O Fator Trump

Eric Balbinus de Abreu
Vértice
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5 min readAug 4, 2020
“Strumming my pain with his fingers/
Singing my life with his words/
Killing me softly with his song”

Donald Trump não previu as dificuldades que encontraria em sua segunda corrida pela Casa Branca. As pesquisas até agora são pouco animadoras, seu adversário Joe Biden aparece a frente tanto no voto popular quanto na projeção de delegados no Colégio Eleitoral. Por mais que os números fossem igualmente negativos em 2016, agora há um elemento novo: Florida e Texas ameaçam formar maioria pelo democrata. Se a tendência demonstrada nas pesquisas se confirmar daqui a noventa dias, Trump deixa a presidência de forma humilhante. Quem também fez cálculos equivocados foi seu aliado tupiniquim, o presidente Jair Bolsonaro. O capitão reformado que fez carreira como nacionalista se tornou não só o principal aliado de Trump na região como entregou a ele tudo o que o republicano quis de forma dócil e servil. Em duas viagens o mandatário protagonizou vexames soltando um “Eu te amo” e recebendo de volta um “Good boy”, algo que os gringos de lá costumam utilizar como expressão de genuína alegria diante da docilidade e obediência de seus cães.

A questão que alimenta o debate sobre a sucessão presidencial é o que será feito do governo brasileiro caso Trump realmente deixe a presidência. Segundo o diplomata Rubens Barbosa afirmou para a Folha, a vitória de Biden não foi cogitada pela assessoria de assuntos internacionais do governo brasileiro. Ex-embaixador do Brasil em Washington entre entre 1999 e 2004, ele acredita que a eventual eleição do democrata “vai acarretar um maior isolamento do Brasil, porque não haverá mais o guarda-chuva americano”. Seu sucessor no posto comunga da mesma visão: Roberto Abdenur (que ocupou a função entre 2004 e 2007) faz outra pontuação importante: o Brasil se tornou refém da politização extrema das Relações Exteriores. “A situação das relações do Brasil com os EUA governados por Biden se complicaria ainda mais se o governo Bolsonaro continuar com uma vinculação ativa com a extrema-direita americana, porque ela é inimiga do ideário dos democratas”, avalia o ex-embaixador.

Há quem analise de outra forma. Levando em consideração a necessidade de “colocar a casa em ordem” após os turbulentos anos de Trump, seria necessário cuidar primeiro do ambiente doméstico relegando a América do Sul para um segundo plano. Esta é a avaliação do analista político Alon Feuerwerker, da FSB Comunicação. “Pouca razão haveria para um possível presidente Biden arrumar encrenca com o Brasil por causa de Bolsonaro. Ainda mais se o horizonte para 2022 continuar como está”. O que aproxima as duas visões é a necessidade de pragmatismo por parte do governo brasileiro e condescendência por parte dos americanos. “O caso da derrota de Macri sugere que não podemos ter essa certeza. De fato, muita gente esperava que Bolsonaro adotasse uma postura mais pragmática quando ficou claro que Fernandez se tornaria presidente da Argentina. Deu-se o oposto”, comentou o professor da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stunkel.

Este talvez seja o mais assertivo: não há como ter certeza alguma quando o assunto é Bolsonaro. Como o próprio Stunkel lembrou, Bolsonaro declarou apoio a Maurício Macri nas eleições argentinas e lamentou a possibilidade de que “bandidos de esquerda” voltassem ao poder na América do Sul. Eleito o opositor Alberto Fernandez não houve qualquer tentativa de aproximação. Até hoje Jair não dirigiu a palavra ao colega vizinho, um dos mais importantes parceiros regionais do Brasil. Por óbvio que com a maior potência do mundo ocidental as coisas são um pouco diferentes, mesmo aos trancos o entorno de Bolsonaro começou a se movimentar para uma eventual derrota de Trump. Tardiamente, diga-se de passagem. Ao que se sabe a postura só mudou dias depois de uma declaração de John Bolton. Para o ex-conselheiro de Segurança Nacional da administração Trump, o mais seguro seria abrir um canal de comunicação com o grupo de Biden para que o Brasil não se isolasse (ainda mais?) no cenário político internacional.

O que o Brasil perde? Além de trânsito político também compromete negócios na casa dos bilhões. Não custa lembrar que a política predatória do governo Bolsonaro garantiu o fracasso precoce do acordo entre Mercosul e União Europeia. O antagonismo fajuto ao Partido Comunista Chinês pode estar por trás da suspensão da importação de carne bovina de sete frigoríficos por aquele que é nosso principal parceiro comercial. A gestão delinquente no trato da pandemia não pegou bem e o turismo e exportações podem ser ainda mais comprometidos. As ameaças contra a democracia criam insegurança e institucionalizaram a debandada de investimentos estrangeiros. Por fim o Comitê de Comércio da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos emitiu carta no mês de Junho negando qualquer apoio ao acordo comercial entre aquele governo e o Brasil por conta da política ambiental. O também ex-embaixador Rubens Ricupero foi categórico: “Todas as questões ligadas a comércio são tratadas nesta comissão, e ela é absolutamente fundamental para qualquer acordo, inclusive para poder dar uma licença para começar a negociação. Achei muito impressionante a carta, que praticamente liquida qualquer tipo de tentativa de um acordo com o Brasil, porque os democratas dominam a Câmara”. O pessoal do agro começa a ficar desapontado com Bolsonaro, já que eles não se alimentam de narrativas messiânicas…

Mesmo que Biden seja amistoso Jair pode perder. Seu grupo político se estruturou em torno do messianismo político da ascensão da direita (extrema-direita, que fique claro) como fenômeno quase espiritual de restauração de valores tradicionais e neutralização de adversários ideológicos. A prova de divindade se baseava em um suposto destino manifesto ilustrado por exemplos de luta ideológica em diversos países do mundo, onde as forças do bem e do mal concorriam pelo poder e a direita triunfava como uma fênix restaurando a velha ordem. Não custa lembrar: Bolsonaro é aquele que lamentou o não fuzilamento de um presidente que privatizou algumas estatais, que se referiu a Hugo Chávez como “uma esperança para a América Latina”. Se agora ele entrega tudo a preço de banana para os americanos como no caso das condições especiais em troca de uma simples promessa de apoio na OCDE e aceita calado ser mencionado como mal exemplo no combate a pandemia pelo próprio Trump a razão é bem simples: seu curral ideológico precisa desta vitamina, e para se manter no poder Bolsonaro não irá pensar duas vezes antes de proporcionar a eles o que representa a desgraça diplomática para o Brasil.

Pela primeira vez na história brasileira a antes qualificada política externa brasileira se limitou a macaquear os americanos e a entregar a eles as joias da casa, algo inédito até mesmo se comparado com o Regime Militar. Inspirados pela ideologia de Olavo de Carvalho, o trio formado por Jair, pelo assessor da presidência Filipe G. Martins e o chanceler cruzadista (e ex-dilmista) Ernesto Araújo transformaram o Itamaraty em anexo G do governo de Washington. A associação automática com os Estados Unidos servia a Trump de forma material e a Bolsonaro de forma espiritual, já que rivalizava com a política externa do lulopetismo de aproximação com governos latino-americanos e africanos e supõe a defesa dos tais valores do ocidente judaico-cristão. Se nesta dinâmica o estado brasileiro cumula prejuízos, isso pouco importa aos bolsolavistas e sua lógica de poder esotérica/miliciana. O grupo não tem como norte o bem-comum e as questões de Estado, se for pedido as almas viventes em troca do proselitismo do grupo eles entregarão sem pestanejar. O que será um desafio político é como os fanáticos bolsonaristas interpretarão a derrota do ungido do Norte para um progressista que serviu como vice daquele negro com nome de árabe. Elaborar uma explicação certamente exigirá muito dos sacerdotes do Bolsolavismo.

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Eric Balbinus de Abreu
Vértice

Bacharel em R.I, pós-graduado em Ciência Política e cursando MBA em Desenvolvimento Sustentável. Centrista e Corintiano, claro.