Em outro patamar

Da diretoria aos jogadores, o resumo de um clube que ainda tem muito trabalho pela frente

Eduardo Silva
redarmybrasil
21 min readOct 15, 2020

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Foto: Reprodução/Irish Mirror

Uma das coisas mais interessantes e cômicas da teledramaturgia (ou da vida real) é a figura do ex-rico. É sempre o mesmo panorama: tinha uma vida no mais alto nível de luxo e ostentação, mas por algum motivo teve seu tapete puxado e se viu, de repente, numa pindaíba. Ainda assim, segue negando a realidade e querendo provar ao mundo — e, principalmente, para si mesmo — que ainda detém todo o patrimônio de antes. Essa negação da realidade diz muito sobre um aspecto da personalidade que é difícil de reconhecer: a soberba.

Nesse momento, você provavelmente vai estar se perguntando o que raios esse primeiro parágrafo tem a ver com o Manchester United, mas talvez tenha também pegado a deixa da comparação. O fato é que começar com uma pintada de aleatoriedade e descontração é fundamental, pois esse não é um texto bom de digerir ou de escrever. Tal como os ricos em crise (ainda que nesse caso continue tendo muita grana), os Red Devils possuem uma forte negação da realidade nos últimos anos e isso passa diretamente por escolhas equivocadas, análises completamente distorcidas e um apego ao passado que não ajuda em nada a endireitar o presente. Sim, pois um clube de futebol pode ser analisado sob, basicamente, dois pontos de vista: o histórico e o atual. O histórico é indiscutível, geralmente quem tem história dispensa apresentações: títulos, torcida, narrativas memoráveis, o tal peso da camisa, etc. O outro ponto de vista é mais cruel e te cobra rápido demais: chamamos isso de presente. É o conjunto atual daqueles que decidem pelo clube e dos que vão a campo, desde a comissão técnica até aos jogadores.

Ambos podem parecer que andam lado a lado, mas isso não é tão verdade assim. A história é sim indissociável ao clube, mas o apego excessivo a ela e a sua glória pode atrapalhar as tomadas de decisões do agora. Por isso é tão difícil, às vezes, admitir que as coisas estão erradas. Pois quanto mais você se prende ao que deu certo antes, mais arrogante tende a ficar. E a humildade é fator chave para começar um planejamento e reformular uma equipe. Sem ela, é fácil se apegar aos troféus e arrotar ao mundo que você é (na verdade, foi) bem sucedido. Enquanto isso, os clubes menores ou os gigantes em má fase que eram motivo de chacota antes, se atualizam e conciliam o histórico com o presente para continuaram sendo grandes e competitivos. O United histórico é gigante, um titã que faz parte da mitologia e do panteão do futebol mundial. O United atual é um time descredibilizado desde a sua cúpula, tido como ultrapassado e com um elenco curto e abaixo dos principais concorrentes. Quando as coisas vão mal, é fácil falar de vinte títulos ingleses e três Champions. Mas os troféus não fazem gols ou salvam pênaltis. Enquanto a marra e arrogância ficam escancaradas em comentários desse tipo, os outros times trabalham e continuam vencendo. Não com troféus de dez anos atrás, mas com profissionais capacitados para isso. Nesse texto vamos ver, ainda que brevemente, como diretoria, técnico e jogadores precisam melhorar para subir os degraus que faltam para o Manchester United fazer o mesmo.

A Diretoria

Foto: Reprodução/Daily Mail

Comprei um item de má qualidade, mas não quis admitir que o fiz. Depois de muito insistir, me dei por vencido e admiti que aquele item não poderia me ajudar da maneira que eu imaginava. Tentei vender pelo mesmo preço que comprei, mas não achei ninguém tão trouxa quanto eu para custear algo de tão má qualidade, então fiquei com ele por mais algum tempo.

Em outra oportunidade, estava procurando um funcionário para contratar. Ele tinha um bom histórico, mas acontece que outras pessoas estavam interessadas na aquisição dos seus serviços. Para frear o interesse alheio, ofereci um salário muito alto que me fez garantir sua contratação. Porém, o retorno não foi o que eu esperava e me vi com um prejuízo grande e constante, pois firmei um contrato de longo prazo. Mais uma vez tentei me livrar do problema, só que, novamente, ninguém queria pagar tanto quanto eu paguei antes. Mesmo assim, acredito que posso aprender e fazer as coisas certas. Por isso, quando me disseram que havia um especialista nesse tipo de situação, afastei logo a hipótese. Afinal, errar algumas vezes é normal, mas quem poderia imaginar que comprar algo ruim por um valor muito alto daria tanta dor de cabeça na hora de vender depois?

Parece familiar, não é? É possível fazer um texto só com os erros inacreditáveis da diretoria, e pretendo fazer isso em um futuro não tão distante. Por ora, vou me ater aos erros que culminam diretamente no que vemos dentro de campo. Na anedota que contei acima, você deve ter percebido que alguns dos erros mais claros do United nos últimos tempos estão ligados ao fato de que os executivos do clube não admitem que erram e que, mais importante, não sabem fazer o que se dispõem a fazer.

Um bom planejamento de futebol passa por tarefas básicas que, se mal executadas, podem gerar uma catástrofe em campo ou então uma série de maus resultados que acabam por ser chamados de “má fase”. A tal má fase nada mais é, ao menos na maioria dos casos, o acúmulo de gente fazendo o que não sabe e estando em um lugar que não deveria.

Entre essas tarefas básicas, podemos listar algumas, sendo elas:

1) Ter uma boa rede de olheiros para conseguir contratar jogadores bons e jovens antes que sejam visados pelos grandes clubes e, consequentemente, custem mais caro.

2) Ter uma filosofia de jogo bem definida e contratar jogadores bons que se encaixem nela.

3) Gerir bem os salários dos atletas para que isso não impacte as finanças do clube a médio e longo prazo.

4) Ter um técnico no comando do time que extraia o melhor de cada jogador, saiba reagir a diversas situações dentro de uma partida, e que monte o time de acordo com a filosofia que o clube quer implantar.

O primeiro tópico é muito legal de se falar, por que quando a cabeça está latejando depois de uma derrota, é fácil achar que absolutamente tudo está sendo feito errado, mas não é bem assim. Ultimamente o United tem feito movimentos muito inteligentes, e é um clube que sempre valorizou muito a base. Desde Outubro de 1937, são 4.041 jogos consecutivos do Manchester United tendo ao menos um jogador da base relacionado por partida. As contratações de Facundo Pellistri, Amad Diallo, Marc Jurado, Álvaro Carreras, Willy Kambwala, Alejandro Garnacho e Charlie McNeill são excelentes para a academia de base do United e também para o time principal. Se lapidados corretamente, tem tudo para serem peças muito importantes no time principal em um futuro não tão distante. Esses são movimentos inteligentes e que refletem uma possível tendência: com o mercado cada vez mais inflacionado, buscar jogadores jovens e com muito potencial a baixo custo é uma saída viável para evitar contratações estratosféricas. É o que clubes como Real Madrid e Chelsea já vem fazendo a algum tempo. Uma questão importante com essa abordagem é dar o tempo necessário para os jovens se desenvolverem, e não dar a responsabilidade a eles de carregar o time nas costas, o que atrapalha seu desenvolvimento e “frita” a carreira sem necessidade.

No segundo ponto é que as coisas começam a desandar. Após a saída de Ferguson vários treinadores diferentes passaram pelo United e a lista só deixa claro que a direção não tinha a mínima ideia de que estilo de jogo seguir. Entre Moyes, Van Gaal e Mourinho não há semelhanças notáveis, pelo contrário. Apenas agora, com Ole, o clube parece ter uma direção em mente. E isso levou quase sete anos! Cada um dos treinadores passados tinha sua própria visão de futebol e elas divergem muito entre si. Então o processo nos últimos sete anos tem sido o mesmo: o treinador chega, pede a contratação de alguns jogadores, vai embora, outro treinador chega, pede a contratação de outros jogadores com características diferentes, etc. Isso deixou o elenco como uma salada mista de jogadores, entre características, estilos e (falta de) qualidade. Não obstante, o elenco já tinha/tem muitos jogadores limitados. Hoje uma das maiores dificuldades é se livrar deles e isso leva tanto tempo pois não só o clube passou anos para admitir que eles não eram bons o bastante como, em muitos casos, renovou os seus contratos com salários muito altos. Novamente, erros causados por pessoas que não sabem o que fazem e que ocupam lugares que não deveriam. A questão salarial, inclusive, nos leva ao próximo ponto dessa lista.

Existe uma narrativa dentro do futebol que o dinheiro faz a diferença entre clubes que tem tradição e clubes que vencem, com ou sem a tradição presente. Isso é verdade, se você quer brigar nas cabeças por títulos, precisa ter grana para bancar essa posição. Os poucos azarões que despontam com bons trabalhos e muita persistência logo são “depenados” por clubes endinheirados que levam os melhores talentos e, em alguns casos, até mesmo o técnico. Porém uma coisa que muitos deixam escapar é que ter dinheiro é tão importante quanto saber usar esse dinheiro. Não necessariamente o clube que mais gasta é o que mais vence, mas sim aquele que usa melhor o dinheiro que tem a disposição. Martyn Ziegler, jornalista do Times, fez uma lista das dez maiores folhas salariais do futebol europeu na temporada 2018/2019. Confira abaixo:

Você acredita que o United tem sido mais bem sucedido que Bayern, Real Madrid, Juventus, PSG ou Liverpool nos últimos anos? Pois bem, mas com certeza tem sido mais gastão do que muitos deles. Isso é um erro grave que revela falta de tato para o futebol. O leitor deve ter percebido diversas alegorias que faziam referência a Alexis Sanchez e sua contratação desastrosa nos parágrafos acima. Esse caso reflete muito o que é o Manchester United nos últimos tempos: um clube que apela para grandes salários para atrair jogadores desinteressados e que acaba gastando muito para ter resultados pífios. Felizmente, ao menos essa lição parece ter sido aprendida.

Sobre o técnico… bem, vamos para a próxima seção para organizar as análises e os problemas (vai por mim, são muitos).

O Treinador

Foto: Reprodução/Sporting Life

Existem duas visões comuns quanto a Ole Gunnar Solskjær nos comentários dos fãs nas redes sociais. A primeira é de que é um bom manager, no sentido de fazer uma boa gestão entre quem sai do elenco e quem chega. A segunda é que é um técnico em evolução/aprendizado e onde poderemos chegar depende muito do quanto ele pode melhorar taticamente. Pessoalmente, concordo com apenas a segunda. Não é exagero dizer que o nosso treinador não está pronto. E por não estar pronto quero dizer que ainda está longe de ser um top de linha, tanto em postura em campo quanto em leitura de jogo e, consequentemente, mudanças de estratégias diante de imprevistos. Já sobre a renovação do elenco, precisamos ressaltar que foi ele que renovou com Phil Jones e na ocasião disse:

“Ele está chegando ao seu 27º aniversário e entrando em seus melhores anos como zagueiro. Estamos muito satisfeitos por Phil ter comprometido seu futuro com o clube. ”

Como você deve saber, Jones não joga pelo United faz um bom tempo, afastado por lesões. Difícil reclamar de mudança no elenco quando você renova com o zagueiro símbolo dos piores momentos do clube nos últimos anos e ainda dá declarações como essa.

Ole viveu até aqui de boas arrancadas com resultados animadores, se valendo do famoso “fato novo” que tanto se fala no futebol e isso aconteceu por duas vezes: quando chegou ao clube, como interino, e quando obteve o acréscimo de Bruno Fernandes. Com Mourinho, era claro que o time estava desmotivado e tinha problemas de vestiário. Uma das qualidades que o nosso comandante norueguês sempre demonstrou foi um bom trato no convívio com os jogadores. Aliado a isso, tratou de colocar os jogadores nas posições em que mais rendiam, sem muitas invenções táticas e foi fazendo ajustes diante das necessidades que apareciam. Contou com um contra-ataque eficiente e boas atuações defensivas de De Gea, como na vitória por 1–0 contra o Tottenham fora de casa em 2018/2019, para construir uma sequência de bons resultados. Isso até o time ser completamente anulado por Thomas Tuchel que não contava com Neymar e Cavani. Porém Ole conseguiu um verdadeiro milagre com um time cheio de desfalques na volta e classificou o United de volta às quartas de final da Champions League pela primeira vez desde a temporada 2013/2014. Infelizmente aquele foi o último suspiro de empolgação da temporada.

O segundo momento foi após a chegada de Bruno Fernandes, na temporada passada, que forneceu um salto de qualidade imenso a equipe de maneira instantânea. Bruno deu dinamismo e criatividade a um meio campo inerte. Também foi o responsável por alimentar um Martial que se manteve longe de lesões, e Rashford recuperado de lesão na volta com portões fechados devido a pandemia de COVID-19. Greenwood, que já estava ganhando mais oportunidades, foi alçado ao time titular graças a grandes e consistentes atuações. O trabalho com nomes da base também é um mérito do treinador. Talvez falando assim seja difícil entender por que se critica o trabalho de Solskjær. Afinal, se há tantos jogadores questionáveis no elenco, e ele tem ido bem por diversos momentos mesmo assim, como pode ser taxado de culpado? É o que vamos ver à partir de agora.

Primeiramente, temos que entender que uma coisa não anula a outra. O United, de fato, possui muitos jogadores que não deveriam estar no elenco. Mas também é verdade que, em muitos jogos, nosso time deveria ser suficientemente organizado para sair com os 3 pontos sem passar sufoco. Afinal, se a desculpa é que temos maus jogadores, então seguindo essa mesma linha de raciocínio um time com baixo orçamento jamais poderia mostrar um bom futebol. E é precisamente nesse tipo de cenário que os Red Devils mais têm mostrado suas fragilidades sempre que a proposta de jogo não funciona de imediato. Nessa perspectiva, Solskjær deve sim ser criticado por mostrar um time desorganizado em campo por vários momentos, mesmo em arrancadas positivas. Principalmente na defesa. E falar isso não é oportunismo, já que se repete desde sua chegada ao clube. Confira:

Espaço nas laterais, dobra de marcação ineficaz

Por favor, preste atenção nas imagens abaixo.

Imagem 1 — Manchester United x PSG (Foto: Reprodução/Esporte Interativo)
Imagem 2 — Brighton x Manchester United (Foto: Reprodução/MUTV)

É claro que analisando partida a partida você acaba encontrando vários frames que mostram o time desorganizado. Por vezes acontece mesmo, em um contra-ataque, uma perda de posse, etc. Ninguém é perfeito na recomposição em 100% das vezes. Mas essas duas primeiras imagens são extremamente didáticas. A primeira, contra o PSG na Champions League, em 12 de Fevereiro de 2019. A segunda, em 26 de Setembro de 2020, contra o Brighton pela Premier League. Repare na semelhança das falhas. Sempre uma dobra equivocada na marcação dentro da área, que mesmo com a superioridade numérica resulta em chance para o adversário. Isso acontece por pura falta de noção de espaço e se repetiu nos dois exemplos citados acima. O lateral fecha dentro da área deixando um colossal espaço às suas costas que não é preenchido pelo ponta que deveria voltar. Não importa a quantidade de defensores na área, o espaço sempre aparece por, simplesmente, uma ocupação de espaços infantil. Esse tipo de situação acontece frequentemente durante os jogos do United, mas mostrar duas imagens com problemas idênticos com mais de um ano e meio de intervalo não revela situações fortuitas de jogo. Pelo contrário. É sintomático.

Triangulações laterais e latifúndios na entrada da área

Por favor, preste atenção nas imagens abaixo.

Imagem 3 — Sevilla x Manchester United (Foto: Reprodução/Fox Sports)
Imagem 4 — Sevilla x Manchester United (Foto: Reprodução/Fox Sports)

Confesso que é bastante chato e desgastante ter que ficar listando erros de posicionamento do time, mas é necessário elucidar que eles acontecem apesar de não serem manchete quando o time vence. O mais importante é considerar que os problemas se repetem em temporadas diferentes, contra adversários diferentes. Ou seja, é um ajuste que precisa ser feito, está ali pedindo para alguém o notar, mas nada é feito. Nas duas primeiras imagens, retiradas da semifinal da UEFA Europa League passada, temos basicamente o ponto chave que foi aproveitado pelo Tottenham para aplicar o 1–6 em Old Trafford. Falo do Tottenham por que foi o clube que conseguiu aproveitar com maestria essas falhas, mas qualquer um que tenha competência se sairia muito bem com tamanho espaço.

Estando ou não o time envolvido no “pressing” que tenta fazer (chegaremos lá mais a frente), a chave é atacar pelas laterais. Os pontas não voltam para fazer a dobra com o lateral. Seja na esquerda ou na direita, os nossos defensores responsáveis pelos lados do campo fecham a marcação se aproximando da área e deixando espaço às costas que geralmente é aproveitado para criar jogadas de fundo ou cruzamento. Quando isso acontece com precisão, temos uma chance clara ou um gol relativamente fácil de ser feito, como aconteceu com o Sevilla. Repare que os laterais fazem esse movimento por que os zagueiros costumam dobrar a marcação de maneira equivocada, já que nem fazem o bloqueio e nem cobrem o espaço. Na primeira imagem, três jogadores — incluindo um zagueiro — são facilmente envolvidos pela triangulação. No centro, Maguire tem um atacante às suas costas e Brandon tenta fechar o espaço que o Big Head deixa. Com isso, abre-se um corredor imenso para Suso empatar o jogo.

Isso acontece por que diversas vezes Rashford e Greenwood não voltam para marcar e estão na linha de meio campo como no frame. Não bastasse os pontas não cobrirem os laterais, os volantes não protegem a zaga. Repare como quem vem do meio-campo central tem um corredor totalmente aberto para entrar na área mancuniana. O resultado disso aparece nitidamente na imagem seguinte. Suso faz o gol, mas se quisesse teria dois companheiros completamente livres para fazer o passe. No momento do gol são quatro defensores na área que não marcam absolutamente ninguém. O nome disso é time mal treinado, mas você também pode apelidar de falta de noção de espaço. Xavi, maestro do meio-campo barcelonista, explicou esse conceito com uma dose de requinte-premium-de-analista, mas a ideia é correta: o jogo não acontece apenas quando a bola vai até você, por isso o jogador precisa ter a noção do que acontece ao redor.

Espaços pelo meio e saída de bola complicada

Imagem 5 — Manchester United x Crystal Palace (Foto: Reprodução/Fox Sports)
Imagem 6 — Manchester United x Crystal Palace (Foto: Reprodução/Fox Sports)

Ao falar que o caminho para domar o time de Solskjær está nas laterais pode parecer que o meio-campo recebe uma boa proteção e fecha espaços, mas se você chegou até esse ponto do texto sabe que isso não é verdade. Verdade mesmo é que defensivamente o time é um queijo suíço, cheio de buracos esperando alguém inteligente o suficiente para explorá-los. No meio, seja Pogba, Matic ou McTominay fazendo a função de cabeça-de-área, os problemas permanecem. Por isso que é equivocado culpar apenas os jogadores. Nas laterais, você já viu nos frames que erros acontecem com Wan-Bissaka, Shaw e Brandon. O problema está em todos eles? Ora, até Bissaka que é reconhecido pelo seu poderio defensivo tem deixado espaços aproveitados pelos adversários. Isso é culpa do treinador.

Nas imagens acima vemos o primeiro gol do Crystal Palace na derrota do United em sua estreia na Premier League 2020/2021. Novamente o espaço nas costas do lateral, dessa vez sendo Shaw a vítima. Novamente o ponta não auxilia o companheiro (repare que sequer aparece alguém de vermelho atrás de Shaw no segundo frame). Novamente o jogador adversário que vem pelo meio-campo central tem um enorme espaço para avançar por que os volantes não fazem a cobertura. E na outra lateral, Lindelof não conseguiu bloquear o cruzamento que atravessou a área e encontrou o pé adversário para estufar as redes de De Gea mais uma vez.

É importante ressaltar que isso aconteceu na temporada passada, não foi corrigido e custou caro logo de início em 2020/2021. Isso é uma obviedade. Os outros técnicos estudam o nosso comportamento no campo. Como não corrigimos, uma hora alguém iria explorar essas debilidades que agora ficaram escancaradas. Solskjær é um treinador que não oferece reações rápidas a problemas em campo e não tem alternativas para surpreender caso o plano inicial de jogo não funcione. Assim, basta um pequeno abafa do United no campo adversário para sobrarem espaços no meio, nas pontas, dentro e fora da área. E, claro, também existem problemas quando são os outros que pressionam no nosso campo.

Imagem 7 — Manchester United x Southampton (Foto: Reprodução/MUTV)
Imagem 8 — Manchester United x Southampton (Foto: Reprodução/MUTV)

O United já tinha demonstrado dificuldades quando submetido a pressão no seu campo na temporada passada, como no confronto com o Aston Villa fora de casa por exemplo. No exemplo acima você pode conferir o mesmo ocorrendo no primeiro gol do Southampton, em partida que terminou empatada por 2–2. Muito se fala desse jogo por causa do gol de empate sofrido no finzinho, mas o primeiro tento anotado por eles dá uma boa noção dos problemas elencados até aqui.

Tudo começa quando Pogba tenta sair para o jogo e não encontra soluções rápido o bastante. Geralmente erros de saída de bola que levam a gols acontecem por dois tipos de situação: passes errados e tomara de decisão lenta. Nesse caso sofremos pelo segundo erro. Porém o que acontece em seguida é ainda pior.

No desenrolar da jogada, quatro jogadores de vermelho invadem a área para tentar defender. São três dos Saints. Mesmo em um cenário de quatro contra três, novamente abre-se o imenso espaço na entrada da área à disposição do meio-campista e os quatro que estão dentro da área fecham-se em um espaço pequeno cobrindo um atacante e esquecendo o outro. Um verdadeiro show de horrores. Isso significa que, seja em uma jogada trabalhada desde atrás ou em uma bola perdida que leve perigo de imediato, o time não sabe como ocupar os espaços corretamente. Se isso não for corrigido o quanto antes, será uma temporada de muita dor de cabeça. É como nas palavras de De Gea para Shaw, após ele correr inexplicavelmente para o lado errado e deixar Son livre dentro da área para ampliar o passeio do Tottenham em Old Trafford: “What is your problem?”

Eu diria que todos os problemas possíveis, De Gea. Ah, e falando em Tottenham…

O “Pressing”

O massacre do Tottenham na última rodada da Premier League mostrou o quão vulnerável o nosso time pode ser defensivamente. Não apenas pelos gols sofridos, mas pelas tomadas de decisão absurdas em campo. Principalmente após estarmos com um jogador a menos.

Com um jogador a menos e placar desfavorável, ao invés de fechar a casinha e tentar levar perigo quando possível, o United tentou manter sua estratégia de “pressing”, levando os atacantes até o campo adversário para tentar retomar a posse e armar suas jogadas. O problema é que a tal pressão que o United faz deixa muitos espaços, como o tweet acima mostra bem. Os jogadores simplesmente fazem um abafa, mas um abafa incoerente, já que sobra espaço, opções de passe e as laterais ficam ainda mais vulneráveis.

Diante de um time com bons jogadores como o Tottenham, além de José Mourinho no banco que conhece muito bem muitos jogadores que estão do lado de cá, essa estratégia ficou ainda mais incompreensível. O que você faz ao tomar 3–1 em casa e com um jogador a menos? Se fecha e tenta ser competitivo na medida do possível, certo? Não para Ole, que foi marcar lá em cima e tomou mais três. Um verdadeiro suicídio tático.

Mas que fique claro que esse vareio já poderia ter acontecido contra o Brighton, que acertou cinco bolas na trave. Ou contra o Palace, em casa, que encontrou extrema facilidade para explorar as brechas defensivas. O time marca mal, e a prova disso é o fato de que o United de Ole já soma 101 gols sofridos em 95 jogos, já contando o período como interino. A nível de comparação, Pep Guardiola precisou de dez jogos a mais para sofrer o mesmo número de gols com o Manchester City. Se o United depende da evolução de seu técnico para brigar por troféus, é melhor que ele se apresse. Há muito trabalho a fazer.

Os Jogadores

Foto: Reprodução/Express and Star

Antes de adentrar no mérito dos jogadores nos problemas do clube, gostaria que você visse essa entrevista de Bruno Fernandes sobre os rumores de um possível desentendimento dele com o treinador, além de afirmações sobre ele ter “perdido a fé” em Ole. Confira:

Agora veja esta entrevista de Pogba, durante a data FIFA, logo após o vexame contra o Tottenham.

Caso você não tenha conseguido ler ou não esteja com o inglês em dia, aqui vai a tradução:

“Todos os jogadores de futebol adorariam jogar no Real Madrid. É um sonho para mim, porque não um dia?”

— Paul Pogba

Um joga no clube há anos, fez parte das categorias de base e o outro não tem um ano vestindo o manto Red Devil. Um flerta com outro clube logo após um vexame em casa na primeira entrevista coletiva. O outro sai em público para defender o técnico de acusações falsas feitas pela mídia. Isso diz muito sobre o comprometimento e perspectivas para o futuro. Parece exagero? Mas não é a primeira vez que o francês diz algo do tipo. Veja essa declaração do ano passado.

Traduzindo:

“Depois desta temporada e de tudo o que aconteceu nesta temporada, sendo minha essa também minha melhor temporada… Acho que para mim pode ser um bom momento para ter um novo desafio em outro lugar. Estou pensando nisso: ter um novo desafio em outro lugar.”

— Paul Pogba

É muito importante ter em mente o comportamento de alguns jogadores do clube, afinal são eles que entram em campo e decidem as partidas. O fato de Pogba, que sempre foi tido como o principal jogador da equipe pelo treinador e boa parte da torcida, dar periodicamente declarações dando a entender que quer deixar o clube, diz muito sobre suas intenções. Por que Maguire é o capitão com tão pouco tempo de clube? É por que ele tem um espírito de liderança inigualável? Talvez isso diga mais sobre os jogadores que já estão no clube do que os que chegaram a pouco tempo. Não mostrar incômodo após uma derrota feia e pesada em casa já é algo muito sério. Flertar com um time ao qual é ligado em várias janelas de transferência é ainda pior. É esse Pogba que boa parte da torcida quer como liderança técnica do United?

Para ser jogador do Manchester United, não basta ter a técnica, tem que ter a mentalidade vencedora e a disposição de lutar pelo bem do time. Essas atitudes de Pogba dizem justamente o contrário. Como já vimos, culpar apenas os jogadores pela má fase é errado, já que o treinador e diretoria também tem sua parcela de culpa. Mas cabe a nós, fãs, entender a cadeia de eventos e personagens que compõem o problema que é o Manchester United hoje. Com isso, talvez alguns parem de se contentar com vídeos no Twitter com lançamentos de quarenta metros. O Manchester United é muito mais do que isso.

É preciso cobrar do técnico que arma mal o time, mas também da diretoria que contratou tão mal antes e dos donos que sugam o dinheiro do clube e deixam como herança para o futuro uma dívida astronômica. É preciso cobrar o jogador que erra tudo num jogo, mas também aquele que na primeira dificuldade dá sinais de que quer sair do clube. Enquanto não colocarmos cada um no seu papel e identificarmos que participação cada um tem nas dificuldades que o United vive, seguiremos nos iludindo a cada nova arrancada de bons resultados, a cada “fato novo” e seguiremos procurando um vilão específico quando na verdade essa história tem vários antagonistas diferentes.

O processo de reformulação é duro e lento, sobretudo por que temos problemas em todas as partes envolvidas nele. Enquanto isso, precisamos nos apegar a realidade que o clube vive atualmente, sem devaneios ou ilusões de que o status que tínhamos no passado irá conferir algum mérito ao time no presente. Quanto mais nos afastarmos desse tipo de pensamento, mais lúcidos seremos na análise do United. Já com relação ao futuro, só o que nos resta é esperar que o treinador, a diretoria e os jogadores deem mais de um passo adiante. Para que enfim o clube volte a figurar onde é o seu lugar de direito: o topo do futebol mundial. Até lá, ainda há um longo caminho por percorrer. Infelizmente, enquanto isso estamos vivendo em outra categoria de futebol, de consistência e de clube. Hoje somos como um puro sangue puxando uma carroça. É a dura realidade de quem dormiu no ponto e hoje vive em outro momento. Em outro patamar.

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