De Gea vs Henderson: a história recente nos diz que a Camisa 1 nunca foi tão disputada

Kleber Komodo
redarmybrasil
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8 min readJun 22, 2020
Reprodução: Tribuna.com

Estávamos em Junho de 1999, Schmeichel anunciava que deixaria o United após o fim do seu contrato. A lenda dinamarquesa que havia chegado 8 anos antes ao custo de míseras 500 mil libras, negócio ao qual Sir Alex Ferguson chamou de “a barganha do século”, estava exausto no auge dos seus 36 anos vindo de uma temporada de 60 jogos, a famosa tríplice coroa. Peter queria descansar e passar o resto da sua carreira de forma mais tranquila, foi quando ele se mudou para Portugal, para defender o Sporting. Aquela altura o United perdia provavelmente o melhor goleiro da história do clube e precisava repor a altura, porém não foi o que aconteceu. O australiano Mark Bosnich assumiu o posto logo após a saída de Schmeichel e só durou uma temporada como titular, os torcedores mais antigos sabem o porquê, os mais novos devem ter subentendido. Mas não era só sobre rendimento, Bosnich retornava ao United aquela altura (sua primeira passagem foi no início da carreira, em 88) e quando, em sua biografia, Ferguson chamou o australiano de “profissional terrível”, Bosnich respondeu de maneira até descontraída dizendo que ele foi o único jogador que Sir Alex contratou duas vezes. Mark Bosnich chegou a ser suspenso duas vezes pela Premier League, na primeira por provocar os torcedores do Tottenham (que tem uma imensa torcida judia) com uma saudação nazista e na outra por ter sido pego no antidoping, tendo se viciado em cocaína anos depois. Era uma pessoa problemática que definitivamente não resolveria os problemas do clube.

Mark Bosnich em sua segunda passagem por Old Trafford | Foto/Reprodução: Bleacher Report

Em 2000 Fabien Barthez, que acabara de ser campeão do mundo e europeu pela França, chegava badalado e pronto pra resolver o problema que Schmeichel havia deixado. Em três anos foi bicampeão da Premier League, num desses anos ele até foi eleito seleção do campeonato, mais por ser do “time campeão” do que por outra coisa e após esses três anos rumou para seu país natal, não deixando saudades em Manchester.

Tim Howard chegou em 2003, uma aposta como Schmeichel, vindo de uma liga emergente. Parecia que os problemas no gol de Old Trafford tinham acabado: Howard foi decisivo no título da FA Cup de 2003–04, fazia uma boa temporada até o dia 9 de Março de 2004, quando falhou feio nos acréscimos contra o Porto, pelas oitavas da Liga dos Campeões. United estava classificado, ganhando por 1–0 após gol de Scholes em jogadaça de John O’Shea (sim, após grande jogada de O’Shea), éramos melhores e a classificação parecia certa, poucas vezes vi Old Trafford tão barulhento, a atmosfera era favorável, mas nos acréscimos, num dos últimos lances do jogo, Howard bateu roupa de forma vergonhosa em cobrança de falta e Costinha aproveitou a sobra pra classificar o Porto de José Mourinho, que coincidentemente foi campeão da UCL naquele ano.

Depois desse lance Howard desfaleceu, sua confiança caiu bruscamente e sabemos como a confiança é importante para um goleiro, o reserva Roy Carroll virou titular e foi assim até a chegada de Van der Sar, um ano depois.

Edwin van der Sar já era um goleiro lendário no Ajax, campeão de tudo que disputou sob a batuta de Louis van Gaal, se transferiu para a Juventus onde após altos e baixos foi substituído por outra lenda, Gianluigi Buffon, que chegava do Parma por “valores inacreditáveis” naquela época. Van der Sar então aceitou o convite do Fulham e rumou para Londres em 2001, a carreira dele parecia tomar aquela curva descendente, a caminho de defender um time recém promovido a Premier League. No entanto, o holandês mostrou que ainda tinha muito motor pra queimar e conforme o tempo passava ele se apresentava cada vez melhor, inclusive em relação a sua excelente passagem pelo Ajax. Com todos os problemas no gol de Old Trafford, o United viu em VdS a oportunidade de resolver os transtornos no gol a curto prazo, o clube acreditava que Van der Sar podia não somente ser o goleiro titular, como tutoriar Tim Howard, que na época ainda tinha 25 anos. O United acreditava que Howard passava por um momento ruim, mas podia ser o goleiro do futuro. Van der Sar chegava em 2005, no auge de seus 34 anos, pra servir como uma ponte pra Howard enfim cumprir com as expectativas. O problema é que esqueceram de avisar ao holandês, ou ele não quis ouvir, foram cinco temporadas como titular do United, o goleiro mais longevo após Schmeichel, não obstante, o primeiro grande goleiro que tivemos após a saída da lenda. Howard deixou o clube uma temporada depois da chegada de VdS, e o holandês, que chegou em 2005, se despediu apenas em 2011 após diversos títulos e prêmios individuais.

Van der Sar levantando sua segunda taça de UCL | Reprodução: UEFA Champions League Twitter

O filme parecia se repetir, Schmeichel deixou o clube e após isso foram SEIS anos de uma lacuna doída, que nos custou títulos, até a chegada de outro goleiro de elite. United estava visivelmente preocupado com isso e Ferguson não queria passar pelo mesmo problema, passou a delegar que seus olheiros buscassem o goleiro mais promissor do momento, viu em Neuer o goleiro ideal pra repor Van der Sar, mas foi convencido por seu treinador de goleiros que dizia que De Gea era o homem ideal. Dave viveu altos e baixos até se tornar um dos melhores goleiros do mundo, pra mim, o melhor do planeta por pelo menos duas temporadas.

Antes mesmo que a idade pudesse dizer a De Gea que a sua curva de desempenho estava caindo, Dave passou a fazer jogos ruins. O goleiro que mais ganhava jogos na Europa se tornou o goleiro que perde pontos “mês sim/mês não”. E diante desse cenário, um nome improvável surgiu pra deixar De Gea em alerta: Dean Henderson.

Em história recente, o United nunca se prontificou a revelar e testar goleiros. O gigante europeu que mais abre espaço para jogadores da base nunca se dispôs a dar oportunidades a “goalkeepers”. Muitos foram revelados pela nossa base, mas poucos (pra não dizer nenhum) fizeram carreira dentro do United.

Os exemplos são inúmeros: na safra dos anos 80 tínhamos Fraser Digby, goleiro supostamente promissor que não passou mais de um ano no time principal. Gary Walsh, que em 10 anos de United não fez mais de 50 jogos e foi emprestado 5 vezes.

Anos 90? Mike Pollitt, que deve ter tido mais empréstimos que jogos na carreira. Eu poderia ficar o dia todo falando das trajetórias de todos esses goleiros e de mais alguns como Ben Amos, Kevin Pilkington, Paul Rachubka, Luke Daniels, o bom Tom Heaton, o bom goleiro alemão Zieler, Kieran O’Hara, Sam Johnstone e até mesmo o Joel Pereira que com 23 anos possui 5 empréstimos e parece ser mais um nome a repetir a escrita de goleiros advindos da base que o United jamais usará. Vocês estão vendo onde eu quero chegar? Acredito que sim.

Da esquerda para direita: Digby, Walsh, Pollitt, Pilkington, Rachubka, Daniels, Zieler, Amos, O’Hara, Heaton, Johnstone e por fim Henderson, todos os goleiros “revelados” pelo United nas últimas quatro décadas.

Em matéria publicada hoje pelo MEN, Dean Henderson deixa claro quais são suas condições pra renovar com o clube europeu que menos revela e confia nos goleiros de sua base em história recente. Ele não quer só um aumento salarial, ele não se contenta apenas com o dinheiro. Ele, diferente dos outros do passado, que se acomodaram e esperaram, ou acharam que já era bom demais ser o terceiro goleiro do United, quer assumir a camisa 1, ser um goleiro de topo e defender a camisa da sua seleção.

De acordo com o MEN, Henderson quer garantias de que, renovando com o United, ele irá jogar constantemente, inclusive ele quer garantias de que será titular caso De Gea siga falhando, afinal que grande jogador aceita outro atleta ser dono da sua posição sem que haja merecimento? O United é definitivamente um clube que respeita seus ídolos ao longo da história e De Gea está, sem dúvida, na história do time, mas é preciso tomar uma decisão aqui e o clube parece estar entre a cruz e a espada.

Afinal esse seria o fim de De Gea como goleiro titular do United? Estamos falando de um goleiro de 29 anos, a idade em que supostamente jogadores da posição entram em seu auge técnico. Por tudo o que já fez, não cabe ao United dar um voto de confiança ao espanhol? Porque talvez seja esse todo o ponto: De Gea sempre esteve sob pressão na Espanha, que esperava um substituto a altura de Casillas, campeão de tudo pela Fúria, mas as falhas na Copa do Mundo fritaram De Gea na Seleção e desde então ele vem sendo um goleiro bem diferente do que era 3 anos atrás. De Gea com certeza merece um voto de confiança, mas perder Dean Henderson nesse processo seria uma grande estupidez, pior, se Henderson tornar-se realmente o goleiro que promete ser e De Gea continuar caindo de rendimento, imagina a dor de cabeça, o arrependimento que teria o United por perdê-lo? Se você acha que não pode piorar, os interessados por Henderson são Chelsea e Tottenham. O Chelsea não está satisfeito com Kepa e prometeria a Dean a titularidade, enquanto o Tottenham tem Lloris a beira dos 34 anos, vivendo altos e baixos, além de José Mourinho já ter mostrado que é um grande fã do arqueiro do United. Quão difícil seria ver Henderson ganhando jogos pra um rival nosso, preenchendo uma lacuna em um time que briga pelas mesmas coisas que nós. Pense quão horrível era para um torcedor do Arsenal ver Van Persie acumulando gols pelo United e levantando troféus, talvez com Henderson a gente possa ter sensação parecida.

Ainda segundo o MEN, Henderson está em contato direto com Gareth Southgate e acredita que tem chance de ser titular do English Team na próxima Euro, que foi adiada pra 2021. É por isso que pra Henderson é imprescindível que a titularidade seja um fator para que ele renove seu contrato com o United, com o atual se encerrando em 2022. Uma oferta está na mesa, um grande salário foi oferecido, mas para grandes jogadores, grandes salários não bastam, mediante o histórico ruim com goleiros da base, o poder de barganha financeiro que o United tem não é suficiente para Henderson e diante desse cenário indiferente, (afinal qual foi a última vez que o clube teve dois bons goleiros ao mesmo tempo?) o Manchester United precisa fatalmente tomar uma grande decisão.

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Kleber Komodo
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“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.”