Site bolsonarista publica desinformação sobre desmatamento na Amazônia e aquecimento global

André Valeriano
Vértice
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7 min readAug 21, 2019

Com o desgaste do governo do presidente Jair Bolsonaro a respeito da questão ambiental, site diz de forma falsa que o desmatamento não causa o aquecimento global

Desmatamento e restos de queimadas em florestas na Amazônia — Foto: Bloomberg

Em meio a polêmicas em relação aos dados de diversos institutos de pesquisa a respeito do avanço do desmatamento na Amazônia e agora com as queimadas de florestas em Rondônia, o site pró-governo Bolsonaro Conexão Política, com mais de 200 mil seguidores no Twitter, publicou um texto intitulado “O desmatamento na Amazônia não afeta o aquecimento global”, de autoria de um perfil anônimo do Twitter.

Como o título bem diz, o texto busca demonstrar, se utilizando de informações imprecisas, teorias conspiratórias e de negacionismo a respeito das mudanças climáticas, que o desmatamento da floresta amazônica não seria responsável pela elevação da temperatura média do planeta e justifica ao dizer que “a real repercussão do desmatamento da Amazônia sobre o aquecimento global é, aparentemente, nula”.

O texto diz ainda, em tom conspiratório, que a pauta ambiental e a defesa do meio ambiente “transformou-se em uma espécie de neocomunismo e faz parte das pautas globalistas, como o aborto, ideologia de gênero, feminismo, etc.” Com base neste texto que foi amplamente compartilhado pela rede de apoiadores do governo, foi checado algumas falas e levantado dados comprobatórios, demonstrando que o desmatamento da floresta amazônica contribui para as mudanças climáticas e ao aquecimento global.

Machete do texto publicado no site Conexão Política, que serve como mídia do bolsonarismo — Foto: Reprodução

A primeira alegação do texto é justificar que o planeta e toda forma de vida contida nele depende de gás carbônico (CO2). Apesar de correta a afirmação, ela é imprecisa pois o CO2 é um dos gases causadores do efeito estufa, responsável por reter o calor vindo dos raios solares na superfície da Terra. A medida em que mais CO2 é emitido na atmosfera, parte dos raios solares que eram refletidos para o espaço em forma de radiação ultravioleta acabam permanecendo no Terra, o que agrava o efeito estufa, gerando o aumento da temperatura no planeta.

Além da emissão de gases do efeito estufa — como o próprio CO2 e o gás metano (CH4) por poluentes — o desmatamento contribui significativamente para as mudanças climáticas. Uma pesquisa da mais conceituada revista científica, a Nature, revela que o aumento do desmatamento em Rondônia acarretará períodos prolongados de secas nas regiões de floresta, o que impactará na agricultura e na vegetação nativa com a falta de chuva.

Em outro estudo publicado pela revista, cientistas alertam que o aumento do desmatamento de florestas tropicais, como a Amazônia, intensificará o processo de aquecimento global do planeta, independentemente da redução de emissão de CO2 na atmosfera. O estudo mostra, com base em cálculos e projeções feitos por computador que se todas as florestas fossem desmatadas, a Terra estaria em média 1ºC mais quente do a temperatura média atual, criando um desequilíbrio climático e ambiental em todo o mundo.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), de 1990 e 2015, a área da Terra coberta por florestas caiu de 31,6% para 30,6%. A ONU aponta em sua pesquisa que o desmatamento é a segunda maior causa das mudanças climáticas, ficando atrás apenas da queima de combustíveis fósseis.

De acordo com a Organização, aproximadamente 20% das emissões de gases do efeito estufa são causadas pelo desmatamento. Portanto, com a derrubada de florestas que absorvem cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2 ao ano, mais gases do efeito estufa são enviados à atmosfera e com menos áreas verdes, menos gás carbônico é absorvido, aumentando a poluição do ar e o aumento da temperatura.

Logo depois, o texto do site bolsonarista cita a China como exemplo de país campeão de poluição que, em tese, não sofreria das mesmas pressões internacionais sobre diminuição de gases poluentes e do desmatamento de florestas. O país asiático é de fato, o que mais emite gás carbônico no mundo, sendo responsável por quase um terço do total global de emissões.

Porém, a China tem implantado uma política de redução de emissão de poluentes e se comprometeu, conforme previsto no Acordo de Paris, a reduzir as emissões de carbono por unidade do PIB entre 60% e 65% até 2030, com relação aos seus níveis de 2005. Em 2017, o país asiático tinha reduzido em 46% as emissões de carbono por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) com relação a 2005, alcançando antes do previsto o objetivo fixado entre 40% e 45% para 2020. De acordo com pesquisadores da China, do Reino Unido e dos Estados Unidos, as emissões de CO2 do país diminuíram entre 2014 e 2016, totalizando uma queda de 4,2% no período.

Essa diminuição na emissão de gases poluentes tem relação com a mudança estrutural que a China tem adotado em sua matriz energética, além do país já liderar a lista de nações que investem em energias renováveis, chegando ao valor US$ 132,6 bilhões, segundo a Agência Bloomberg.

Tabela mostra listas de países que mais investem em energias renováveis no mundo — Fonte: Bloomberg

Outro fator que pesa a favor do país asiático é o seu programa de reflorestamento do território. Entre 1990 até 2016, a China saltou de 16% para 22% de áreas florestais em seu território, enquanto o Brasil caiu de 65% para 58% no mesmo período, segundo dados do Banco Mundial. De 1999 até 2013, a China reflorestou 28 milhões de hectares, área equivalente à do estado de Alagoas. Portanto, a China tem reduzido suas emissões de poluentes e reflorestado seu território em um ritmo acelerado nos últimos anos, o que não está ocorrendo no Brasil.

Em seu periódico, a revista inglesa The Economist publicou um artigo em que destaca o aumento do desmatamento na Amazônia. Segundo a revista, desde os anos 1970, quase 800.000 km² dos 4 milhões de km² da floresta amazônica foram desmatados para exploração de madeira, agricultura, mineração e outras formas de desenvolvimento.

De acordo com dados do INPE, o desmatamento na Amazônia legal subiu 8,5% em 2018 em relação ao ano anterior, com 7.536 km2 de área desmatada segundo o último relatório. Os dados mostram que a partir de 2013 houve um aumento no desmatamento da Amazônia Legal após sucessivas quedas a partir de 2005.

Taxa de desmatamento anual na Amazônia Legal (km²) Fonte: INPE

O avanço do desmatamento da floresta amazônica, segundo um editorial publicado pela revista Science Advances, pode alcançar um patamar irreversível, ou seja, de que a floresta deixe de se sustentar e perca sua biodiversidade, fenômeno descrito como “ponto de inflexão”.

Metade das chuvas na Amazônia é gerada pela própria floresta, segundo aponta o editorial da revista. Com a perda de umidade devido ao avanço do desmatamento, cientistas especulam que esse ponto de inflexão chegue até 40% da floresta desmatada, o que está muito próximo de ocorrer, segundo a própria Science Advances.

Se alcançar esse patamar, ecossistemas e dezenas de milhares de espécies ameaçadas de extinção na Amazônia seriam extintas. Segundo a própria The Economist, “a devastação mudaria os padrões climáticos em grande parte da América do Sul e liberaria na atmosfera dezenas de bilhões de toneladas de carbono, piorando o aquecimento global”. Períodos de secas seriam mais intensos em toda a América do Sul, ocasionando o aumento da temperatura no continente.

Por último, O texto do portal pró-Bolsonaro tenta desqualificar as provas de que o aquecimento global não seria causado pela ação humana. Porém, os indícios de que o aquecimento global seja causado pelo homem atingiram um nível de certeza “padrão ouro”, o mesmo aplicado para confirmar a descoberta da partícula subatômica conhecida como bóson de Higgs, um dos principais componentes do universo, segundo cientistas.

As evidências mostram que o aumento da temperatura no planeta é causado pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento, conforme dizem cientistas climáticos em artigo na Nature, reportado pela Reuters.

Apesar da clara desinformação apresentada pelo site bolsonarista, não é a primeira vez que o portal publica informações dúbias e corrobora com discursos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. O site já fez inúmeras publicações defendendo e reportando matérias escritas por outro site pró-bolsonarismo, Terça-Livre, notório portal que já fez inúmeros ataques a jornalistas e com histórico de publicações de informações falsas e distorcidas.

O site Conexão Política possui relações bem próximas com outro site notório do bolsonarismo, o Terça-Livre — Foto: Reprodução

Já o perfil anônimo “Isentões”, autor do texto de que o desmatamento não causaria o aquecimento global, possui quase 100 mil seguidores no Twitter e já chegou a ser derrubado pela própria rede social.

Perfil anônimo no Twitter “Isentões” possui 100 mil seguidores no Twitter — Foto: Reprodução/Twitter

Contudo, os filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que é investigado no caso Queiroz, e o vereador Carlos Bolsonaro, divulgaram o perfil em suas contas oficiais no Twitter, alegando que a rede social o teria derrubado sem fundamentos.

Os filhos do presidente Jair Bolsonaro, Flávio e Carlos, divulgaram o perfil pedindo para que apoiadores do governo o seguissem — Foto: Reprodução/Twitter

A checagem foi feita após envio do material por meio de usuários da internet e todas as fontes citadas podem ser acessadas também por meio de hyperlink inseridos no corpo do texto.

Referências:

Nature (fontes 1, 2 e 3)

Agência Fapesp

Banco Mundial

The Economist (fontes 1, 2 e 3)

Science Advances

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

Organizações das Nações Unidas (ONU)

Ecycle

Reuters

Época

Deutsche Welle

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André Valeriano
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Jornalista, palmeirense, sonhador, defensor da liberdade e careta nas horas vagas.