melhor é trocar o técnico.”
— Roman Abramovich, em nota oficial sobre a demissão de Lampard à época.
A semelhança é notória. O United fez uma janela histórica trazendo Cristiano Ronaldo, Raphael Varane e Jadon Sancho, além de contar com Bruno Fernandes, Mason Greeenwood e Marcus Rashford. Os resultados no campo, assim como o Chelsea de Lampard, estão muito aquém do esperado. E a resposta dos azuis de Londres talvez seja a maior lição a ser tirada de situações como esta. Você é ídolo do clube, a torcida o ama, o clube também, mas precisamos que o time jogue melhor e vamos trocar de técnico. Isso será melhor para você, que não terá seu status de ídolo manchado, e para o clube, que deve melhorar em campo.
O resultado foi a chegada de Tomas Tuchel e o que aconteceu todos já sabem: o título da UEFA Champions League poucos meses depois.
Não podemos aceitar nada menos que a excelência
Aqui cito para o leitor outro exemplo bastante ilustrativo. Antes de efetivar Zidane e conquistar o tricampeonato da Champions League, o Real Madrid contava com Rafa Benítez no comando técnico. Durante um jogo contra o PSG, na fase de grupos da Champions, foram ouvidas vaias no Santiago Bernabéu. Mas eles não perderam de 5 a 0. Na verdade, venceram o jogo, por 1 a 0. O problema é que a performance foi pobre e a torcida estava cansada de ver aquilo por repetidas vezes na temporada. À época, o time conseguiu a classificação antecipada para as oitavas de final e sequer tinha tomado um gol. Injustiça? Penso que não. O nome disso é sede não só por ser o melhor e vencer, mas pela excelência. Enquanto isso nós passamos sufoco semana após semana contra Atalanta, Young Boys e afins. E parece que está tudo bem, enaltecem a virada heroica e esquecem o catado que é o United em campo. A goleada sofrida frente ao Liverpool era uma tragédia anunciada. Scholes havia cantado a pedra durante a semana do clássico, logo após o jogo contra a Atalanta, pela terceira rodada da fase de grupos da Champions.
Alguns podem argumentar que os times de Ferguson nem sempre eram brilhantes. O que é uma meia verdade. Com os melhores elencos de Sir Alex, o United fazia jogos brilhantes. E ainda assim, quando não os fazia, ou quando dispunha de elencos menos poderosos, geralmente vencia. Para aqueles que ainda pensam em dar mais uma chance a Solskjaer, essa não é uma comparação válida. Porém, os problemas não são apenas do treinador. Se a torcida do Real Madrid vaiava o time quando não via um futebol à altura do clube, os torcedores ingleses do United pediam autógrafos para Ole após o resultado mais vexatório já sofrido pelo clube diante do maior rival. Inacreditável.
O apego pelo norueguês só pode ser justificado se aqueles que o defendem põem o amor ao ídolo Solskjaer acima do Solskjaer treinador. E isso é um erro tremendo. Primeiro, por que a idolatria não pode cegar o clube a todo custo. Veja, por exemplo, a influência do próprio Sir Alex. Em 2013, foi responsável por indicar David Moyes — e todos viram no que deu. Agora, parece ser um dos que bancam a permanência de Ole. É preciso delimitar o poder de ação nas decisões de Ferguson no clube. Ele é uma lenda e merece ser amado como tal. Mas nesses dois casos específicos, tomou posições que prejudicaram demais o United.
Por último, ainda que a adoração pelo ex-jogador pudesse bancá-lo no cargo, ainda assim teríamos o problema principal: o time é mau treinado. Falar isso não é oportunismo, foram vários jogos com atuações injustificáveis para um clube do patamar do United. A marcação é inexistente desde sempre, com vários buracos na defesa. Contra o Brighton ou Palace na Premier League passada, por exemplo, ou nos embates na Europa League. Repare nos frames abaixo, todos ocorridos mais de um ano atrás.
Isso sem falar nos vexames: eliminação na fase de grupos da Champions League, e as goleadas vexatórias para Tottenham e Liverpool em casa. O que você, caro leitor, acha que aconteceria ao treinador do Real Madrid se tais coisas acontecessem ao time merengue?
Se o clube quer tomar para si a alcunha de maior do mundo, como vira e mexe acontece em entrevistas, tem que começar a se comportar como tal. E isto passa por não aceitar nada menos que o melhor, principalmente tendo amostras semanais de que está longe disso — não só pela incapacidade do time, mas por ver o nível dos rivais de perto. Basta ver o Chelsea em campo ou jogos como Liverpool x Manchester City para perceber que o United não está nem perto do mais alto nível. E parte da torcida, sobretudo a inglesa, tem sua parcela de culpa nisto. Por defender o indefensável. Outros clubes, como já vimos, não permitem que o clube passe por situações como esta. Por que a torcida do United deveria?
Ainda há tempo de fazer o certo. O elenco tem qualidade, precisamos de alguém que chegue e consiga extrair o melhor dos jogadores. Porém o bonde dos melhores nomes — Nagelsmann e Tuchel — já passou. Resta saber o que o clube fará, mas é certo que se não agir depressa, perderá a temporada. Hoje não existe nada. Nada além de mediocridade em seu estado puro. A defesa de um técnico fraco, de um time pobre em performance, de resultados pífios, da falta de títulos e de humilhações seguidas é um desrespeito à história do Manchester United. O gigante virou medíocre, e faz tempo. Que novas surras não sejam necessárias para que todos entendam isto de uma vez por todas.