Cruzada bolsonarista contra o jornalismo fortalece movimento pela liberdade de imprensa

Francine Galbier
Vértice
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15 min readSep 18, 2019

Por André Valeriano e Francine Galbier

9 de setembro de 2019. Glenn Greenwald durante o ato em defesa do jornalismo, da liberdade de imprensa e da democracia na USP. Foto: Francine Galbier

9 de setembro. Uma multidão lota o Salão Nobre da Faculdade de Direito na USP, no centro de São Paulo, para algo que não achávamos que iríamos mais precisar fazer, de forma tão incisiva, após o fim da ditadura militar: defender a imprensa e o jornalismo de ataques do Poder Executivo.

O evento foi organizado por entidades jornalísticas, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e agremiações estudantis, para denunciar ataques perpetrados pelo governo de Jair Bolsonaro.

Estiveram presentes figuras políticas como o ex-prefeito de São Paulo e candidato a presidente na última eleição, Fernando Haddad, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e entre outros que acompanharam declarações de jornalistas e ativistas convidados.

Ato em defesa da liberdade de imprensa na USP, 9 de setembro. Apesar de um público majoritariamente à esquerda e apoiadores de 'Lula Livre', também havia pessoas que se identificavam como "centro" e "centro-direita" acompanhando o evento. Foto: Francine Galbier

“A Importância é mostrar que a sociedade brasileira está viva, que a sociedade brasileira começa a reagir, que esse obscurantismo, essas arbitrariedades, essas perseguições a manifestação, a liberdade de expressão não vão passar. Nós não vamos permitir voltar a tempos onde havia uma ditadura instalada no Brasil”, disse o jornalista Juca Kfouri, que conduziu o evento.

Juca Kfouri em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

Ele ressaltou que o presidente Bolsonaro tenta repetir a história da ditadura militar ao dirigir ataques à imprensa. “Nós não vamos permitir que alguém eleito — a gente sabe como — faça de novo o que a gente já viveu. A história está se repetindo no Brasil como farsa, mas nós vamos impedir que ela avance contra a democracia, contra a liberdade de imprensa, contra o jornalismo”.

O primeiro convidado a discursar foi o jornalista, escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva. Em seu discurso, deixou claro que o atual momento do Brasil é de rompimento com os pilares fundamentais da democracia.

Marcelo Rubens Paiva em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

“Existem cinco pilares de uma democracia: uma é manifestações livres, a outra é alternância do poder, a outra é controle civil dos militares, a outra é a independência dos três poderes e a imprensa livre. Hoje no Brasil, três desses pilares estão sendo arruinados: a liberdade de imprensa, o controle civil dos militares e a independência dos três poderes”, disse Marcelo.

O destaque da noite foi o advogado e jornalista norte-americano, residente no Brasil há quase 15 anos, Glenn Greenwald — cofundador do site The Intercept. Um dos mais premiados nomes do jornalismo na atualidade, Glenn foi um dos responsáveis, em parceria com Edward Snowden, por levar a público o caso de espionagem global dos Estados Unidos, que se utilizou da Agência de Segurança Nacional (NSA) para vigiar cidadãos norte-americanos e até outros países — como foi no caso do Brasil, no qual a então presidente Dilma Rousseff foi alvo da vigilância da Agência.

O caso foi revelado em junho de 2013 e ficou internacionalmente conhecido. No ano seguinte, Glenn conquistou o Prêmio Pulitzer de jornalismo e, no Brasil, ganhou o Prêmio Esso de reportagem com suas publicações no jornal O Globo sobre o sistema de espionagem virtual dos Estados Unidos em território nacional.

A redação do The Intercept Brasil recebeu aplausos e apoio do público por conta das revelações trazidas pela equipe sobre abusos de procuradores e juízes ligados ao alto escalão da Operação Lava Jato, após a publicação de mensagens de aplicativo de celular vazadas e fornecidas ao veículo por uma fonte anônima.

Apelidado de “Vaza Jato”, o caso botou em cheque a principal operação de combate à corrupção no Brasil ao mostrar que membros da Operação Lava Jato, incluindo o líder da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, articularam com o então juiz Sérgio Moro (atual ministro da Justiça e Segurança Pública) para manipular as investigações e discutiram estratégias ilegais para prender e condenar suspeitos.

Para Glenn, a Vaza Jato é muito mais que uma revelação de atos corruptos dos envolvidos, é também uma defesa da liberdade de imprensa.

Glenn Greenwald durante o ato em defesa do jornalismo, da liberdade de imprensa e da democracia na USP. Foto: Francine Galbier

“Nós decidimos isso porque nós sabemos, desde o começo, que a luta que estamos fazendo é muito mais do que só revelações específicas sobre a corrupção do Sérgio Moro, a corrupção e improbidades do Deltan Dallagnol. Obviamente que as revelações são importantes, mas também é muito importante que não estamos simplesmente reportando (denunciando) material que nossa fonte deu para a gente, nós estávamos defendendo a liberdade da imprensa garantida pela Constituição brasileira. Isso é a nossa luta” , disse Glenn em discurso.

Após a publicação das reportagens, Glenn e a redação do The Intercept Brasil passaram a sofrer ataques com notícias falsas e intimidações de pessoas ligadas ao atual governo. O presidente Bolsonaro, inclusive, chegou a declarar numa entrevista coletiva que “talvez ele [Glenn] pegue uma cana, aqui, no Brasil”. Glenn aproveitou para comentar sobre a postura de Bolsonaro e daqueles que fazem parte da rede bolsonarista.

Para ele, a declaração de Bolsonaro foi uma intimidação e a militância bolsonarista se utiliza de táticas autoritárias para perseguir e ameaçar aqueles tidos como ‘inimigos” do núcleo duro da ala ideológica do governo. “Eu acho que, além de defender uma imprensa livre, esse foi o objetivo mais importante. Todos os movimentos autoritários e que querem tirania usam o medo. Eles querem que todo mundo tenha medo de desafiar eles pensem: ‘Meu Deus, se eu desafio eles, eles vão me matar, eles vão me prender, eles vão mandar pessoas para me atacar, vão destruir a minha reputação’, todas essas táticas que o movimento do Bolsonaro usa”.

Essa não é, nem de longe, a primeira vez que Bolsonaro ataca jornalistas ou veículos de imprensa. Na verdade, isso é um modus operandi que vem dos primórdios do "mito". Desde que era apenas um deputado de baixo clero, Bolsonaro já demonstrava por A mais B que não gostava da liberdade de imprensa, mas até então não tinha poder para entrar em guerra com o jornalismo como agora.

Em março deste ano, o Messias compartilhou em sua conta oficial no Twitter uma fake news publicada por um blog propagandista pró-governo sobre a jornalista Constança Resende, do jornal Estado de S. Paulo. Para acusar Constança, o blog bolsonarista citou como fonte um texto publicado por um tal de Jawad Rhalib em blog hospedado no site do jornal francês Mediapart.

Segundo o texto usado pelo blog bolsonarista, Constança Resende teria supostamente admitido a intenção de “arruinar” o atual governo com o caso das movimentações atípicas na conta do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz — apontadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Porém, a mentira foi desmentida pelo Estadão e pelo Mediapart, que declarou que “o artigo é de responsabilidade do autor (Jawad Rhalib), e o blog é independente da redação do jornal”.

Em outra situação, a jornalista Elaine Cantanhêde foi acusada de propagar fake news por Bolsonaro e seus apoiadores ao dar, em primeira mão, a notícia de que o então ministro da Educação, o olavista Ricardo Vélez Rodríguez, seria exonerado do cargo.

Duas semanas após o furo da jornalista, Vélez Rodríguez foi de fato demitido do cargo e Abraham Weintraub, outro olavista, assumiu a pasta, confirmando a informação que Cantanhêde havia noticiado anteriormente e o que a maioria já desconfiava: era apenas mais uma jogada do governo para manter a militância engajada contra um 'inimigo' e aproveitar para tentar desmoralizar mais um pouco o trabalho da imprensa. Essa tática, aliás, já virou cotidiano aqui pela República das Bananas do Equador.

Um caso mais recente aconteceu com o jornalista Merval Pereira, do Grupo Globo, que teria recebido R$ 375 mil por uma palestra contratada pelo Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) do Rio de Janeiro, segundo declarações de Bolsonaro.

O presidente chegou a ameaçar não dar mais entrevistas à imprensa caso isso não fosse noticiado. Em resposta, Merval contestou a fala de Bolsonaro em sua coluna no jornal O Globo chamando-a de falsa. O jornalista confirmou ter sido contratado pelo Sebrae. Porém, os R$ 375 mil seriam para conceder 15 palestras num programa da Fecomércio do Rio chamado Mapa Estratégico do Comércio.

Sobre esses ataques frequentes a repórteres e outros profissionais de imprensa, o jornalista Leonardo Sakamoto — que estava acompanhando o ato do Salão Nobre — comentou à nossa reportagem suas preocupações em relação a postura do presidente quanto a imprensa.

Leonardo Sakamoto em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier
Leonardo Sakamoto em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

“O jornalismo livre e independente é o pilar de qualquer democracia. Ele é essencial para monitorar e fiscalizar o poder público, pra fazer circular informações junto a sociedade e pra garantir que a democracia continue saudável. Então é com muita preocupação que a gente vê que o governo ataca os jornalistas, ataca o jornalismo, quer colocar uma pecha de desinformação ao trabalho de reportagem profunda, ao trabalho de trazer aos fatos e as informações para perto da população”, declarou Sakamoto.

De acordo com ele, não é a primeira vez que ataques contra jornalistas acontecem na história recente do Brasil. Porém, dessa vez essas intimidações são feitas de forma “sistemática” e “violenta” pelo Executivo.

Sakamoto afirma que o ato pela liberdade de imprensa deve ser visto como uma clara resposta ao poder público a respeito dessas intimidações. “É claro que isso aconteceu em outros momentos da nossa república, não é de agora. A diferença de agora é que isso é feito de forma sistemática e muitas vezes violenta por parte da Presidência da República. Eu só lembro de um momento assim, na época da ditadura militar. Então a gente quer, na verdade, mostrar ao poder político e ao poder econômico que a população, que a sociedade, quer continuar tendo uma mídia independente e uma mídia livre.”

Para a deputada Sâmia Bonfim, o governo não deve conseguir sustentar por muito tempo a tática de ataque à imprensa para distrair os brasileiros sobre as suas crises. “Eu acho que está depurando aqueles que são realmente bolsonaristas. A última pesquisa do Datafolha indica isso, cerca de 12% ou 13% da população que concorda quase que integralmente com esse abuso autoritário, esse personalismo, esse excesso de intervencionismo nas instituições e ataque ao jornalismo, inclusive", disse.

Para ela, é necessário conseguir se estabelecer uma frente democrática para conversar com os setores da sociedade sobre a nocividade dos atos de Bolsonaro, inclusive com parte da direita que ainda o apoia em nome das reformas econômicas. "Tem muitos setores de uma direita democrática brasileira que estão confortáveis com o Bolsonaro porque, por mais que discordem dessa postura dele, concordam com a reforma da Previdência, com a reforma tributária e com a política de privatizações. Em última instância, são eles que sustentam e seguram o Bolsonaro. Eu acho que no momento em que ele [Bolsonaro] representar um problema pros seus negócios, a gente consegue ter uma luta de maioria, mas até lá a gente vai seguir lutando e seguir mobilizando".

Reinaldo Azevedo em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

“Algumas pessoas se manifestaram contra a minha presença e eu acho legítimo e mais do que isso, compreensível. Mas eu estou aqui para celebrar o triunfo da divergência e o direito de divergir. Eles só aceitam se converge com a opinião deles. Eu não me arrependo das críticas que fiz a projetos autoritários. Todos descobrimos que a esquerda não é monopolista de algumas ideias disruptivas. A direita também tem ideias disruptivas, muitas vezes e frequentemente contra a ordem democrática, como estamos vendo. Eu estou aqui para celebrar a divergência, para celebrar o devido processo legal e estou aqui para celebrar a Constituição brasileira e o que ela tem de garantia”, disse o jornalista Reinaldo Azevedo em seu discurso. Crítico ferrenho do PT, do Lavajatismo e do bolsonarismo, ele é um dos parceiros do The Intercept Brasil na série Vaza Jato.

Para nossa reportagem, criticou a atuação midiática de setores da imprensa durante o desenrolar da Lava Jato, em uma época que vazamentos intencionais do Ministério Público pautaram as redações. Para ele, a Vaza Jato apenas comprovou o que já era sua tese.

Reinaldo Azevedo em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

“Eu acho que deixou claro ao jornalismo que vinha sendo — ou parte dele pelo menos — manipulado por aquilo que eu chamo 'um ente de razão', por uma espécie de entidade que estava ditando seus rumos. A imprensa brasileira passou a lidar muito mal com os vazamentos perpetrados pelo Ministério Público. De sorte, ela passou a ser uma correia de transmissão do Ministério Público. Então aquilo que se chamou durante muito tempo de jornalismo de investigação não era jornalismo de investigação, era jornalismo de vazamento, e isso tende a acabar. O Ministério Público não pode condenar as pessoas antes mesmo de até denunciá-las. Isso não pode de lado nenhum. Não pode quando é de direita, não pode quando é de esquerda, não pode com ninguém. O Ministério Público tem que respeitar a lei e a Constituição", afirmou.

Ele próprio foi vítima de armação midiática do Ministério Público quando, em maio de 2017, a Procuradoria Geral da República anexou em um inquérito grampos de Reinaldo com Andrea Neves, irmã de Aécio Neves e fonte do jornalista. Na época, Reinaldo fazia duras e constantes críticas a atuação de Rodrigo Janot frente a PGR.

No próprio trecho vazado, criticava Janot para Andrea. Também criticava uma reportagem da Veja, veículo que trabalhava na época. A divulgação do vazamento foi uma clara retaliação de Janot aos seus comentários. “Há uma agressão a uma das garantias que tem a profissão. A menos que um crime esteja sendo cometido, o sigilo da conversa de um jornalista com sua fonte é um dos pilares do jornalismo”, escreveu Reinaldo na ocasião.

Colunista do The Intercept Brasil e autor do Jornalismo Wando, João Filho falou sobre o legado da Vaza Jato, uma vez que a série de reportagens — que continua sendo publicada — revelou a corrupção dentro do Ministério Público e do Judiciário. "Eu acho que é um baita legado porque, até a Vaza Jato, a imprensa brasileira estava totalmente alinhada a Lava Jato. Era uma assessoria de imprensa. E a Vaza Jato mostrou que a Lava Jato tinha muita corrupção, que era um conluio dentro do Ministério Público e do sistema judiciário. Que tinham intenções políticas e agiram politicamente usando o Estado brasileiro pra isso. Então é um dos grandes furos de reportagem da história do Brasil, um marco", afirmou.

Leandro Demori em ato pela liberdade de imprensa. Foto: Francine Galbier

Em seu discurso, o editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, comentou o protagonismo do veículo em denunciar o envolvimento de milicianos no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que segue sem solução. "Nós fomos a primeira imprensa no mundo a apontar o envolvimento de milícias na morte da Marielle Franco. Nós somos testemunhas da história, do que aconteceu com ela, e a partir daquilo o The Intercept passou a ser muito visado", disse Demori, afirmando que o TIB faz militância pelo que acredita. "Nós fizemos uma campanha, uma cobertura de eleições, bastante incisiva denunciando o quadro evidente e óbvio que nós teríamos pela frente. Fomos acusados de fazer militância e a gente faz militância sim. A gente faz militância por tudo o que a gente tá vendo aí. A gente faz militância pelos direitos humanos, pelos nossos direitos, pela nossa liberdade e pelo direito de falar".

Ele expressou sua preocupação diante da descrença dos jovens na imprensa e fez críticas ao mau jornalismo. "Segundo pesquisas mais recentes, apenas 10% dos jovens brasileiros confiam muito na imprensa. Isso é um desastre institucional, um desastre democrático, não existe país no mundo que viva sem confiança na imprensa. A gente precisa de algum modo fazer com que as pessoas voltem a confiar no que a gente diz pra elas. O pacto foi quebrado, e foi quebrado por uma série de motivos, mas foi quebrado também porque durante muito tempo neste país — inclusive agora — se continua fazendo mau jornalismo".

Para ele, a Lava Jato reforçou essa sanha do mau jornalismo pois significava notícias explosivas diariamente em uma época em que as redações passavam por dificuldades financeiras. "A Lava Jato apareceu em um momento que as redações estavam demitindo. Os jornalistas experientes estavam indo embora da redações. E a Lava Jato significou para a imprensa notícia explosiva grátis, todos os dias. Pouquíssimas vozes se levantaram contra o tipo de operação que estava sendo feita ali. Nós estamos contando uma história de uma fraude jurídica que precisa urgentemente ser revista e os seus protagonistas precisam responder criminalmente pelos crimes de abuso de poder".

A cruzada contra a imprensa

O Messias nunca foi muito chegado na liberdade de imprensa e de expressão, assim como nunca escondeu seu viés autoritário quanto a essas "cuestões ae, ta ok?". Veja, ele chegou a defender abertamente a censura até mesmo no SuperPop, de Luciana Jimenez, programa do qual era quase fixo no sofá das subcelebridades — mas a vocação do nosso presidente para o elenco de A Fazenda ficará para outro texto.

Atacar a imprensa e incitar a militância contra jornalistas foi uma estratégia de campanha de Bolsonaro — e não só dele, outros vários representantes da extrema-direita se elegeram em 2018 agindo da mesma forma. Um levantamento da Folha de S. Paulo mostrou que os ataques de Bolsonaro contra a imprensa chegaram a dez por semana no final de sua campanha eleitoral.

Após eleito, passou a dedicar tempo em suas lives diárias para "desmentir" matérias da Folha de S. Paulo, sua maior inimiga. Chegou até mesmo a recomendar para seus seguidores os "canais de comunicação" de sua confiança: seus propagandistas, entre eles o guru, que já foi líder de seita, Olavo de Carvalho.

A última 'cruzada' do bolsonarismo contra jornalistas aconteceu semana passada, no último dia 13, quando o repórter João Paulo Saconi, da Época, publicou uma matéria contando sua experiência nas aulas de coaching com Heloísa Bolsonaro, esposa de Eduardo Bolsonaro, o 03.

Eduardo ficou ofendidíssimo e correu para o Twitter para incitar as milícias virtuais contra Saconi, divulgando sua foto e seu perfil. Não satisfeito, ele resolveu divulgar também nome, perfil e foto do então editor-chefe da Época, Plínio Fraga, e da diretora de redação, Daniella Pinheiro.

Já o Messias postou a seguinte mensagem:

Os blogs bolsonaristas de desinformação começaram a espalhar mentiras, dizendo que o jornalista havia cometido crime de falsidade ideológica, ferido o código de ética do jornalismo e quebrado o sigilo entre psicólogo e paciente. No entanto, o trabalho de Saconi em nada feriu o código de ética do jornalismo, não configurou falsidade ideológica e tampouco houve quebra de sigilo entre psicólogo e paciente, afinal Heloísa atua como "coach", e não psicóloga — apesar de ter formação em psicologia. Mesmo se fosse o caso, o sigilo clínico é cobrado do profissional e não do paciente.

No sábado, 14, a revista divulgou nota dizendo que a “ÉPOCA reafirma o respeito à ética e a retidão dos procedimentos jornalísticos que sempre pautaram as publicações da revista. A reportagem em questão não recorreu a subterfúgios ou mentiras para relatar de maneira objetiva — a bem do interesse do leitor — um serviço oferecido publicamente, com cobrança de taxas divulgadas nas redes sociais.”

Não tardou para Olavo entrar na polêmica. Vale ressaltar que ele tem papel fundamental na onda de ódio crescente contra os profissionais do jornalismo e nas constantes tentativas de desmoralização da imprensa profissional — inclusive, muitos de seu discípulos se autointitulam 'jornalistas' e usam blogs obscuros para espalhar desinformação pró-governo ao mesmo tempo em que cobram "imparcialidade" e "ética" da mídia.

No domingo, 15, ao evangelizar para seus seguidores a necessidade de uma militância bolsonarista organizada, que apoie Bolsonaro sem questionar nenhum de seus atos, Olavo também disparou que “a classe jornalística é o grande inimigo do Brasil", incentivando processos judiciais contra jornalista que ousem denunciar abusos e atos corruptos do governo — para Olavo, aliás, a corrupção nem seria tão grave assim.

“[Bolsonaro] Xinga os caras [jornalistas], mas não faz nada contra eles, porque ele não tem respaldo, não tem uma militância organizada trabalhando para ele. Se tivesse, por exemplo, nós já teríamos uma equipe de 100 advogados fiscalizando o que esses jornalistas fazem e processando um por um. Mentiu contra o governo, processo em cima de você. É a maneira mais simples de lidar com isso (…) Se tivesse processado o Caco Barcellos quando ele inventou aquela mentira contra o Exército, centenas de jornalistas teria ficado inibidos em seguir o exemplo dele. Algum milico processou? Não, não processou porque não tem ideia de como as coisas funcionam”.

Como bom "aluno" que é, Eduardo resolveu seguir a orientação do "professor" e avisou que irá processar os responsáveis pela matéria.

Tristemente, o Conselho Editorial do Grupo Globo se apequenou e lançou uma nota na segunda-feira, 2, contradizendo a posição oficial da revista Época e afirmando que a reportagem de Saconi havia sido um "erro" e uma "decisão editorial equivocada".

Em reação ao absurdo, a diretora de Redação Daniela Pinheiro, o editor-chefe Plínio Fraga e o editor Marcelo Coppola se demitiram nesta terça-feira, 3.

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