McFred é o analgésico, mas nós precisamos da cura

Kleber Komodo
redarmybrasil
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6 min readSep 27, 2021
Getty Images

Certa vez ouvi de um médico que remédios que reduzem a febre são, em boa parte das vezes, prejudiciais ao corpo humano. Claro, dependendo do nível de desconforto, em certas situações há a necessidade de tomá-los. Além disso, o aumento da febre pode prejudicar funções importantes desempenhadas por nosso organismo. Mas o problema é que a febre não é uma doença, ela é a consequência de algo grave que está acontecendo conosco. Combater a febre não vai resolver o problema, precisamos acabar com aquilo que causou a febre. O sintoma nada mais é que uma resposta do corpo a alguma enfermidade. No caso de uma bactéria, por exemplo, nosso organismo eleva a temperatura do corpo pra tentar combatê-la. Então, a partir do momento que você tenta baixar a febre com algum analgésico ou algo semelhante, você trabalha contra o próprio corpo, simplesmente por uma sensação de bem-estar. Sem mais delongas, vamos sair da área medicinal e do cosplay de blog do Drauzio Varella para falar sobre o tema central do texto: o maior problema tático do Manchester United.

Inicialmente, preciso dar a Cezar o que é de Cezar: a ideia do artigo vem do perfil @UtdArena, do twitter. Clicando no nome do perfil, você poderá acessar o fio feito por ele e entender todo o contexto que me levou a escrever este texto.

O ano é 2021, entramos na terceira temporada de Ole Gunnar Solskjaer como técnico efetivo do Manchester United com razões para amá-lo e odiá-lo. Não obstante, o mesmo podemos dizer da dupla McFred. Em dado momento, Scott McTominay e Fred eram o ponto central e fator preponderante para um time competitivo. Hoje, quando atuam juntos, eles parecem ser bem mais prejudiciais do que benéficos ao time, mas eles estão em campo por um motivo. Lá atrás, mais precisamente no início do trabalho de Solskjaer, quando Mourinho lhe entregou um time aleijado, preso em convicções obsoletas e de forças limitadas não só pela capacidade psicológica, mas técnica e tática, vimos um Manchester United que “atacava, atacava y atacava”.

Uma série invicta foi construída, o United passou a fazer mais gols, era mais fácil agradar a torcida ali, afinal o parâmetro seria o trabalho anterior e o futebol feio, escasso de ofensividade do técnico anterior. Como torcedor do Manchester United, posso dizer que nossa torcida é mal acostumada, ela se habituou a ter grandes atacantes e a ver grandes goleadas. Contudo, quando se está ali para ganhar o trabalho, se joga como um franco-atirador, quando se obtém o trabalho, o pensamento muda. Você tem mais a perder, afinal você ganhou aquilo que sonhava ter, a filosofia ofensiva passa a contrabalancear com as preocupações do setor defensivo, com os espaços dados, com o medo da goleada sofrida. É o que aconteceu com Ole Gunnar Solskjaer.

Entre idas e vindas, utilizando uma volância mais defensiva com Fred e McTominay e também jogando com Matic e Pogba por lá, tudo mudou no dia 04 de Outubro de 2020. Foi o dia do fatídico 6–1 contra o Tottenham em Old Trafford.

Escalação do time que enfrentou o Tottenham. Bastante ofensivo com dois atacantes nas pontas e Matic como único “volante de ofício”.

Essa escalação que parecia ser a ideal àquela altura, desfaleceu nos pensamentos de Solskjaer. A pressão pela demissão aumentou após essa derrota. O início de temporada já não era dos melhores, os buracos na defesa ficavam cada vez mais evidentes, afinal o time jogava pra frente e não sabia como preencher essa lacuna entre ser ofensivo e ainda assim ser efetivo na marcação. Na verdade, o 6–1 só vem porque depois dos 3º e 4º gols, o United seguiu (por algum motivo) atacando. Era o DNA daquele time, era… Ole enxergou naquele momento a necessidade de preencher os espaços defensivos e quem melhor pra fazer isso que dois jogadores rápidos, ágeis e intensos? Após a goleada, a dupla McFred nunca foi tão forte.

Precisamos antes de tudo entender que ter jogadores como McTominay e Fred no time não é algo ruim, mas quando eles se tornam a única alternativa para preencher o buraco defensivo, isso é um problema. O United seguiu. Com o duo McFred estabelecido na volância, fizemos uma corrida de 18 vitórias, 9 empates e apenas 1 derrota, 23 gols sofridos em 28 jogos. Performances fantásticas da dupla contra o Manchester City e contra o embalado Leeds, quando Bielsa chegou a dizer que Scott e Fred eram os principais responsáveis pela vitória do United. A essa altura, estávamos tão cheios de analgésico que nem uma bactéria fatal nos deixaria com febre.

O problema é que a doença nunca deixou de existir. Há um problema de “coaching”, visualmente tático, que Solskjaer mascarou com Fred e McTominay e, partindo disso, ignorou a doença e passou a tratar somente o sintoma. Não defendemos como um time, quando adiantamos a linha alguém (ou alguns) desalinham na marcação, o que facilita o trabalho de times com boa saída de bola. Se você sai da pressão, encontra um lastro de espaço no último terço do campo. Colocamos pressão na zaga constantemente, ver Maguire ser pego no mano a mano contra um ponta velocista, que caía nas costas de Shaw, é algo comum de ver. Harry irá protegê-lo, ele sustenta uma defesa, mas ele precisa ser protegido também. Nenhum zagueiro do mundo, por ótimo que seja, pode ser tão exposto a jogadores habilidosos e rápidos no um contra um. Veja Varane e suas últimas temporadas no Real Madrid, veja quão desastrosa era a fase de um excelente zagueiro por ficar exposto demais.

Muitos de nós questionam a falta de ideias ofensivas, mas o maior problema desse time é sem dúvida a forma como ele defende. Veja a melhora ofensiva do Chelsea, que aconteceu exatamente após Tuchel corrigir os problemas defensivos. Kanté era especulado, pasmem, no United. A fase era horrível. Jorginho, hoje um dos pilares defensivos das duas principais defesas da Europa (Itália e Chelsea), era tratado como flop. E o que mudou nisso tudo? O coaching, o treinamento, o arranjo tático, a organização coletiva. Não estou aqui pedindo a cabeça de Solskjaer, o que seria gratificante pra muitos leitores, tenho certeza, mas apontar seus erros e dizer que, se ele não parar de tratar a doença com analgésico, ele vai cair e cairá merecidamente.

Ole está preso às próprias convicções. Pela sua até agora incapacidade de melhorar a equipe neste sentido, ele crê que jogadores com características específicas vão corrigir os problemas que precisam ser resolvidos nos treinos, pelo técnico e sua equipe. É por este motivo que Donny van de Beek raramente joga, afinal ou ele joga na posição de Bruno (que não aceita ser poupado), ou na primeira linha do meio campo. Algo que Solskjaer considera perigoso demais e de fato é, pela forma que o time joga. Perceba como toda a mídia relata a paixão de Solskjaer por Declan Rice, que passa longe de resolver o nosso problema. Por que esse amor pelo volante do West Ham? Exatamente por ele ser uma versão da dupla McFred, incluída num jogador só. Em Declan Rice está embutida a capacidade de pressão e marcação (Fred), a força e o combate (McTominay) e a característica de ser incansável, de tentar preencher todos os espaços do campo, que é exatamente o motivo de McFred ser tão apreciado pelo norueguês. Ao invés de Ole nos fazer defender como um time, ele mascara as nossas falhas coletivas na marcação com dois jogadores que, por característica, cobrem o maior espaço possível.

McFred é o analgésico e nós precisamos da cura: corrigir os erros do time, não mascará-los. Solskjaer está atacando o sintoma e deixando a doença se proliferar e se continuar assim, em breve o analgésico não servirá de nada e um simples resfriado irá derrubá-lo.

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Kleber Komodo
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“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.”