O legado de Chadwick Boseman, o Pantera Negra, para a representatividade negra

André Valeriano
Vértice
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5 min readAug 29, 2020

O ator morreu na última sexta-feira (28) em casa, nos Estados Unidos, vítima de um câncer

Chadwick Boseman como Pantera Negra (2018) — Foto: Reprodução/Marvel

O ator Chadwick Boseman morreu em casa na noite desta sexta-feira (28) aos 43 anos de idade, vítima de um câncer de cólon diagnosticado em 2016. A notícia da morte veio em uma publicação em suas redes sociais feita pela sua família. Conhecido internacionalmente por interpretar no cinema o super-herói Pantera Negra, a morte de Boseman chocou milhões de pessoas na internet, além de colegas de trabalho, famosos e autoridades.

“É com imensurável pesar que confirmamos a morte de Chadwick Boseman. Chadwick foi diagnosticado com câncer de cólon de estágio 3 em 2016, e lutou contra ele nestes últimos quatro anos conforme progrediu para estágio 4", informou a família do ator em seu perfil no Twitter.

Publicação da morte do ator em sua conta oficial no Twitter.

“Um verdadeiro lutador, Chadwick perseverou por tudo, e trouxe a vocês muitos dos filmes que tanto amam. De ‘Marshall: Igualdade e Justiça’ a ‘Destacamento Blood’, ‘Ma Rainey’s Black Bottom’ de August Wilson e muitos mais, todos foram gravados durante e entre incontáveis cirurgias e quimioterapia. Foi a honra de sua carreira trazer à vida o rei T’Challa em ‘Pantera Negra”, completa a nota.

A Marvel Entertainment, criadora de tantos heróis e sucessos no cinema, incluindo o Pantera Negra, se pronunciou em sua conta no Twitter dando condolências aos familiares e homenageando o ator.

“Nossos corações estão partidos e nossos pensamentos estão com a família de Chadwick Boseman. Seu legado viverá para sempre. Descanse em paz”, diz a empresa.

O piloto inglês e o único negro do grid da Fórmula 1 com 6 títulos mundiais, Lewis Hamilton, homenageou Boseman após marcar a pole position para o grande prêmio da Bélgica que será disputado neste domingo (30).

“Eu quero dedicar esta pole a Chadwick. O que ele conquistou e o legado que deixou é incrível para mim. Ele inspirou uma geração inteira de jovens negros e deu-lhes um verdadeiro super-herói para admirar. Descanse em paz, meu amigo.”, diz Hamilton em uma publicação em sua conta no Twitter.

O pitolo inglês homenageou o ator com o icônico gesto “Wakanda foverer”.

Mesmo doente, isso não foi um empecilho para que o Chadwick Boseman atuasse em alto nível em diversos filmes ao longo dos últimos quatro anos e causasse um impacto significativo na vida de crianças, jovens e adultos negros em todo o mundo.

Trecho do programa americano “The Tonight Show”, onde pessoas negras davam depoimentos sobre a importância do filme “Pantera Negra” para elas e eram surpreendidas pela aparição do ator.

Sua história vai muito além do que mera atuações em filmes, tendo uma intima ligação com a questão racial e representatividade. Seu primeiro destaque foi ao protagonizar o filme “42: A História de uma Lenda” (2013).

Chadwick Boseman interpretou o jogador de baseball Jackie Robinson no filme “42”; na foto, ator posa na premiere do filme em 2013 — Foto: Chris Pizzello/Invision/AP

O filme que é baseado em fatos reais, o ator interpreta o jogador americano de beisebol Jackie Robinson, considerado o maior de todos os tempos e, em 1947, tornou-se o primeiro negro a entrar para um time da principal competição dos Estados Unidos, a Major League Baseball, no auge das políticas de segregação racial no país.

Mas o seu papel mais memorável e o que catapultou ao estrelato foi no filme “Pantera Negra” (2018), interpretando o herói e rei de Wakanda, T’challa. Criado na década de 1960, o Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro dos quadrinhos americanos. Porém, pouco conhecido do público geral, acostumado com super-heróis brancos como Batman, Superman, Homem de Ferro e dentre outros.

Isso mudou com a sua primeira aparição no filme “Capitão América 3: Guerra Civil (2016)”, da Marvel Studios, e posteriormente no seu próprio filme solo “Pantera Negra” (2018), tornando-se não só um sucesso de bilheteria, arrecadando US$ 1 bilhão em todo o mundo, mas também um marco no cinema pela questão da representatividade negra, ganhando três Oscar, além de ser o primeiro longa de super-herói na história a ser indicado ao prêmio de melhor filme.

Chadwick Boseman, de ‘Pantera Negra’, na premiação do Oscar em foto de março de 2018 — Foto: Jordan Strauss/Invision/AP, File

Pantera Negra foi além de um mero filme de super-heroi, trazendo discussões bastante atuais e importantes para nossa sociedade como a inclusão social, o racismo, dívida histórica, tudo isso em um filme “blockbuster” que trazia como ambientação a África, suas raízes e cultura através do fictício reino de Wakanda.

Trecho do filme “Pantera Negra” (2018) — Foto: Reprodução/Marvel

Milhões de pessoas negras puderam não só conhecer o super-herói, mas também sentiram-se identificadas e representadas pelo personagem, além do dilemas levantados pelo filme como a luta contra o racismo, a herança histórica do colonialismo e da escravidão que ainda persistem contra a população negra e seus descendentes até hoje.

Crianças negras que não tinham um super-herói da mesma cor e lidavam com uma certa rejeição nas rodas de amigos em brincadeiras por não se parecerem com o Batman, com o Superman, o Capitão América e outros heróis brancos agora tinham uma figura para se sentirem representadas, inclusas e empoderadas, graças ao trabalho e entrega de Boseman que deu vida ao herói no cinema.

Reação de crianças da Ron Clark Academy, nos Estados Unidos ao saberem que vão assistir o “Pantera Negra” no cinema.

Boseman foi responsável por liderar uma importante e necessária revolução na indústria cinematográfica, mostrando que a representatividade é sim uma pauta que não se reduz a um nicho específico, mas sim a milhões de pessoas e com possibilidade inspirar outras por gerações. O ator sabia disso e mesmo lutando contra o câncer, não deixou de atuar e impactar toda uma população de crianças, jovens e adultos negros com o seu trabalho.

Sua morte é sentida ainda mais em um momento que afloram ao redor do mundo movimentos antirracistas como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam em tradução livre) após sucessivos atos de abusos policiais brancos contra negros, como o caso mais emblemático do assassinato de George Floyd por policiais brancos nos Estados Unidos.

Boseman deixa o mundo e milhões de fãs ainda jovem, mas seu legado permanecerá vivo, dando voz, rosto e protagonismo a toda uma população que antes lhe era arrogada o papel de coadjuvante quando não subalterna.

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André Valeriano
Vértice
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Jornalista, palmeirense, sonhador, defensor da liberdade e careta nas horas vagas.