ERA DA OCUPAÇÃO ORGOTH

Douglas Lomar
Reduto do Bucaneiro
29 min readFeb 25, 2021

A invasão dos orgoth através do Meredius e o longo período da sua ocupação mudaram para sempre esta região e tiveram um impacto drástico na sua história. Essa era sombria durou oito séculos, mas é dividida em três períodos distintos: os duzentos primeiros anos da invasão e submissão sangrenta, quatrocentos anos de ocupação e os tumultuados duzentos anos de rebelião que, por fim, expulsou os orgoth.

A INVASÃO ORGOTH

Os primeiros relatos que sobreviveram à invasão foram escritos por marinheiros caspianos que presenciaram a chegada dos navios negros em terras ocidentais. Nessa época, o Império de Khard ocidental já havia sido sitiado pelos orgoth. O império era, nessa altura, a maior potência de Immoren ocidental, mas não conseguiu retardar o avanço dessa ameaça estrangeira. Rumores de caos e derramamento de sangue ao longo das costas ocidentais do império começaram a chegar ao sul.

A gravidade da situação tornou-se mais clara quando os invasores atacaram Tordor em seguida. Mesmo assim, nenhum plano coerente de defesa comum foi considerado. Muitos pensaram que os estrangeiros deviam ter chegado ao seu limite com Tordor, cujo poderio naval era a inveja de Immoren ocidental, mas os navios negros dos invasores eram remados por homens com resistência sobre-humana e apoiados por velas que usavam um vento que parecia soprar apenas para elas. A grande Frota Fúnebre de Tordor navegou contra o inimigo e nunca mais voltou, com seus navios orgulhosos lutando até o último homem antes de afundar nas profundezas.

Os orgoth ampliaram seus ataques. Dezenas de navios negros atracaram em outras praias, derramando guerreiros sanguinários. De comportamento feroz e implacáveis na guerra, os orgoth vestiam armaduras e empunhavam armas adornadas com inúmeras formas uivantes. A habilidade marcial dos orgoth foi confirmada no início destas batalhas, mas eram os seus poderes mais sombrios que aumentavam o terror de seus ataques nos relatos dos sobreviventes. Os governantes de cada reino livre olharam para suas próprias defesas e assistiram à queda de seus vizinhos, na esperança de evitar o mesmo destino. Todas as tentativas de negociar com os invasores foram respondidas com o retorno das cabeças decapitadas dos emissários.

Em uma era na qual o povo de Immoren ocidental tinha pouca exposição ao arcano além dos milagres invocados pelos sacerdotes, os orgoth usavam poderes terríveis que não tinham sido vistos desde o tempo de Morrdh. Entre os orgoth havia as bruxas de guerra, sereias que invocavam chamas verdes e causavam chuvas de sangue que derretiam a carne. Ao lado de seus soldados, marchavam abominações mortas-vivas distorcidas chamadas de pavores, cadáveres desfigurados com pernas de ferro. Nos campos de batalha, onde os senhores da guerra orgoth lutavam, eles levavam gaiolas com espinhos que coletavam os uivos e almas atormentadas dos feridos, usados para abastecer outros armamentos profanos. Foi sugerido que os orgoth procuravam abater e capturar almas para oferecer sacrifícios aos deuses sombrios que eles veneravam. Em troca, os orgoth pareciam abençoados com a invencibilidade, ou assim parecia, à medida que exército após exército era aniquilado.

Em 589 AR, embarcações fluviais a vapor enviadas por Thuria e Caspia começam a fazer ataques contra postos avançados orgoth, mas tiveram pouco sucesso. Nos próximos três anos, Caspia perderia a maior parte de suas posses ocidentais e os orgoth conquistariam tanto Thuria quanto a Terra do Meio. Os khards continuaram em sua luta desesperada, progressivamente empurrados para o leste, mas tanto Tordor quanto Thuria foram escravizados e colocados para trabalhar, construindo a primeira das muitas fortalezas orgoth. A partir delas, os governadores temíveis deste império estrangeiro supervisionariam seus territórios subjugados, acumulando recursos e escravos para enviar através do oceano. O Império de Khard caiu em 569 AR e Rynyr se rendeu em 542 BR. A submissão das Mil Cidades foi longa e sangrenta, sendo necessários dois séculos de lutas. Alguns reinos conseguiram resistir por décadas apenas para, no fim, serem subjugados. O que os orgoth tomavam, eles mantinham, colocando seus escravos para trabalhar em pedreiras ou em minas de ferro para erguer fortificações maciças. Elas serviriam como símbolos impenetráveis da dominação orgoth e como centros de sua administração.

No final, o único reino dos homens capaz de desafiar os orgoth e permanecer livre foi Caspia, embora ninguém se sentisse vitorioso à medida que as décadas passavam e os orgoth fortaleciam seu domínio sobre a região. Caspia foi forçada a se afastar de seus territórios externos e, em 433 AR, somente a Cidade das Muralhas escapou do domínio orgoth. A sensação de perigo era tão grande que, nessa época, as fés menita e morrowana colocaram suas diferenças de lado, com os protetores armados de ambas as fés lutando contra o inimigo. De fato, após o último rei de Caspia ser morto em batalha, os chefes de ambas as igrejas se colocaram como líderes e trabalharam para reunir o povo de Caspia. Foi em meio a essas situações desesperadas que o senhor da guerra orgoth Kolegzein IV enviou um mensageiro para Caspia, pedindo que esses líderes religiosos o encontrassem para negociar.

Acreditava-se que os orgoth, que nunca haviam enfrentado fortificações do tamanho da Cidade das Muralhas, poderiam estar sobrecarregados. Parecia provável que os caspianos consentissem com encontrar com os orgoth, no interesse de ganhar tempo para seus exércitos sitiados. Sem compreender que esse inimigo não possuía conceitos de honra em comum, o Primarca Morrowano Gallumus e o Hierarca Menita Sadron IV saíram em seu total esplendor para falar com o senhor da guerra orgoth.

Os líderes espirituais de Caspia foram capturados, apesar da bandeira de trégua, e arrastados até a vista das muralhas de Caspia, onde seus defensores observavam. O clérigo menita Garven Dratheus, que ficou no topo das muralhas e foi testemunha, escreveu as palavras ditas por Kolegzein:

Vocês são nossos. Suas mulheres, suas crianças não pertencem mais a vocês. Vocês pertencem a nós, cada respiração, cada gota de sangue, cada centímetro de pele. Cada lágrima, cada sorriso, cada osso quebrado, cada pingo de suor é nosso. Vocês são os escravos desta terra, que engordou por sua própria fraqueza. Considerem como um aviso o fato de que venho falar a vocês. Seus corpos em vida são nossos. Na morte, suas almas também pertencerão a nós.

Após este discurso, Kolegzein cortou as gargantas do primarca e do hierarca e bebeu seu sangue ainda quente. Seus corpos sangraram até secar e foram pendurados em forcas por cordas feitas com o cabelo dos sacerdotes de suas escoltas, à vista das muralhas de Caspia, até que seus ossos fossem limpos pelas aves carniceiras e caíssem na terra. A morte destes líderes espirituais não causou nenhuma manifestação sagrada, nenhuma destruição furiosa por parte de Menoth ou Morrow, e os defensores fraquejaram por trás das muralhas, pensando que seus deuses os haviam abandonado ou eram impotentes frente ao mal encarnado nos orgoth.

Enquanto os orgoth comprovavam sua supremacia sobre as religiões de Immoren ocidental, Caspia não cairia neste sítio ou nos seguintes. As suas grandes paredes e o empenho do seu povo mostraram ser muito difíceis de superar pela força das armas, mesmo combinada com suas táticas de terror. Suas muralhas insuperáveis poderiam proteger toda a sua marinha enquanto no cais, e sua guarnição era formidável. Privar Caspia de alimentos provou ser impraticável, com acesso ao rio e do golfo, e sua marinha mostrou ser capaz de defender a sua frota de pesca contra os navios negros. Caspia ainda conseguiu proteger as fazendas ao redor, aquelas mais próximas das muralhas altas. Ao invés de investir em uma ampla campanha para derrubar essa cidade, os orgoth criaram bloqueios tanto acima do rio quanto ao longo das estradas principais, limitando o acesso e o comércio com a região.

Caspia persistiria quase isolada pelos próximos séculos, com sua população cada vez menor e, em alguns anos, existindo em condições piores do que as das cidades conquistadas. Mais tarde, quando as sementes da rebelião foram plantadas, Caspia tornou-se um refúgio para aqueles que fugiam da dominação dos orgoth. A cidade se beneficiou do empenho e da coragem desses sobreviventes e seus descendentes.

OCUPAÇÃO

Com a exceção de Caspia, os tiranos orgoth mantiveram seu controle rígido sobre os reinos humanos durante quatro séculos. Esta é considerada a época mais negra da história de Immoren ocidental, um tempo sombrio no qual os avanços obtidos no fi nal da Era das Mil Cidades foram destruídos, esquecidos ou ficaram simplesmente indisponíveis para grande parte da população. Esta era foi um retrocesso para a inovação e avanço intelectual por séculos.

Devido às restrições severas ao longo da Ocupação, a reconstrução da vida sob o chicote orgoth foi difícil para os estudiosos modernos. Além disso, os orgoth destruíram a maior parte de seus próprios registros e, assim, entender seus objetivos e o relacionamento com sua própria pátria é quase impossível.

LIMITES DA INVASÃO ORGOTH

Embora os orgoth fossem formidáveis, eles não eram onipotentes. Mesmo quando tinham a maior parte de Immoren ocidental sob seu chicote de ferro, eles limitaram seus esforços aos herdeiros das Mil Cidades. As tentativas contra outras potências vizinhas tiveram menor sucesso.

Rhul foi criticado por sua neutralidade durante a ocupação, mas, do ponto de vista anão, havia pouca diferença entre esta guerra e as guerras humanas de unificação anteriores, como a ascensão do Império de Khard. A batalha chegou a Rhul em 542 AR, logo após a rendição de Rynyr. Os orgoth enviaram uma força de invasão até o Rio Negro para sitiar Forte Horgen, uma das grandes cidades fortificadas de Rhul. Os registros em Rhul retratam isso como uma luta triste e difícil, que testou os limites dos defensores e quase acabou com as forças locais. No fim, os guerreiros rhúlicos reuniram-se para expulsar os orgoth e os tiranos nunca mais sitiaram fortalezas rhúlicas.

É possível que a perda de uma frota considerável quatro anos depois tenha contribuído para a decisão dos orgoth de abandonar os ataques a Rhul. A primeira e maior das cidades orgoth construídas em solo immorês foi Drer Drakkerrung, na Ilha Garlghast. Foi a partir dessa fortaleza que os orgoth lançaram navios para expandir seus territórios, tomando as outras Ilhas Scharde. Isso colocou os orgoth contra o Império Cryxiano. Após uma frota de satyxis enviada para interceptar os navios orgoth ser aniquilada, Toruk levantou voo pela primeira vez em séculos para lidar pessoalmente com essa ameaça. Com fogo e presas, Toruk demonstrou a insensatez de invadir seus domínios, enviando toda a frota orgoth para as profundezas.

Esta seria a última vez que os orgoth desafiaram Cryx. Nenhuma incursão semelhante foi lançada contra Ios. As razões para isso são desconhecidas, mas aumentaram a mística desta nação aos olhos dos reinos dos humanos.

AMPLA ESCRAVIDÃO

Muitas das atrocidades cometidas pelos orgoth tornaram-se públicas nas primeiras décadas da ocupação, quando estavam envolvidos na conquista e estabelecimento do seu domínio. O apetite dos orgoth por escravos era vasto e eles claramente não viam a necessidade de tratar os prisioneiros com misericórdia ou cuidado. Usando uma força de trabalho escrava combinada com servos animados dos mortos, os orgoth rapidamente ergueram fortalezas enormes e templos em pedra negra. Eles conectaram estas fortalezas com uma rede de estradas pavimentadas. Embora o sangue de muitos inocentes fosse derramado nesse trabalho, essas rotas de comércio acabariam beneficiando os herdeiros da região, um dos poucos aspectos positivos da dominação orgoth.

Os vastos campos de escravos exigidos pelos orgoth eram miseráveis e desumanos, e a perda de vida nestes locais estava além dos números modernos. Casos claros da necromancia orgoth na coleta de almas e de corpos dos mortos davam um aspecto de horror sobrenatural para esses arranjos. Isto deixou um forte legado de ódio pela prática da escravidão que persistiria por muito tempo após a partida dos orgoth. Um grande número de escravos foi enviado através do Meredius até a pátria que gerou os orgoth. Não se sabe o que aconteceu com essas pessoas.

Como um sinal de como esses tempos eram horríveis, o povo encontrava conforto em lugares improváveis. O herói mais famoso a surgir na época da ocupação foi um homem chamado Aidan. Gatuno e ladrão de túmulos, Aidan se tornou famoso por enganar as autoridades orgoth. Por duas vezes ele foi capturado e escapou de seus grilhões. Ele evitou os orgoth durante anos, inspirando inúmeros contos. Sua morte através da traição resultou na ascensão negra de Aidan em 344 AR, se juntando a Thamar na fuga final da escravidão terrena. Embora poucos tenham obtido sucesso em seguir seu exemplo, seu culto experimentaria um ressurgimento durante a rebelião nos séculos futuros.

Mesmo com toda essa opressão, assim que os orgoth pacifi cavam uma região, se comportavam de forma quase indulgente. Eles exigiam a obediência absoluta dos povos conquistados, mas não era seu hábito gerenciar o cotidiano dos conquistados. Durante grande parte desta época, os orgoth se mantiveram separados dos immoreses. Pode ter existido um forte tabu entre os orgoth com relação à miscigenação com aqueles que haviam sido subjugados, já que a mistura de linhagens immoresas e orgoth era muito rara.

Durante a maior parte da Ocupação, os immoreses foram autorizados a continuar a praticar a sua fé e a manter outras tradições. Apesar de muitas igrejas e templos terem sido destruídos durante a invasão, os orgoth permitiram que eles reconstruíssem e comparecessem às missas. Os invasores não procuravam disseminar a sua própria fé, que eles mantiveram para si mesmos.

O período de submissão foi especialmente prejudicial para o Templo de Menoth. As declarações de autoridade da casta dos sacerdotes tornaram-se vazias perante os tiranos que governavam e que claramente não estavam nas graças do Criador. Por outro lado, a mensagem morrowana continuou a se espalhar e suas igrejas e padres mais humildes eram vistos como um conforto para os oprimidos. Nos anos posteriores, a mensagem de Thamar ajudaria a acender um espírito de indignação e revolta, transformando sentimentos anteriormente dirigidos ao clero menita para os orgoth. Este período veria os morrowanos se tornarem a maioria enquanto que a fé menita diminuía, especialmente no sul.

Com o desdém dos orgoth pela governança, a vida na região ressurgia com uma aparência de normalidade, com novas cidades construídas e os negócios retomados entre elas. O transporte era uma área rigorosamente controlada pelos orgoth, com a maioria dos navios a vapor desmontada e destruída, uma tecnologia que os orgoth não queriam adotar ou entender. O mesmo era verdade para o transporte ferroviário, com apenas algumas faixas utilizadas por vagões de mineração sendo preservadas. Os orgoth inspecionavam aqueles que viajavam de uma região para outra, exigindo documentos com selo que autorizassem o comércio. Corvis é um exemplo de uma cidade construída no início desta época, situada de modo que o governador orgoth local poderia regular e controlar todo o tráfego do rio que passa por esta rota comercial vital. Um legado duradouro da administração e burocracia orgoth seria a divisão de Immoren ocidental em quartos. Isto moldou o surgimento posterior dos Reinos de Ferro, uma vez que estas regiões acabariam por criar um senso de identidade.

Muitas regiões locais eram governadas por colaboradores indicados pelos orgoth. Especialmente nos dois primeiros séculos da Ocupação, a classe privilegiada era formada por aqueles que colaboravam voluntariamente com os tiranos. A mulher que se tornaria a Ascendida Rowan nasceu em uma dessas famílias, levando uma vida de privilégios até perceber o sofrimento causado aos cidadãos comuns que eles dominavam. Rowan renunciou a toda a riqueza e deu sua vida para aliviar o sofrimento e tornar a vida mais confortável para as massas. Através dos seus esforços, que incluíram apelos apaixonados que envergonhavam outras famílias colaboradoras para que entregassem seus confortos, as vidas de milhares de pobres e escravizados immoreses foram poupadas, e ela ascendeu em 289 AR, depois de ter atingido a iluminação através de seu sacrifício. Rowan se tornou, de longe, a ascendida mais popular durante a era da ocupação e o seu exemplo causou a conversão de muitos menitas.

O exame dos registros de administradores colaboracionistas que tabulavam a distribuição de escravos sugere que os governadores orgoth passaram a ter um contato menos frequente com sua terra natal depois de 190 AR. Escravos e materiais enviados para o oeste através do Meredius tiveram uma redução substancial, assim como os recém-chegados do oeste para reforçar aqueles que estavam em Immoren. Isso pode ter representado um período no qual os governadores orgoth locais estavam agindo de forma independente de seu império natal. A mudança da visualização do território conquistado como um domínio permanente pode ter sido o que levou a medidas tomadas pelos orgoth para reprimir as religiões immoresas, onde a resistência ao seu governo persistia com maior força. Perto do fim da era da Ocupação, os orgoth começaram a usar medidas repressivas. Nos círculos ocultistas, acredita-se que o pressentimento divino da perseguição religiosa pode ter levado ao Dom, um dos eventos mais importantes e menos compreendidos desta era.

O DOM DA MAGIA

Antes dos orgoth, os humanos de Immoren ocidental tiveram uma exposição limitada ao arcano, principalmente por meio das orações e dos ritos de sacerdotes e xamãs. A aplicação da magia como uma ciência separada da divindade era impensável. Os orgoth e os senhores de Morrdh foram os únicos grupos que manifestaram tais poderes místicos. As únicas outras figuras históricas que estudaram estes assuntos foram Thamar e suas proles, cada um difamado por se envolver com o conhecimento proibido.

Não é à toa que o súbito aparecimento de magia entre os immoreses tenha sido recebido com medo. No entanto, sem magia, é possível que os immoreses nunca tivessem a oportunidade de superar os seus opressores. O surgimento repentino do poder arcano é conhecido como o Dom, muitas vezes chamado de Dom da Magia, o Dom da Feitiçaria ou o Dom de Thamar, uma vez que o surgimento do arcano está ligado à gêmea de Morrow.

As ramificações teológicas do Dom têm sido objeto de intenso debate nos corredores de templos, igrejas e universidades. Os menitas consideram o Dom como um ato de traição contra o Criador e responsabilizam os dois gêmeos por esta violação da tutela de Morrow sobre a humanidade.

Seja qual for a fonte deste poder, em 137 AR, a primeira feiticeira conhecida nasceu, uma jovem chamada Madruva Dagra, que manifestou a capacidade de lançar fogo de suas mãos quando irritada. Defendendo suas irmãs de soldados orgoth, ela conseguiu matar três deles antes de fugir para a floresta de Olgunholt. Em retaliação, os orgoth mataram toda a sua linhagem, mas isso não impediu que mais feiticeiros aparecessem em todo Immoren ocidental nos anos seguintes. Onde quer que eles aparecessem, os orgoth respondiam de forma semelhante, destruindo a linhagem e incendiando os lares. Esta reação foi tão rápida e brutal que parecia medo e sugeria uma familiaridade com o despertar arcano.

Compreende-se agora que os feiticeiros eram apenas um sintoma de uma mudança radical em todos os immoreses — o desbloqueio do potencial arcano em todos os seres humanos. Embora a maioria levasse vidas normais, esse poder estava adormecido neles e alguns poucos excepcionais tinham uma ligação tão forte com essa fonte de poder que manifestavam a feitiçaria espontaneamente. Outros nasciam com o potencial de trabalhar a magia, mas precisavam de treinamento e esforço para dominar o Dom. Mesmo aqueles que não podiam utilizar o arcano poderiam passar que a capacidade para seus filhos. O surgimento deste potencial provou ser altamente imprevisível, o que significava que era impossível que os orgoth o eliminassem.

Não muito tempo depois, surgiu um número de estudiosos valentes e brilhantes que começaram a fazer um estudo sistemático do arcano. O mais notável foi um gênio chamado Sebastien Kerwin. Ele foi o primeiro a postular as metodologias que dariam origem aos arcanistas subsequentes, teorizando que a magia era um tipo de energia sobrenatural sensível à vontade inteligente. Em 96 AR, ele publicou suas Dissertações sobre a formulação taumatúrgica, um estudo de como a magia pode ser controlada com o uso de fórmulas compostas de runas especiais.

Kerwin escreveria uma série de outras obras que lançaram as bases para essa nova ciência arcana, incluindo A essência da magia divina, em 90 AR, Principia arcana magus, em 73 AR, e o mais importante, Síntese, em 64 AR. Arcanistas modernos consideram que Síntese talvez seja o texto mais importante já escrito, uma vez que, em suas páginas, Kerwin teorizou os mecanismos pelos quais a alquimia capturava e armazenava a energia arcana. Ao trazer sistemas metódicos empregados no estudo arcano para alquimia, este livro revolucionou o que era possível naquele campo, até então dominado pela tentativa e erro. Mais significativamente, este trabalho lançaria as bases para a mekânica, um campo relacionado pelo qual a engenharia e o arcano poderiam ser combinados. Muitas das possibilidades sugeridas pelo seu trabalho não chegaram a ser concretizadas até séculos após a morte de Kerwin.

IMPLICAÇÕES COSMOLÓGICAS DO DOM

Pouco se sabe sobre a origem do Dom. Estudiosos do oculto que desenterraram registros deste período e estudaram os escritos de Thamar e de suas proles acreditam que o Dom pode ter exigido um acordo entre a deusa e os poderes infernais. Os infernais são entidades misteriosas, mas imensamente poderosas, que moram além de Caen e Urcaen. Seu objetivo é adquirir almas mortais, que eles usam para fins inescrutáveis. Os infernais são suposta e prodigiosamente versados no arcano, e alguns acreditam que os “deuses negros” dos orgoth eram infernais de ordem superior.

O conhecimento thamarita contém uma história apócrifa para explicar o Dom. Neste conto, Morrow é mostrado como um profeta ocupado em observar o futuro, onde ele vê a extinção definitiva da sua fé nas mãos dos orgoth. Enquanto Morrow se preocupava, Thamar entrou em ação. Ela decidiu que fortalecer a humanidade lhes permitiria resistir aos opressores e informou seu irmão que tinha uma solução. Olhando para o futuro, seguindo o fio possível graças a sua irmã, Morrow viu a luz da esperança. Por isso, consentiu com o plano dela, ainda que evitando o conhecimento sobre a sua natureza exata.

Mesmo nessa fábula, o custo real do Dom não é descrito, embora seja sugerido em outro lugar que os immoreses pagarão um grande valor em nove séculos. Essa profecia sobre um destino vago ligado a uma dívida remanescente continua a ser um tema popular do folclore e da superstição.

O CÍRCULO DO JURAMENTO

Os orgoth nunca se preocuparam em reprimir a alquimia, considerando-a irrelevante. Kerwin e seus devotos perceberam que seu trabalho poderia reverter isso e despertar a suspeita dos tiranos. Eles implementaram uma série de esforços pelos quais poderiam se comunicar em segredo. Esses se tornaram as primeiras sociedades arcanas, como a Academia dos Arcanistas, fundada em 81 AR. A primeira sociedade secreta oculta desta época foi o Círculo do Juramento, que pode ter existido logo em 150 AR como um pequeno secto de thamaritas que receberam presságios do Dom e se prepararam, reunindo conhecimentos ocultos. Kerwin e seu grupo se uniram formalmente a essa confederação em 67 AR e mudaram seu foco para a exploração sistemática do arcano.

Isso ocorreu pouco depois de vários atos de rebeldia contra os orgoth, incluindo um ataque em 69 AR feito por Dominic Cavanaugh, um discípulo de Kerwin, para resgatar mais de trezentos escravos thurianos. Os orgoth caçaram os responsáveis e os mataram. Os orgoth acreditavam que a Igreja de Morrow era responsável por essa revolta e cometeu uma das mais brutais represálias deste período: o Massacre do Vicariato. Os sacerdotes líderes de Fharin foram assassinados e a violência se espalhou pelas cidades vizinhas. Até o final do ano, mais de quinhentos sacerdotes morrowanos foram executados.

Essas represálias tiveram o oposto do efeito desejado em Kerwin e seus seguidores. O Círculo do Juramento se tornou tão dedicado a trabalhar contra os orgoth quanto ao refino dos princípios arcanos. Infelizmente, o desejo de disseminar o conhecimento arcano facilitou a descoberta desta cabala pelos espiões orgoth, na cidade thuriana de Ceryl. Os orgoth lançaram um ataque em 63 AR, que culminou em uma batalha campal onde Kerwin foi morto, embora não antes de aniquilar centenas de orgoth na mostra mais destrutiva da magia formalista até aquele momento. O corpo de Kerwin nunca foi recuperado.

Em um esforço para garantir que o conhecimento adquirido pela ordem não fosse perdido, Agathius Nerrek, o mais poderoso discípulo de Kerwin, assumiu o controle da ordem e, nos anos seguintes, criou esconderijos em Thuria, Tordor, Terra do Meio e Rynyr. Os orgoth iniciaram as assim chamadas Caças aos Magos, em 54 AR, e mataram centenas de arcanistas, destruindo o Círculo do Juramento. No entanto, os esforços da ordem conseguiram difundir os ensinamentos de Kerwin. A Ordem do Crisol Dourado foi fundada em 25 AR por sobreviventes que tentavam ocultar seus propósitos sob a cobertura da alquimia simples. Quando o espírito de rebelião começou a acender e se espalhou, a Ordem do Crisol Dourado teve um papel fundamental em armar aqueles corajosos o suficiente para desafi ar os seus opressores.

O DILACERAMENTO

Enquanto o Dom da Magia fornecia as armas necessárias para os humanos de Immoren ocidental resistirem aos orgoth, este evento coincidiu com uma terrível tragédia em Ios. Em 140 AR, três anos antes da descoberta da primeira feiticeira humana, a sociedade iosana foi jogada em desespero pelo Dilaceramento. Neste ano, sem nenhum motivo aparente, a maioria dos sacerdotes de Ios foi levada à loucura. Alguns se mataram, uns cometeram assassinato ou outras depravações, e outros arrancaram os olhos e correram pelas ruas uivando e gritando. Esta erupção de insanidade causou caos e tumultos no reino.

Posteriormente, foi determinado que estes sacerdotes foram arrebatados por visões estranhas e perderam sua conexão com o divino. A conclusão foi inevitável: algo tinha acontecido com os deuses da Divina Corte durante seu êxodo. Os sacerdotes da deusa Scyrah escaparam do Dilaceramento praticamente intactos, sofrendo as versões mais leves de demência e mantendo a capacidade de manifestar pequenos milagres pela oração. Isto foi explicado quando Scyrah voltou, sozinha, em 34 AR. Ela não falou e caiu em um sono profundo ao entrar no templo em Shyrr, sem dar explicações quanto ao destino dos outros deuses.

Isto continuaria a ser um mistério, mas certas seitas radicais, como a Retribuição de Scyrah, veriam o acontecimento simultâneo do Dilaceramento e do Dom como algo além de mera coincidência. Isto levou à crença de que as origens da magia humana estavam diretamente ligadas aos Desvanecidos, como os deuses desaparecidos eram conhecidos. Não houve nenhuma prova de uma conexão, mas os membros da Retribuição não precisam de uma. A crença na culpa humana se tornaria o principal motivo para os caçadores de magos da Retribuição, que se sentem levados a matar os arcanistas humanos.

REBELIÃO CONTRA OS ORGOTH

Mais do que tudo, foi a interferência dos orgoth na religião organizada que criou uma atmosfera propícia para a rebelião. O Massacre do Vicariato tornou-se o exemplo de como seria a vida sob o jugo dos orgoth. Com as sementes da revolta plantadas, a população subjugada começou a se mexer.

A fagulha final veio no final de 1 AR, quando o governador orgoth na fortaleza em Fharin declarou que a cidade deveria enviar um dízimo de oito mil escravos através do oceano. Estes seriam escolhidos por sorteio, mas da forma que a loteria ocorreu, tornou-se óbvio que os cleros menita e morrowano eram o alvo, já que todos os sacerdotes de ambas as fés na cidade foram escolhidos. Em resposta, os cidadãos de Fharin se levantaram em uma rebelião espontânea e desorganizada, pegando forcados, porretes e qualquer coisa que se assemelhasse a uma arma. Os membros da Ordem do Crisol Dourado na cidade distribuíram explosivos alquímicos para a insurreição. As tropas e bruxas de guerra orgoth foram esmagadas e mortas, os portões da fortaleza foram explodidos e a cabeça do governador foi enfiada em uma lança e exibida pelas ruas.

Rumores da revolta se espalharam, e logo ela se tornou uma rebelião organizada. Ela foi chamada de Sociedade de Ferro e fez sua declaração de guerra contra os orgoth em 1 DR, atraindo muitos seguidores daquilo que havia sido Thuria, Terra do Meio e Caspia. Apesar dos sucessos iniciais, a Sociedade de Ferro sobreviveu por apenas seis anos, sendo aniquilada pelos orgoth em 7 AR. Apesar das represálias brutais, a rebelião havia começado e não seria interrompida. Talvez os rebeldes tivessem desistido se soubessem que levariam duzentos anos de batalhas sangrentas para recuperar a sua liberdade.

Os historiadores modernos estão convencidos de que a rebelião era inevitável, mas não seu sucesso. O espírito do povo estava disposto, mas as armas para superar os orgoth ainda precisavam ser desenvolvidas e, por fim, exigiriam ferramentas contando com o Dom da Magia. Uma heroína não reconhecida desta época foi uma estudiosa do oculto chamada Nivara, uma arcanista intransigente, mas brilhante, que os thamaritas consideram como a legítima sucessora de Kerwin. Nivara inventou muitos dos princípios fundamentais na utilização de energia arcana como uma arma de guerra. Ela treinou dezenas de arcanistas nestas técnicas e muitos dos seus discípulos tornaram-se os mais notáveis magos de batalha da rebelião, um presságio dos conjuradores de guerra do futuro. Nivara também era conhecida por seus engenhosos quebra-cabeças mecânicos, que usava para treinar os alunos no domínio das fórmulas arcanas. Estes dispositivos perigosos e cansativos eram odiados pelos alunos, mas desempenharam um papel fundamental nas invenções posteriores que foram essenciais para derrubar os orgoth. Nivara ascendeu em 25 DR como uma prole de Thamar, um evento que lançou uma sombra sobre seu legado e levou muitos ex-alunos a repudiá-la.

A INVENÇÃO DA ARMA DE FOGO E O EXÉRCITO DO TROVÃO

Em 28 DR, o Alquimista Aurumn Oliver Gulvont inventou a primeira arma de fogo, uma arma que utilizava pólvora alquímica para impulsionar o tiro. A necessidade de tal arma foi logo comprovada em uma das batalhas do início da rebelião, quando, em 32 DR, uma grande região de Tordor tornou-se um campo de batalha sangrento de fumaça e fogo. Ela seria conhecida como a Batalha dos Cem Magos, a primeira grande aparição dos magos de batalha immoreses lutando ao lado das forças comuns.

Com o apoio de nobres locais, esses estudantes formidáveis de Kerwin e Nivara, juntamente com muitos feiticeiros salvos do extermínio orgoth, conseguiram repelir os orgoth das antigas fronteiras tordoranas. Usando os poderes elementais do fogo, relâmpago, terra e gelo, os feiticeiros e arcanistas superaram as arrogantes bruxas de guerra dos orgoth. Essa batalha foi tão decisiva que seriam necessários oito anos para os tiranos retomarem a região. Os orgoth recapturaram Tordor em 40 DR e executaram centenas de supostos arcanistas. O povo de Tordor continuou a resistir da forma que podia.

Trabalhando a partir da cidade de Leryn, a Ordem do Crisol Dourado melhorou o projeto da arma de fogo por volta de 80 DR e começou a fabricá-las em laboratórios escondidos tão rapidamente quanto seus trabalhadores voluntários conseguiam. O lendário Exército do Trovão surgiu para libertar Rynyr em 84 DR, empunhando essas novas armas com um efeito mortal. Os atiradores deste exército deixaram as ruas fumegando, e os campos de Leryn e Merywyn manchados com o sangue orgoth.

Como aconteceu com as rebeliões anteriores, os orgoth provaram que não seriam intimidados facilmente e contra-atacaram para rechaçar o Exército do Trovão de volta para as muralhas imponentes de Leryn. Na Batalha da Cabeça de Trovão, em 86 DR, Leryn manteve as forças e repeliu um exército de mais de dez mil orgoth com um arsenal de magia de batalha, granadas alquímicas e fileiras de atiradores. Enquanto o resto de Rynyr foi reocupado, essa cidade se manteve firme e se tornou um bastião de esperança, a primeira cidade desde Caspia a resistir ao inimigo.

A PRAGA RASGA-PULMÃO

Uma terrível praga conhecida como rasga-pulmão atingiu a região entre 83 e 93 DR, afetando tanto os immoreses quanto os orgoth. A rasga-pulmão ceifou vidas pelas ruas dos centros urbanos, deixando milhares de corpos em seu rastro. Os orgoth queimaram seções inteiras de cidades ao invés de enterrar o enorme volume dos mortos. Esse ato despertou ainda mais a ira do povo, pois, por muito tempo, havia sido um tabu queimar os mortos sem a supervisão adequada dos sacerdotes, uma vez que este ato colocava em perigo a passagem das almas para Urcaen.

Por fim, um arcanista e alquimista de grande habilidade chamado Corben conseguiu obter uma cura para a doença. Ainda mais impressionante, ele foi capaz de implementar um sistema no qual o tratamento poderia ser produzido de forma rápida e eficiente por outros alquimistas. Os esforços de Corben salvaram centenas de milhares de vidas e, talvez, também recuperaram o espírito da rebelião. Em 93 DR, a epidemia tinha sido interrompida entre os immoreses, embora continuasse a incomodar os orgoth, que não tinham soluções alquímicas similares. A ascensão de Corben, nove anos depois, foi um milagre que revigorou os rebeldes morrowanos. Em longo prazo, esta ascensão legitimou os esforços dos arcanistas e alquimistas aos olhos da Igreja de Morrow e de seus adeptos, e as igrejas morrowanas começaram a oferecer abrigo a arcanistas da rebelião.

A REVOLUÇÃO MEKÂNICA

As armas de fogo tinham feito sua parte para libertar Leryn e foram armas formidáveis nas mãos dos soldados da rebelião. No entanto, essa tecnologia foi roubada pelos orgoth, que responderam fabricando as suas próprias armas de fogo rudimentares, chamadas lagartos negros. O verdadeiro potencial do Dom para ajudar os immoreses aconteceria na forma da mekânica. Essa é a ciência que misturaria a engenharia com o poder da magia e criaria invenções que causariam a queda do Império Orgoth.

Enquanto a Ordem do Crisol Dourado continuava a trabalhar a partir de Leryn, os esforços para restaurar a obra de Kerwin estavam em curso na antiga Thuria. Na cidade ocupada de Ceryl, um grupo de arcanistas dedicados se uniu para recuperar o conhecimento perdido do Círculo do Juramento. Sua sociedade resultou na fundação da Ordem Fraternal de Magia em 111 DR, que se tornaria um bastião da teoria arcana e ampliaria os limites da nova arte da mekânica. Os magos daquele momento tinham uma compreensão melhor das energias arcanas do que na época de Kerwin e os potenciais sugeridos em Síntese tornaram-se uma realidade. Um dos primeiros desenvolvimentos foi a placa rúnica, pela qual as fórmulas arcanas poderiam ser permanentemente inscritas em metal e investidas com poder arcano.

Muito deste trabalho só foi possível graças à proteção fornecida a esses magos pela Igreja de Morrow em Ceryl. As rotas subterrâneas entre as casas de culto permitiram que muitas coisas acontecessem na cidade sem o conhecimento do governador. Mensageiros corajosos arriscaram suas vidas para transportar documentos descrevendo o trabalho em progresso entre os arcanistas da Ordem Fraterna e da Ordem do Crisol Dourado e, juntos, esses dois grupos atingiram avanços substanciais. Após a rebelião, estas ordens se tornariam rivais ciumentas e propensas a acumular conhecimentos e segredos, mas, naquele momento, estavam unidas pelo ódio contra um inimigo em comum.

Um grande avanço ocorreu quando o Magnus Aurum Phineas Bainbridge, da Ordem do Crisol Dourado, conseguiu criar um acumulador arcanodinâmico estável, um dispositivo do tamanho de um barril que podia armazenar energia arcana. Ele foi considerado muito grande, mas foi uma prova do conceito e os alquimistas do Crisol logo descobriram formas de deixar esse dispositivo menor e mais poderoso. Engenheiros e arcanistas começaram a trabalhar em esquemas e diagramas para armas que pudessem explorar o potencial de acumuladores melhorados.

Vários outros desenvolvimentos nesta época pareciam tangenciais, mas teriam grandes repercussões. Muitos engenheiros immoreses estavam trabalhando para trazer de volta o motor a vapor, tão comum antes dos orgoth. Isto levou ao trabalho crucial de Maximillian Nivin, um alquimista e um dos primeiros mekânicos arcanos fascinados pelas máquinas. Ele estava tentando criar pequenos autômatos movidos a vapor basicamente pelo desafio tecnológico. Ele teve dificuldade em encontrar um meio pelo qual poderia controlar seus movimentos. Seguindo o conselho dos colegas, Nivin fez contato com a Ordem Fraternal e logo foi convidado a integrar o grupo.

Nivin logo aprendeu sobre uma área de estudo abstrata que havia chegado a um impasse e que poderia ter uma influência sobre o seu projeto. Vários magos da ordem tentavam criar um circuito autossustentável de fórmulas arcanas que pudesse imitar os processos de pensamento de uma mente viva. Seu trabalho foi baseado nos enigmas rúnicos deixadas pela Prole Nivara e preservados pela ordem. Animado com as possibilidades, Nivin se dedicou a este estudo, se entregou aos quebra-cabeças de Nivara e, rapidamente, conseguiu criar a primeira matriz cerebral que poderia imitar um pouco da capacidade de raciocínio de uma mente viva. Junto com seu aprendiz Elias Decklan, Nivin criou o primeiro autômato de tamanho humano em 158 DR. Decklan continuou a melhorar o projeto após a morte de Nivin e a trabalhar em refinamentos que se revelariam cruciais para a rebelião.

A oposição à dominação dos orgoth continuou na forma de pequenas revoltas em todo Immoren ocidental. Embora fossem anuladas uma a uma, elas conseguiram desviar recursos e dificultar a retaliação dos orgoth. Até 147 DR, a área de ação da rebelião estava limitada à Terra do Meio, Thuria e Tordor. Mas, neste ano, os descendentes dos orgulhosos senhores de cavalos umbreanos se reuniram e lideraram um exército de nômades para libertar Korsk e Rorschik dos tiranos. Em 149 DR, os orgoth fizeram cerco aos khards e seus aliados umbreanos às portas de Korsk, mas foram repelidos pelos implacáveis homens do norte. O domínio orgoth havia começado a quebrar.

Adotando um nome escolhido em homenagem à Sociedade de Ferro original, as cidades livres de Immoren ocidental se tornaram a Aliança de Ferro. Compostos por exércitos de Korsk, Rorschik, Leryn e Caspia, eles se uniram sob a liderança do recém-formado Conselho dos Dez em 164 DR. Embora fosse basicamente uma aliança de humanos, os dez generais líderes incluíam Grindar do Kriel Tolok, que representou os trolloides da Floresta dos Espinhos que haviam sofrido nas mãos dos orgoth. Todas as raças dhunianas que viviam fora de Rhul e Cryx tinham passado por difi culdades durante a ocupação, uma vez que os orgoth os consideravam animais. Dessas raças, apenas os trolloides ingressaram no Conselho dos Dez e contribuíram com principais forças da rebelião.

OS COLOSSAIS

O trabalho dos arcanistas em Ceryl era conhecido pelo Conselho dos Dez, que pediu que esses grandes pensadores se mudassem para Caspia para sua proteção. Entre os que entraram furtivamente em Caspia estava Elias Decklan, cuja exposição às grandes fundições desta cidade livre mudou seu pensamento sobre a dimensão dos autômatos. A primeira matriz cerebral era simples e bruta, mas ele teorizou um dispositivo muito maior, suficiente para emular pensamento mais complexo.

Quando Decklan apresentou esta ideia para outros colegas, seu uso potencial como uma arma de guerra tornou-se claro para todos. Decklan logo elaborou esquemas para um gigante movido a vapor e magia que poderia atacar até mesmo a maior das fortalezas orgoth. O Conselho dos Dez estava convencido de que aquela era a única arma contra a qual os orgoth não poderiam se opor. Durante a década seguinte, as maiores mentes de Immoren ocidental discutiram e planejaram a mais importante façanha de engenharia jamais tentada pela humanidade. Tais colossais não exigiam apenas coordenação para construir, mas um grande volume de matérias-primas, incluindo minério rico em ferro, metais e minerais raros necessários para a matriz cerebral.

O plano tinha obstáculos, incluindo a necessidade de realizar os trabalhos em segredo. Em sua origem, em Caspia, poucos fora da cidade sabiam sobre o empreendimento. Mas logo outros na rebelião souberam sobre o projeto, o que causou um alvoroço entre os khards e que reacendeu rivalidades há muito enterradas entre o norte e o sul. Como Korsk também era uma cidade livre e tão preparada para forjar grandes armas quanto Caspia, os homens do norte também começaram a construir suas próprias fundições colossais, chegando ao ponto de roubar projetos e esquemas de seus aliados quando estes não eram entregues voluntariamente.

Uma solução para as matérias-primas veio de uma fonte inesperada. Desde o início da rebelião, vários grupos tinham enviado emissários para Rhul pedindo ajuda. Todos haviam sido rejeitados, mas a atmosfera política no Debate das Cem Casas havia começado a mudar. Apelos repetidos e os crescentes sucessos das forças de rebelião finalmente convenceram os Senhores das Pedras. Rhul começou a prestar mais atenção aos assuntos além de suas fronteiras e reuniu provas suficientes para reconhecer que os orgoth eram piores vizinhos do que os immoreses nativos.

A hora da virada foi quando emissários do Conselho dos Dez revelaram o plano de construção dos colossais, um risco calculado na época. O povo de Rhul ficou fascinado com as possibilidades de tal tecnologia, sem saber sobre os avanços feitos por arcanistas e engenheiros humanos. Foi feito um acordo pelo qual, em troca de conhecimento sobre a alquimia por trás das armas de fogo, o segredo da matriz cerebral e os esquemas para os colossais, Rhul daria o seu apoio. Os anões não interviriam diretamente no conflito, mas enviariam grandes quantidades de materiais — não só minérios, mas metais e ligas fundidas em Rhul, bem como peças criadas nas forjas de Ghord. Estas contribuições e os envios posteriores de carvão se mostraram vitais nos próximos anos.

Em 188 DR, os orgoth descobriram as instalações khárdicas e atacaram a cidade livre de Korsk. Os khards foram esmagados, suas fundições foram destruídas e os alquimistas e magos capturados sofreram tormentos indescritíveis nas mãos dos orgoth. Os khards imediatamente suspeitaram de traição, acreditando que os rhuleses tinham feito o seu acordo com o Conselho dos Dez só depois de fazer acordos secretos com Caspia para que os colossais ficassem longe das mãos dos homens do norte. Dizem que o povo de Rhul ou os caspianos tinham traído o Conselho, informando os orgoth sobre as instalações em Korsk. Ao fazê-lo, não só os homens do norte ficaram sem os colossais, mas as batalhas no norte ocupariam os orgoth, deixando o povo do norte sofrer o peso da ira dos invasores. A verdade sobre essa conspiração é desconhecida, mas a crença na traição entre os khards intensifi cou a animosidade entre norte e sul.

Após o ataque a Korsk, a Aliança de Ferro triplicou os seus esforços em Caspia e o primeiro colossal caminhou através dos portões da cidade em 191 DR. Com mais cinco concluídos em rápida sucessão, a Aliança de Ferro estava pronta. Controlado por magos de batalha da Ordem Fraternal, estes colossais e os exércitos que marchavam com eles destruíram a fortaleza orgoth perto de Fharin, além de um regimento importante. Assim começou uma década de lutas, enquanto exércitos da rebelião retomavam as terras que estiveram sob o domínio orgoth durante séculos. Os colossais esmagaram toda a oposição.

Enquanto os orgoth eram expulsos rapidamente das províncias do sudeste, os exércitos rebeldes foram limitados pelas linhas de abastecimento e tiveram dificuldade em penetrar no território inimigo nos primeiros anos. Os colossais consumiam um volume enorme de carvão e água e exigiam supervisão constante e reparos regulares. O inimigo se adaptou, vendo que era mais fácil destruir os magos que controlavam as máquinas do que os próprios colossais. Sem seus controladores, os colossais foram evitados, isolados e destruídos.

Os exércitos rebeldes tiveram que mudar suas táticas. Pequenos exércitos acompanhavam cada colossal, o usando como sua vanguarda enquanto protegiam aqueles com as habilidades arcanas para controlar as grandes máquinas. Esta combinação e o exemplo dos magos de batalha da rebelião foram vistos como precursores dos conjuradores de guerra modernos e seus grupos de batalha.

À medida que os orgoth eram constantemente empurrados de volta para o mar, eles iniciaram o Expurgo. Os orgoth em fuga fizeram o seu melhor para destruir todos os registros que haviam escrito e todas as estruturas que possuíram. Suas grandes fortalezas negras foram demolidas ao invés de permitir que caíssem nas mãos do inimigo. O Expurgo reduziu dezenas de cidades e vilas a ruínas. Os orgoth salgaram campos, envenenaram poços, queimaram a terra e mataram multidões incontáveis de escravos enquanto fugiam para seus navios negros e navegavam para o Oeste. O Expurgo foi tão profundo que nenhum mapa da pátria orgoth foi descoberto nos séculos seguintes. Pouquíssimos escritos na língua orgoth sobreviveram, deixando sua cultura e crenças um enigma. Assim, em 201 DR, os orgoth foram expulsos do continente — e nunca mais voltaram.

FONTE: Reinos de Ferro — Livro Base

--

--