Na Tocaia

Conto — Legião de Everblight

Reduto do Bucaneiro
Reduto do Bucaneiro
5 min readFeb 20, 2019

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Lylyth nunca se sentia tão viva como quando observava sua presa, explorando a paisagem com notável graça, mesmo quando estava em território desconhecido. Sabia que seu mestre gostava daquela caçada tanto quanto ela mesma, capaz de tocar o mundo vicariamente com seu corpo servindo-lhe como um meio intermediário.

Ela era uma arauta de Everblight, designada para servir longe dos territórios sob sua influência. Não precisava de seus olhos para ver e o visor do seu elmo cobria-lhe a parte superior de sua face, permitindo-lhe ampliar seus sentidos através do dom que seu mestre lhe conferira. Com essa visão especial o mundo parecia possuir uma clareza diferenciada e ela podia focar em seus alvos excluindo toda e qualquer distração. Seu presente alvo era fácil de rastrear, o desafio era permanecer oculta.

A comunhão com o dragão era uma experiência em constante mudança. Ele estava sempre presente, ainda sim distraído, sua atenção em outro lugar. Chamou-lhe naquele momento com um sussurro mental tão íntimo quanto o próprio pensamento. “Agora. Ele está sozinho.”

Havia dias que ela estava perseguindo o troll albino naquela floresta pantanosa, observando enquanto ele visitava os vilarejos de sua gente, sempre bem acompanhado. O último de seus fortes e armados companheiros havia permanecido para trás na última vila enquanto o feiticeiro se juntava aos enormes trolls que mantinha por perto. Lylyth percebeu a atenção de seu mestre em seu coração, onde mantinha guardado um fragmento de sua pedra vital; sentiu uma onda de calor e suas palavras fluíram em sua mente. “Não tão sozinho assim.”

“Os trolls não me preocupam.”

Os três trolls e seu mestre vagavam cada vez mais ao norte, seguindo uma trilha de caça que sofria com a passagem do grupo. Uma criança seria capaz de seguir esses rastros. Lylyth sentiu o interesse agudo de seu mestre sobre a arma do albino, um machado no qual ele parecia pressentir um tremendo poder. “Não conseguirás derrotá-lo sozinha.” Não havia desprezo nem provocação no tom de seu mestre, apenas uma breve análise da situação. “Convoquei minha cria para te ajudar.”

Essa não era uma região em que já haviam penetrado, mas trouxera mesmo assim um pequeno grupo de crias do dragão para acompanhá-la, mantendo-os a certa distância para evitar que fossem percebidos pela própria presa que espreitavam. Agora, sob o mando do dragão, eles cruzaram o terreno com uma pressa inquietante. O Carnivean avançou por entre as árvores, jogando as crias menores para os lados, suas enormes pernas rasgavam a mata rasteira sem o menor sinal de resistência. Lylyth observou o albino reagir ao barulho, sibilando ordens para seus trolls se dividirem na mata que os cercava em ambos lados da trilha. Seus lábios se contorceram em um sorriso entretido. Eles não faziam a menor ideia do que estavam enfrentando.

Ela sentiu o calor da presença do dragão na medida em que seus pensamentos assumiam o fardo do comando. “Eu ficaria encantado em ver essa arma em uso, porém não se demore caso a batalha não…”

Seus lábios se comprimiram. “Eu vos entregarei esse machado.”

“É o que veremos.”

Lylyth deixou que o Carnivean atraísse a atenção de seus alvos com sua barulhenta marcha por entre as árvores. Enquanto isso, ordenou

que os shredders se posicionassem para flanqueá-los. Silenciosamente ela puxou uma flecha e a posicionou em seu arco Hellsinger, o som de seu coração martelava em seus ouvidos. Considerava este um momento sublime, o suspiro instantes antes da carnificina.

Pouca coisa era tão prazerosa quanto a expressão no rosto de um inimigo ao encarar um Carniveanpela primeira vez. Os olhos do albino arregalaram-se em descrença ao verem a grande besta reptiliana avançar desenfreadamente pela floresta. Um troll que carregava um enorme machado soltou um urro e saltou adiante para enfrentá-la, sendo imediatamente engolfado em uma nuvem de cinzas incendiárias oriundas da boca do Carnivean, escaldando-o e queimando sua pele. Sem sequer hesitar, a grande criatura continuou seu curso de ação, atropelando uma fileira de arbustos para alcançar o troll e começar a rasgá-lo em pedacinhos.

Os outros trolls aprontaram suas lanças para atirá-las na criatura monstruosa. Lylyth atirou uma flecha com tamanha destreza que uma segunda ponta já se encontrava posicionada no arco quando a primeira enterrou-se nas costelas do troll mais afastado. Seus três shredders seguiram o cheiro marcante de sua flecha e dispararam em direção a criatura atingida. A cega atenção da matilha era tão inabalável quanto suas famintas mandíbulas. O troll ferido uivou de raiva e virou-se para confrontar as três crias, empalando uma delas com sua lança ao mesmo tempo em que mordiam sua perna.

Lylyth moveu-se ágil e graciosamente após o tiro, sorrindo com satisfação diante do fato de que os dois trolls já estavam quase liquidados. Essa luta estaria terminada muito em breve e o machado mágico seria um presente pessoal para seu mestre.

O troll albino apontou em sua direção e rugiu um comando para o troll lanceiro que havia sobrado. Ela sentiu que o feiticeiro juntava energia em si mesmo, direcionando-a sobre o outro troll que subitamente passou a transparecer um ar ameaçador. A criatura virou-se para seguir seus movimentos e ela sentiu um breve tremor de antecipação. Mesmo saltando para o lado com todo seu reflexo, Lylyth não foi rápida o suficiente. A lança acertou em cheio sua lateral, levantando-a do chão e fixando seu corpo contra uma árvore próxima.

Sentiu sua visão borrar com uma explosão de dor, mas lutou contra o desejo de desfalecer e, recorrendo a força do dragão, removeu a lança. Levantou seu arco na altura do rosto sombrio do troll albino que agora disparava em sua direção, dentes à mostra e o grande machado pronto para golpeá-la. Ao seu lado estava o troll que a havia empalado, uma segunda lança agigantada já em suas mãos. Gritou mentalmente pelo Carnivean, seu sorriso, ora transbordando confiança, agora se tornara uma máscara de ódio.

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