A passividade do United com Solskjaer revela algo pior: o apreço pela mediocridade

Após mais um vexame histórico, o fato de Solskjaer ainda permanecer no cargo é um péssimo sinal para o United

Eduardo Silva
redarmybrasil
6 min readOct 26, 2021

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Foto: Reprodução/The Times

Quando perdemos, ou melhor, quando fomos humilhados pelo Tottenham na temporada passada, eu escrevi uma coluna extensa, fazendo críticas a todos os envolvidos: desde a diretoria até ao técnico e jogadores. E tempos depois é possível dizer que, apesar da postura mais agressiva na formação do elenco e política salarial, o principal ainda não mudou. Me refiro ao pensamento do clube, da direção, daqueles que tomam decisões e tem influência dentro do Manchester United. Se você está lendo este texto agora, significa que Ole Gunnar Solskjaer ainda é técnico do United. E isso revela uma coisa muito pior do que “apenas” maus resultados em campo. É um comportamento, por parte de clube, diretores e torcida — sim, torcida — medíocre.

Segundo o dicionário, mediocridade é a natureza do que é mediano, que fica na média, sem grande destaque. Por outro lado, grandeza é a propriedade daquilo que é importante e é enaltecido. Qual destes adjetivos você acha que mais combina com o Manchester United? Se você pensou grandeza, infelizmente pensou errado. Ao menos hoje, nada define melhor o clube do que mediocridade.

O clube não pode ficar refém do carinho pelo passado

Solskjaer e Lampard, quando o segundo ainda treinava o Chelsea (Foto: Reprodução)

Bem do nosso lado tivemos uma situação didática sobre como distinguir capacidade técnica e apreço pelo ídolo. O Chelsea investiu pesado com as chegadas de Chilwell, Thiago Silva, Ziyech, Timo Werner, Edouard Mendy e Kai Havertz. Em campo, porém, o começo da temporada foi muito ruim e a postura do mandatário do clube, Roman Abramovich, foi esta:

“Esta é uma decisão difícil para o clube, não apenas porque eu tenho um excelente relacionamento pessoal com Frank e porque eu tenho o máximo respeito por ele. Ele é um homem de grande integridade e ele tem a maior das éticas de trabalho. Contudo, sob as atuais circunstâncias, nós acreditamos que o melhor é trocar o técnico.

Roman Abramovich, em nota oficial sobre a demissão de Lampard à época.

A semelhança é notória. O United fez uma janela histórica trazendo Cristiano Ronaldo, Raphael Varane e Jadon Sancho, além de contar com Bruno Fernandes, Mason Greeenwood e Marcus Rashford. Os resultados no campo, assim como o Chelsea de Lampard, estão muito aquém do esperado. E a resposta dos azuis de Londres talvez seja a maior lição a ser tirada de situações como esta. Você é ídolo do clube, a torcida o ama, o clube também, mas precisamos que o time jogue melhor e vamos trocar de técnico. Isso será melhor para você, que não terá seu status de ídolo manchado, e para o clube, que deve melhorar em campo.

O resultado foi a chegada de Tomas Tuchel e o que aconteceu todos já sabem: o título da UEFA Champions League poucos meses depois.

Não podemos aceitar nada menos que a excelência

Rafa Benítez nos tempos de Real Madrid (Foto: Reprodução/AS)

Aqui cito para o leitor outro exemplo bastante ilustrativo. Antes de efetivar Zidane e conquistar o tricampeonato da Champions League, o Real Madrid contava com Rafa Benítez no comando técnico. Durante um jogo contra o PSG, na fase de grupos da Champions, foram ouvidas vaias no Santiago Bernabéu. Mas eles não perderam de 5 a 0. Na verdade, venceram o jogo, por 1 a 0. O problema é que a performance foi pobre e a torcida estava cansada de ver aquilo por repetidas vezes na temporada. À época, o time conseguiu a classificação antecipada para as oitavas de final e sequer tinha tomado um gol. Injustiça? Penso que não. O nome disso é sede não só por ser o melhor e vencer, mas pela excelência. Enquanto isso nós passamos sufoco semana após semana contra Atalanta, Young Boys e afins. E parece que está tudo bem, enaltecem a virada heroica e esquecem o catado que é o United em campo. A goleada sofrida frente ao Liverpool era uma tragédia anunciada. Scholes havia cantado a pedra durante a semana do clássico, logo após o jogo contra a Atalanta, pela terceira rodada da fase de grupos da Champions.

Alguns podem argumentar que os times de Ferguson nem sempre eram brilhantes. O que é uma meia verdade. Com os melhores elencos de Sir Alex, o United fazia jogos brilhantes. E ainda assim, quando não os fazia, ou quando dispunha de elencos menos poderosos, geralmente vencia. Para aqueles que ainda pensam em dar mais uma chance a Solskjaer, essa não é uma comparação válida. Porém, os problemas não são apenas do treinador. Se a torcida do Real Madrid vaiava o time quando não via um futebol à altura do clube, os torcedores ingleses do United pediam autógrafos para Ole após o resultado mais vexatório já sofrido pelo clube diante do maior rival. Inacreditável.

O apego pelo norueguês só pode ser justificado se aqueles que o defendem põem o amor ao ídolo Solskjaer acima do Solskjaer treinador. E isso é um erro tremendo. Primeiro, por que a idolatria não pode cegar o clube a todo custo. Veja, por exemplo, a influência do próprio Sir Alex. Em 2013, foi responsável por indicar David Moyes — e todos viram no que deu. Agora, parece ser um dos que bancam a permanência de Ole. É preciso delimitar o poder de ação nas decisões de Ferguson no clube. Ele é uma lenda e merece ser amado como tal. Mas nesses dois casos específicos, tomou posições que prejudicaram demais o United.

Por último, ainda que a adoração pelo ex-jogador pudesse bancá-lo no cargo, ainda assim teríamos o problema principal: o time é mau treinado. Falar isso não é oportunismo, foram vários jogos com atuações injustificáveis para um clube do patamar do United. A marcação é inexistente desde sempre, com vários buracos na defesa. Contra o Brighton ou Palace na Premier League passada, por exemplo, ou nos embates na Europa League. Repare nos frames abaixo, todos ocorridos mais de um ano atrás.

United x Southampton — 07/2020 (Foto: Reprodução/MUTV)
Sevilla 2x1 Manchester United — 08/2020 (Foto: Reprodução/Fox Sports)
Brighton 2x3 Manchester United — 09/2020 (Foto: Reprodução/MUTV)

Isso sem falar nos vexames: eliminação na fase de grupos da Champions League, e as goleadas vexatórias para Tottenham e Liverpool em casa. O que você, caro leitor, acha que aconteceria ao treinador do Real Madrid se tais coisas acontecessem ao time merengue?

Se o clube quer tomar para si a alcunha de maior do mundo, como vira e mexe acontece em entrevistas, tem que começar a se comportar como tal. E isto passa por não aceitar nada menos que o melhor, principalmente tendo amostras semanais de que está longe disso — não só pela incapacidade do time, mas por ver o nível dos rivais de perto. Basta ver o Chelsea em campo ou jogos como Liverpool x Manchester City para perceber que o United não está nem perto do mais alto nível. E parte da torcida, sobretudo a inglesa, tem sua parcela de culpa nisto. Por defender o indefensável. Outros clubes, como já vimos, não permitem que o clube passe por situações como esta. Por que a torcida do United deveria?

Ainda há tempo de fazer o certo. O elenco tem qualidade, precisamos de alguém que chegue e consiga extrair o melhor dos jogadores. Porém o bonde dos melhores nomes — Nagelsmann e Tuchel — já passou. Resta saber o que o clube fará, mas é certo que se não agir depressa, perderá a temporada. Hoje não existe nada. Nada além de mediocridade em seu estado puro. A defesa de um técnico fraco, de um time pobre em performance, de resultados pífios, da falta de títulos e de humilhações seguidas é um desrespeito à história do Manchester United. O gigante virou medíocre, e faz tempo. Que novas surras não sejam necessárias para que todos entendam isto de uma vez por todas.

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