APP Auxilio Emergencial e Caixa Tem — Medidas da Rede Tumulto contra a desigualdade de acesso promovida pelo Governo Federal

Fernanda Paixão
RedeTumulto
Published in
6 min readFeb 10, 2021

Como a periferia driblou as dificuldades enfrentadas com o problema de usabilidade do app e falta de acesso, para ter direito ao auxílio emergencial, na Região Metropolitana de Recife

Aplicativo Caixa TEM — administrado pela Caixa Econômica Federal

Contexto

O ano de 2020, foram de muitos desafios, adequações e ações no contexto mundial com o enfrentamento da pandemia do Covid-19. No Brasil, essa situação ainda se agravou mais, tendo em vista que a maioria da população enfrenta outros problemas sociais de forma cotidiana. Como a falta de acesso a direitos que são básicos, como: moradia digna, saneamento básico, educação, segurança pública, transporte adequado, emprego, entre outros.

Com as pessoas sendo instruídas a permanecer em casa, muitos não tinham como garantir o seu sustento. Visto que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, o número de trabalhadores autônomos no Brasil, em 2020, somaram 24 milhões. E com o avanço da Covid-19 em fevereiro, o país começou a sentir os efeitos econômicos. Os números de desempregados registrados na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios — PNAD, foram 12.850 milhões.

Auxílio Emergencial

Para diminuir os impactos socioeconômicos do vírus o Governo Federal lançou o Auxílio Emergencial no valor inicial de R$ 600,00 e paras as mães solos R$ 1200,00. Para se cadastrar o usuário teria que acessar primeiramente o aplicativo chamado Auxílio Emergencial e sendo beneficiado, baixar o App Caixa Tem, ambos administrados pela Caixa Econômica Federal.

Problema
A divulgação do auxílio e a forma de inscrição já foi um processo excludente. Visto que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua — Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, mostra que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Em números, isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede.

Pesquisa PNAD TIC, 2018

Os aplicativos disponíveis para efetuar as inscrições e recebimento apresentaram várias confusões nas suas funcionalidades que prejudicavam em seu uso e no objetivo, que seria: cadastro e recebimento do auxílio.
Muitos dos usuários não estavam conseguindo seguir o fluxo de navegação, interferindo totalmente em sua experiência, mesmo para aqueles que já tinha contato com a internet.

Aglomeração na Caixa Econômica Federal

Os usuários
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Quem conseguia fazer o cadastro, tinha que lidar com a falta de feedback de quando seriam aprovados, restando apenas a ansiedade de abrir o aplicativo e ler o eterno “em análise”.
- Quem não conseguia fazer o cadastro, por desespero, procuravam a sede física da Caixa Econômica Federal para sanar suas dúvidas. E com isso recebiam retaliações da mídia por estar aglomerando. Quando na verdade estavam atrás de uma resposta.
- Quem foi aprovado, tinha que lidar com outro problema: enfrentar o aplicativo da Caixa Tem. Onde inicialmente você teria que estar em uma fila virtual, onde não poderíamos nem sair da tela para não perder a vez.
- Dentro do app Caixa Tem, o usuário enfrentava outras dificuldades que descaracteriza a emergência do auxílio. Para movimentar o auxílio teria que ter acesso a uma conta digital, que não é uma realidade para muitos brasileiros. Ou esperar o dia do saque físico, que ocasionaria em aglomerações e em muitos casos em passar necessidades financeiras.

Jackson Gabriel — Articulador da comunidade do Arruda/Recife-PE

Estratégia

Nas comunidades os moradores rapidamente criaram suas estratégias de colaboração. As pessoas que tinham mais discernimento do funcionamento do aplicativo realizavam as etapas de solicitação do Auxílio Emergencial e a transferência para que fosse retirado o benefício antes do tempo de saque determinado pela Caixa Econômica Federal.

Nós, da Rede Tumulto, uma rede que busca criar, fortalecer e potencializar essas ações de impacto advinda da periferia, precisávamos agir. Foi então que criamos os Pontos de Apoio. Buscando estimular essa iniciativa de colaboração que já estava acontecendo nas periferias.

Mapeamos 3 articuladores, (1 da comunidade do Arruda, 1 da comunidade do Coque e 1 da comunidade de Santo Amaro) periferias da Região Metropolitana do Recife, que tinham o perfil para auxiliar outros moradores com as dúvidas que surgiam.

Santo Amaro: é uma comunidade periférica, localizado na Zona Central da cidade do Recife (vizinho ao bairro da Boa Vista), até a Zona Norte da cidade, limitando-se com a cidade de Olinda. População: 27.939 habitantes;
Coque: localizado na Ilha Joana Bezerra, é uma comunidade periférica, que se encontra na Zona Central do Recife, a comunidade tem 57% dos 12,6 mil moradores vivendo com renda mensal entre R$ 130 e R$ 260.
População: 12.629 habitantes.
Arruda: é uma comunidade periférica, localizado na Zona Norte do Recife. População: 14.530 habitantes.

Material Gráfico Ponto de Apoio

Pontos de apoio: instalados em três comunidades do Recife, sendo Arruda, Coque e Santo Amaro, com o objetivo de estimular o que já é uma ação comum das comunidades;
Disponibilizamos material gráfico e uma ajuda de custo para que os articuladores, Jackson Gabriel-Arruda, Isabela Dutra-Coque, Evson Tenório-Santo Amaro, tirassem dúvidas dos moradores referente ao Auxilio Emergencial, 2h por dia, de segunda a sexta, durante dois meses de ação;
E em paralelo a ação, cada articulador ficou responsável por uma pesquisa sobre quais eram as objeções que as pessoas apresentavam no trâmite geral para ter acesso ao auxílio. E assim levantarmos dados etnográficos para entendermos quais duvidas frequentes? Quem eram essas pessoas? Quais idades? (…) Combatendo assim as afirmações que diziam que as dificuldades eram enfrentadas apenas por pessoas que nunca tiveram acesso a internet ou apenas por pessoas idosas.

Em 80 horas trabalhadas, durante 2 meses, em 3 comunidades, atendemos mais de 360 pessoas. E de acordo com os dados levantados, além dos idosos os jovens e adultos apresentaram também grande dificuldade na compreensão do aplicativo não entendendo o fluxo de telas, não conseguindo efetuar a conclusão da inscrição ou quando teriam que migrar de um aplicativo para outro para concluir suas funções.

Diante das dúvidas frequentes e dos dados levantados, vimos que o empecilho não era apenas em não saber utilizar, mas relacionado a projeção de usabilidade dos aplicativos.
Visto que o auxílio seria (e ainda é) um serviço essencial, que constitui o mais básico dos direitos, não cumpriu o seu papel de emergencial.
Assim podemos fazer um comparativo com outros serviços ofertados para essa mesma população, sem necessariamente ser algo tecnológico, que não cumpre o seu papel de essencial e emergencial da mesma forma.
Como os hospitais e transportes públicos, escolas, programas de ressocialização e enfim. Não funciona e não é culpa do usuário ser leigo ou não conseguir acessar. Está mais relacionado a quem projeta, pensar e se sensibilizar em “para quem estou projetando?”.

Essa ação só foi possível com a organização e realização da Rede Tumulto, juntamente aos articuladores locais e com financiamento do Instituto Galo do Amanhã.

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