Entenda porque os dados atuais sobre o desmatamento na Amazônia são graves, mesmo abaixo da média

André Valeriano
Vértice
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8 min readAug 27, 2019

Por André Valeriano

Floresta desmatada no Estado do Amazonas — Foto: BRUNO KELLY / Agência O Globo/27–7–2017

As queimadas e o desmatamento da Amazônia criaram uma séria crise de imagem do governo de Jair Bolsonaro no Brasil e no mundo nestes dois últimos meses, com imagens do fogo consumindo hectares e hectares de florestas.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram um aumento no nível de desmatamento na região amazônica de 88% de junho de 2019, em comparação ao mesmo mês do ano passado. Porém, o governo e apoiadores na internet têm argumentado, em resposta ao aumento do desmatamento nesse período, que os índices estão dentro da média dos últimos 15 ou 20 anos.

Apesar de verdadeira a afirmação, é preciso cautela e uma análise mais técnica em relação aos dados apresentados pelo Inpe e outros institutos de pesquisa sobre as queimadas e o desmatamento na floresta amazônica para que se entenda a gravidade das taxas atuais em relação aos anos anteriores.

O Inpe, em seu site, mostra a série histórica do desmatamento no Brasil nos últimos 30 anos na Amazônia Legal, por meio do sistema PRODES de monitoramento.

A primeira figura mostra a taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal por km², sendo os anos de 1995, 2003 e 2004 os maiores em devastação ambiental, de acordo com o próprio Inpe. O gráfico contabiliza os dados de 1988 até 2018, mas os de 2019 não aparecem, já que o ano ainda não terminou e os dados devem ser computados e divulgados em janeiro de 2020.

Taxa de desmatamento anual na Amazônia Legal (km²) — Fonte: Inpe

De 2004 até 2012, houve uma queda significativa de 84% na taxa de desmatamento. Em números absolutos, o desmatamento em 2004, que foi 27.772 km², caiu para 4.571 km² em 2012. Mas em 2013, o índice voltou a aumentar, tendo 2016 o pior resultado nos últimos dez anos com 7.893 km² de áreas desmatadas na Amazônia Legal.

Taxa PRODES com os números absolutos de desmatamento na Amazônia Legal de 2004 a 2018 (km²) — Fonte: Inpe

Calculando a média dos últimos 15 anos, ou seja, de 2004 até 2018, o número médio de áreas desmatadas por ano é de 10.038,2 km². Nesse cenário, as maiores taxas de desmatamento foram a de 2004 com 27.772 km², e de 2005 com 19.014 km².

Por conta do grau elevado de desmatamento, esses dois números puxam a média acimas das taxas de crescimento padrão dos últimos 10 anos, dando a entender que o desmatamento de agora está numa quantidade baixa em relação aos anos do início do século 21 e que o impacto atual seria menor.

O problema de se mensurar isso é que os dados do início do milênio (1999 até 2008) são de um contexto oposto ao desses últimos 10 anos (2009–2018), tanto nos fatores que levaram o aumento exponencial do desmatamento no início deste século, como medidas adotadas para a sua redução. Por isso, compilar períodos muito distintos não é melhor forma de se analisar e saber a real dimensão do desmatamento atual.

Observe que, após os anos de 2003, 2004 e 2005 — no início do governo Lula — ocorreram uma série de medidas para reduzir o desmatamento na floresta amazônica, mas ao avaliar o desmatamento por Estado, no período entre 2004 e 2005, esses perderam boa parte de suas florestas, como o Estado do Mato Grosso — que foi o Estado que mais desmatou nesse período, conforme mostra os dados do Inpe.

Taxa de desmatamento por Estados (km²) — Fonte: Inpe

O gráfico mostra o índice de desmatamento por km² nos Estados, sendo que o Mato Grosso e Rondônia foram os que mais desmataram durante o período de 2004 e 2005 e tiveram perdas significativas de suas cobertura florestal, o que é corroborado pelo mapa do site Terrabrasilis, do Inpe. Dessa maneira, os dados subsequentes do desmatamento nesses Estados caíram, além de políticas combativas ao desmatamento, em razão também da perca de áreas verdes nessas regiões.

Mapa do site Terrabrasilis, onde as áreas em verde representam locais com florestas e as regiões em amarelo são espaços desmatados — Fonte: Terrabrasilis/Inpe

As áreas em verde no mapa do Terrabrasilis representam espaços com florestas na Amazônia Legal. Já as áreas em amarelo representam regiões que foram desmatadas. Conforme mostra o mapa, os Estados de Rondônia, Mato Grosso e também o Maranhão, perderam boa parte de suas florestas, em razão também do pico de desmatamento que ocorreu no período de 2004 e 2005, conforme foram mostrados o índice de desmatamentos nessas regiões anteriormente.

Os anos de 2004 e 2005 podem ser considerados atípicos, com picos elevados e que podem não dar uma dimensão real e proporcional do desmatamento atual em relação aos últimos dez anos, por justamente serem anos de desmatamento recorde na Amazônia Legal.

Apesar da ausência dos números de 2019, é possível quantificar uma estimativa do desmatamento por meio do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), um “sistema de alerta para dar suporte à fiscalização e controle de desmatamento e da degradação florestal” ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). O Deter quantifica os alertas de áreas que estão sofrendo com desmatamento em tempo real.

De acordo com o Inpe, por meio do próprio Deter, de agosto de 2018 a julho deste ano, os alertas indicaram que 6.833 km² poderiam estar sob desmate. Na comparação de agosto de 2017 a julho de 2018, os alertas sinalizaram desmate em 4.572 km ² e a taxa oficial de desmatamento ficou em 7.536 mil km² — um valor 64,8% maior que o anunciado pelo alerta. Em anos anteriores, pode ser visto a mesma tendência de mais de 40%.

Comparativo dos balanços Deter x Prodes — Fonte: Guilherme Figueiredo/Arte G1/Inpe

Se pegarmos a média de variação dos três períodos, a porcentagem média é de 53,77% de variação do valor anunciado pelo alerta do sistema Deter e os dados oficiais do desmatamento publicados pelo Inpe.

Aplicado esse valor na taxa de alarmes do Deter de 2019/2018, que foi de 6.833 km², a estimativa para o desmatamento de 2019 pode chegar ao patamar de 10.508 km² de áreas desmatadas na Amazônia, 54% a mais que a média de 2009/2018, um aumento significativo e superando a casa dos dois dígitos, o que não ocorria desde 2008.

O mesmo caso pode ser visto também em relação às queimadas na Amazônia Legal. De acordo com o próprio Inpe, até junho de 2019, foram queimados no total uma área de 18.629 km² na Amazônia. Esse valor é 74% a mais do que a média dos últimos dez anos (2009–2018), que foi de 10.665 km², e esse valor ainda é parcial, já que o ano ainda não terminou.

Área queimada por ano na Amazônia, de janeiro a julho — Fonte: Aos Fatos/Inpe

Já o número de focos em todo o Brasil, se comparado ao período de janeiro até 26 de agosto, foi de 80.626 focos de fogo em 2019, 12% maior que a média de 2009–2018.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alegou durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que o aumento no número de queimadas se daria por conta do período de baixa chuva na região este ano.

“Anos secos e mais quentes, mais queimadas. Anos mais úmidos e com chuva, menos queimadas. O percentual, o delta 2019 comparado ao ano passado, 2018, é porque no ano passado choveu muito, com menos queimadas. Portanto, esse ano mais seco é claro que a diferença vai ser muito maior. 2016 mais queimadas, 2017 e 2018 com mais chuva, portanto, menos queimadas e 2019 mais queimadas”, disse Salles ao Roda Viva da última segunda-feira (26).

A correlação feita por Salles, no entanto, é falsa. De acordo com a nota divulgada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), os municípios onde ocorreu maior concentração de queimadas foram os mais desmataram. Segundo o Ipam, “a Amazônia está queimando mais em 2019, e o período seco, por si só, não explica este aumento”, o que significa que o período de estiagem não é suficiente para justificar o crescimento das queimadas na floresta amazônica.

Em um gráfico, o Ipam mostra as possíveis correlações dos focos de incêndio com o tempo seco e o aumento do desmatamento na Amazônia.

Relação entre os números de focos de incêndio e áreas desmatadas na Amazônia, em 2019 — Fonte: IPAM

Olhando atentamente o gráfico, percebe-se que é possível relacionar o corte raso da floresta ao aparecimento dos focos de calor. Nele, os pontos pretos indicam os municípios onde foram registrados os maiores focos de calor. Na linha vertical, mede-se a ocorrência de queimadas; no horizontal, a quantidade áreas desmatadas. Portanto, pode-se observar que municípios mais desmatados foram também os que mais houve ocorrências de focos de calor e de incêndios.

No outro gráfico, também do Ipam, mostra o número médio de focos de incêndios cumulativos de dias sem chuva na região da Amazônia em 2019, em comparação com a média de focos registrados no período de 2016 e 2018.

Número de focos de incêndio e dias sem chuva no bioma da Amazônia em 2019, comparando com os anos anteriores — Fonte: Ipam

Pelo gráfico, é revelado que nesse período de 2016–2018, a época de seca foi mais intensa. Porém, com menos queimadas, o que não se vê em 2019, que tem mais dias com chuvas e mais focos de incêndio, conforme mostra o gráfico. Portanto, a correlação tempo seco e queimadas não se aplicam ao ano de 2019.

Apesar dos dados estarem abaixo da média da série histórica dos últimos 30 anos, se analisado somente o período atual de desmatamento, ou seja, de 2009 até 2018, há um aumento significativo nas taxas de desmatamento e queimadas, o que não se via justamente desde o início do século.

Seguindo nesse ritmo, o número do desmatamento de 2019 deve chegar ao patamar de 10 mil km², 34% a mais que o índice de desmate de 2018, confirmando um rápido crescimento no desmatamento na Amazônia brasileira em um espaço curto de tempo.

Fontes:

Inpe (1,2 e 3)

G1 (1 e 2)

Aos Fatos

Ipam

Terrabrasilis

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André Valeriano
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Jornalista, palmeirense, sonhador, defensor da liberdade e careta nas horas vagas.