O Crisol do Patriota

Conto

Rafão Araujo
Reduto do Bucaneiro
19 min readFeb 16, 2019

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Merywyn, 15 de Tempen, 605 DR

Vayne di Brascio, ex-mago pistoleiro da Rosa Ametista, abriu caminho através das ruas atulhadas de pequenas tendas amareladas e soldados abatidos. Em ambos os lados da rua, as carcaças queimadas de construções em ruínas se erguiam como dentes quebrados, lançando sombras agourentas sobre a milícia llaelesa que se ajuntava abaixo delas. Gigantes-de-guerra marcados pelo seu ofício — em sua maioria Vanguardas e um punhado de Armengues antigos, mas ainda em funcionamento — , se erguiam imóveis por entre as tendas, o rumor de seus motores a vapor criava uma camada de sussurro mecânico por baixo dos sons mais altos e caóticos de homens se preparando para o combate.

Enquanto ele passava, rostos pálidos e desesperados se voltavam para a sua direção. Alguns simplesmente olhavam, mas Vayne também era cumprimentado com sorrisos, reverências e até mesmo algumas continências. Ainda que não possuísse nenhuma patente oficial, seu sobretudo negro, a pistola arcana cano-duplo em seu quadril e a rosa estilizada presa em sua lapela o marcavam como um mago pistoleiro da Rosa Ametista. Ele já havia sido membro da organização, assim como havia pertencido à Alta Guarda Real, jurado a proteger o rei de Llael. Ambos os grupos haviam sido dissolvidos e seus membros se dispersaram após a morte do Rei Rynnard di la Martyn.

Vayne foi direto ao coração da cidade de tendas, onde o pavilhão do coronel Killian d’Glaeys fora armado como um turbulento respingo de púrpura em meio a um mar de marrom e cinza. Um nobre llaelês e um dos poucos conjuradores de guerra da nação, d’Glaeys comandava uma grande porção das forças que defendiam Merywyn do exército khadorano que sitiava as muralhas. Quando os khadoranos haviam invadido Llael meses antes, surpreenderam os llaeleses e seus aliados cygnarianos. Desde então, Laedry e Rynyr haviam caído, assim como alguns fortes cygnarianos ao longo da divisa com Khador. Agora o inimigo havia chegado a Merywyn, preparado para por um fim à guerra com um cerco agressivo contra à capital.

A primeira barragem de artilharia khadorana havia reduzido muitas construções a escombros, mas um contra-ataque concentrado, combinando forças cygnarianas e llaelesas, havia empurrado os khadoranos para longe da cidade. No momento, os cidadãos de Merywyn estavam além do alcance das armas inimigas.

Havia dois guardas ao lado de fora da barraca do Coronel d’Glaeys’, e eles deram passagem a Vayne quando este se aproximou. Ele era esperado. Quando Vayne entrou, viu que o interior da barraca de comando havia sido sobriamente mobiliado apenas com uma ampla mesa de madeira, uma coletânea de cadeiras descasadas e um estande de armadura onde descansava um conjunto pesado pertencente a um conjurador de guerra. O Coronel Killian d’Glaeys era um homem alto e robusto, no fim de seus trinta anos, com o cabelos curtos e uma barba aparada rente à sua mandibula. Ele estava atrás da mesa, analisando um mapa.

Outro homem, encouraçado em uma armadura com partes iguais de couro, malha e placas, sentava-se em uma cadeira que estava antes da mesa do coronel, olhando para a entrada do pavilhão. Ele era mais velho, com os cabelos cinzas amarrados para trás em um rabo-de-cavalo bem asseado, era dono de uma silhueta esguia e de um semblante régio. Vayne reconheceu o Lorde Benoir d’Elyse. Ex-membro da Alta Guarda Real, Benoir era tanto um nobre quanto um mestre duelista. Sua filha, Ashlynn d’Elyse, uma conjuradora de guerra competente, havia seguido os seus passos, se tornando uma duelista notável por seus próprios méritos.

— Mestre di Brascio, — Disse o Coronel d’Glaeys, tirando os olhos do mapa que mostrava a região ao redor de Merywyn — Obrigado por vir — Ele apontou para uma cadeira próxima da mesa.

Vayne assentiu.

— Lorde d’Elyse.

Ele sentou-se próximo ao homem mais velho, que o cumprimentou com um aceno cheio de autoridade enquanto Vayne se dirigia ao Coronel d’Glaeys.

— Coronel, meus irmãos e eu sempre estivemos a disposição de Llael e do Primeiro Ministro Deyar Glabryn. Até mesmo agora.

As farpas que as palavras traziam não passaram despercebidas por d’Glaeys, e ele franziu o cenho.

— Espero que esteja ciente que alguns de nós foram contra dissolver a Alta Guarda Real e a Rosa Ametista — O rosto dele se anuviou e ele balançou a cabeça — Se Menoth quiser, Llael terá um Rei novamente algum dia.

— Minhas desculpas, senhor — Vayne disse, sabendo que suas palavras haviam sido mais duras do que ele pretendia. — Eu sei que você fez o que pôde por meus irmãos e pela Alta Guarda Real. Eu não estaria aqui se não fosse por isso. Mas não falemos mais sobre coisas que não podemos mudar. Diga-me como posso ser útil a Llael.

— Tudo bem — o Coronel d’Glaeys sentou atrás de sua mesa. — Deixarei que lorde d’Elyse explique a missão, já que você trabalhará diretamente com ele.

Lorde Benoir se virou para Vayne.

— A situação é a seguinte, Mestre di Brascio. Minha filha, junto com nossos aliados cygnarianos, conseguiram manter as forças khadoranas ocupadas e longe da cidade, mas o inimigo ainda controla rotas de extrema importância até Merywyn, rotas que precisam ser reabertas para que se traga suprimentos e homens de Leryn.

— A Estrada Nobre — disse Vayne.

— Sim — respondeu d’Elyse. — É a rota mais importante entre Merywyn e Leryn. O grosso das forças khadoranas estão a oeste, mas eles assignaram para a Estrada Nobre um grupo da Guarda Invernal, auxiliados por Blindados e um pequeno número de gigantes-de-guerra. Eles têm dificultado as coisas para os reforços que viajam do sudoeste, de Leryn.

— Entendi — falou Vayne. — Eles estão em quantos?

Foi o Coronel d’Glaeys quem respondeu.

— Nós acreditamos que tenham aproximadamente quatro unidades da Guarda Invernal e dois, possivelmente três esquadrões da Tropa de Choque Blindada. Embora os soldados khadoranas obviamente seja um problema, são os gigantes-de-guerra o maior obstáculo.

— Liderança? — Vayne perguntou.

— Nisso estamos com um pouco de sorte — disse Lorde d’Elyse. — Nós descobrimos que existe apenas um único conjurador liderando os gigantes-de-guerra, um jovem Kovnik chamado Fedor Grishka. Ele é habilidoso, mas inexperiente.

Vayne assentiu, entendendo imediatamente.

— Nós podemos dar um jeito nos gigantes-de-ferro simplesmente removendo Kovnik Grishka da equação.

— Sim — Lorde d’Elyse respondeu. — Pode ser difícil aproximar-se dele, mas eu acredito que esta seja uma habilidade em que você se sobressai.

— Foi. Uma vez. — Vayne respirou profundamente e, sem pressa, deixou o ar escapar — Mas tenha em mente que eu não sou nenhum assassino. Meu serviço para o Rei muitas vezes exigia que eu simplesmente desse um jeito num inimigo antes que ele chegasse próximo o bastante para atacar.

— Isso é exatamente o que precisamos — Disse o Coronel d’Glaeys. — É da maior importância que a Estrada Nobre continue nossa.

— Eu precisarei de alguém que mantenha Kovnik Grishka e seus gigantes-de-guerra ocupados.

— E você terá. Eu irei levar para a Estrada Nobre um pequeno grupo de gigantes-de-guerra e membros da milícia para promover uma distração. Com certeza Grishka irá querer entrar em confronto, e então você e Lorde d’Elyse terão a sua chance enquanto ele lida comigo.

— Precisarei de quaisquer mapas que tenha da região e todas as informações sobre Grishka e suas forças.

— Claro — disse o Coronel d’Glaeys. — Posso lhe ceder vinte e quatro horas para que se familiarize com as particularidades da missão. Os reforços de Leryn já estão estão a caminho.

— Será o suficiente — respondeu Vayne enquanto se levantava. Ele colocou a sua mão direita, a mão da pistola, sobre a a rosa de prata em sua lapela e ofereceu ao Coronel d’Glaeys e ao Lorde d’Elyse um sorriso cansado. — É bom servir a Llael novamente.

Vayne destravou o trinco de sua pistola arcana, abrindo a arma e ejetando duas cápsulas rúnicas vazias. Olhou para o soldado da Guarda Invernal em que acabara de atirar, ele estava esparramado no meio do caminho da floresta logo a frente, com uma poça de sangue crescendo e se misturando à terra em torno dele. O que estava indo até Vayne, passando por cima do Guarda Invernal abatido é que era o verdadeiro problema: o Blindado khadorano se lançou em sua direção, a Aniquiladora do inimigo estava levantada sobre a cabeça e era empunhada com as duas mãos.

Afastando-se para trás, Vayne agradeceu silenciosamente à Menoth que o soldado aprimorado com a força do vapor havia perdido o seu escudo canhão. Ele agarrou furiosamente a bandoleira que cruzava seu peito. Então apanhou duas balas rúnicas e enfiou a munição em sua pistola arcana, fechando a arma com um movimento de pulso.

O Blindado já estava quase em cima dele, o machado de guerra aprimorado com mekânica descia em um arco mortal. Vayne se atirou para trás para evitar o golpe, seus pés deixando o chão. Ele disparou ambos os canos gêmeos da pistola arcana logo antes de suas costas baterem contra o chão, sua força de vontade se canalizou nas runas inscritas nas cápsulas.

O trovão duplo da descarga da pistola arcana cruzou o ar enquanto as balas encantadas se chocaram contra a placa peitoral do Blindado com a força de um ariete, lançando quase 180 quilos de homem e máquina para o chão.

Vayne não esperou para ver se seu tiro havia matado o alvo. Se levantou com rapidez, sacando Reaver da bainha em sua cintura, o seu sabre mekânico. O Blindado estava de costas e lutava para se levantar. Vayne investiu contra o inimigo e lançou um poderoso corte ascendente no khadorano. Impulsionado pela sua velocidade, pelo peso e pela lâmina aprimorada de Reaver, o sabre atravessou aço, carne e ossos, arrancando o topo da cabeça do Blindado com um esguicho de sangue.

O Blindado caiu para trás e então ficou imóvel, sua armadura armadura movida à vapor continuou a rumorejar e sibilar. Vayne parou por um instante procurou escutar. À distância os sons da artilharia pesada podiam ser ouvidos; d’Glaeys havia começado o seu ataque. Mais próximo de onde estava, o choque de metal contra metal e os gritos de dor e desespero sugeriam uma batalha um tanto mais íntima.

Vayne correu em direção ao clamor, embainhando Reaver e recarregando sua pistola arcana enquanto se movia. Os sons de combate aumentaram enquanto ele cruzava por fora da trilha de floresta e para dentro de um denso emaranhado de árvores e matagais. Ele estava a algumas milhas do portão leste de Merywyn, numa pequena mata onde o antigo Rei usara como uma reserva de caça. As forças khadoranas, sobrecarregadas devido a seus gigantes-de-guerra pesados, haviam tomado uma posição mais próxima da estrada, para que pudessem vigiar e acossar aqueles que se aproximassem da cidade a partir do leste.

Vayne e Lorde d’Elyse imaginaram que a maioria das forças de Kovnik Grishka estariam com ele quando este entrasse em confronto com o Coronel d’Glaeys, o que fazia com que a mata fosse o caminho ideal para que se aproximassem do inimigo pelas costas. Contudo, o Kovnik havia sabiamente colocado esquadrões da Guarda Invernal auxiliados por Blindados de Choque naquele caminho, para prevenir um ataque pelas costas.

Primeiro eles haviam dado de cara com a Guarda Invernal, e tais sentinelas os pegaram desprevenidos acabaram matando, com uma salva de tiros de bacamarte, metade dos milicianos llaeleses sob o comando de Vayne e de Lorde d’Elyse. A Tropa de Choque Blindada deu continuidade à saraivada com disparos de seus escudos-canhão, acabando com ainda mais soldados llaeleses. Naquelas terríveis condições, o melhor curso de ação havia sido se espalhar, então Vayne e Lorde d’Elyse haviam se separado na esperança de que isso dividisse as forças khadorana. Vayne ordenara que o que restou da milícia acompanhasse Lorde d’Elyse quando eles se separaram; ele se saía melhor sozinho nesse tipo de trabalho. Havia funcionado — de certa forma — e na mata fechada eles conseguiram lidar com os Guardas Invernais, e até mesmo alguns Blindados, um de cada vez.

O rugido estrondoso do escudo-canhão de um Blindado atravessou a floresta e gelou o sangue de Vayne. Ele apressou o passo e logo irrompeu numa clareira que havia sido palco de uma pequena, mas sangrenta, batalha. Corpos jaziam estirados através do chão da floresta, e ele contou um punhado de milicianos llaeleses, dois Blindados e quatro Guardas Invernais entre os mortos.

Os únicos combatentes que se mantinham em pé eram Lorde d’Elyse e um único Blindado de Choque. Eles travavam um duelo furioso. A estoc mekânica de Lorde d’Elyse — uma arma llaelesa de duelo, usada com as duas mãos e que havia sido projetada para perfurar armaduras — tremeluzia adiante numa série de estocadas tão velozes que o Blindado mal conseguia bloquear com seu escudo. Em resposta, o soldado khadorano atacava o ágil duelista llaelês com a sua Aniquiladora, lançando cortes lentos, mas ainda assim poderosos; nenhum de seus golpes chegou perto de acertar o inimigo.

De tão concentrados que estavam, nenhum dos combatentes avistou Vayne. Eles sabiam que aquilo era um impasse. Lorde d’Elyse não conseguia encontrar um jeito de vencer a combinação escudo e armadura pesada, e o Blindado não era rápido o suficiente para conseguir golpear um oponente muito mais ágil. Vayne resolveu o impasse com sua pistola arcana. Ele mirou e canalizou a sua vontade, deixando-a fluir de sua mente para a arma em sua mão e fazendo com que se entranhasse à bala rúnica do cano superior.

Ele apertou o gatilho e sentiu o recuo da arma. O tiro acertou o seu alvo: a munição pesada atingiu o braço direito do Blindado no momento em que ele levantava sua aniquiladora para mais um ataque. O projétil falhou em penetrar a pesada armadura do khadorano — mas essa não era a intenção. Com o impacto, a magia da bala rúnica se alastrou pelo corpo do Blindado, paralisando seus braços. Apesar da duração fugaz do efeito, foi todo o tempo que Lorde d’Elyse precisou. Percebendo a abertura, o mestre duelista investiu, dirigindo a ponta de sua estoc até a pequena abertura do visor do elmo de seu oponente. A lâmina atravessou completamente a cabeça do Blindado, com sessenta centímetros de aço explodindo na parte de trás de seu crânio.

Lorde d’Elyse libertou a sua lâmina e deixou o khadorano cair ao chão. Ele sacudiu rapidamente a espada para retirar o sangue e então se virou para Vayne.

— Uma bela de uma bagunça, essa aqui — ele apontou para os milicianos mortos no chão — Esses rapazes não tiveram chance alguma.

Vayne assentiu.

— Eu sei. Mas ainda restam eu e você, e d’Glaeys já começou o ataque.

— Eu ouvi — disse Lorde d’Elyse, balançando sua cabeça. Mechas cinzentas haviam escapado do rabo de cavalo e caíam-lhe por sobre a face, fazendo com que parecesse velho e cansado. — Ele está em menor número. Esse Kovnik Grishka deve ser mais astuto do que acreditávamos.

— Bem, seguiremos caminho então — Foi o que Vayne disse antes de se dirigir para o oeste. Lorde d’Elyse o seguiu e com um silêncio sombrio os dois correram em direção à cacofonia de sons de guerra e de morte.

A linha khadorana era pequena, compacta e movia-se como uma serpente de aço, rastejando para frente com uma determinação inexorável. Vayne contou três gigantes-de-guerra da classe Destruidor, duas linhas da Tropa de Choque Blindada, e quase trinta soldados de infantaria da Guarda Invernal. A cada passo, os imensos gigantes-de-guerra descarregavam sua artilharia, atirando projéteis altamente explosivos por sobre o campo de batalha até a linha llaelesa no outro lado da estrada. A fileira de combate do Coronel d’Glaeys era maior e mais densa, mas faltava-lhe as armaduras pesadas e a disciplina férrea do inimigo. Milicianos de uniformes cinzentos armados com rifles deploráveis e defasados atiravam contra os khadoranos que se aproximavam, enquanto o Mulo do coronel e um par de Vanguardas devolviam fogo com seus canhões.

O combate se desenrolava num vasto campo gramado que fazia divisa com uma pequena floresta a oeste. A Estrada Nobre cortava o campo de batalha, com os khadoranos ocupando o lado oeste da estrada, na parte mais próxima à floresta. As tropas do coronel d’Glaeys haviam contornado a cidade para poderem atacar do leste.

Por entre a proteção das árvores da floresta atrás da linha khadorana, Vayne e Lorde d’Elyse podiam ver que os llaeleses estavam levando a pior. O bombardeio dos Destruidores estava causando muitas baixas e assim que os Destruidores e a Tropa de Choque Blindada se aproximasse, os llaeleses seriam chacinados. Mesmo assim, os llaeleses mantinham sua posição. O Coronel d’Glaeys estava cumprindo a sua parte do plano.

— Você está vendo ele? — perguntou Lorde d’Elyse. Ele estava abaixado no matagal à direita de Vayne, sua estoc estava apoiada em um dos ombros.

— Sim — Vayne respondeu. — Ali. Vê o pequeno grupo de Presas de Ferro? — ele apontou para um aglomerado de quatro soldados khadoranos com blindagem pesada que estavam bem atrás da linha de batalha; estavam equipados com escudos largos e formidáveis Lanças Explosivas com as pontas carregadas. Os Presas de Ferro se moviam lentamente, dóis à frente e dois atrás; mesmo àquela distância era claro que uma quinta figura estava entre eles. — Aquela deve ser a guarda dele. Estão lhe servindo de escudo.

— Eu os vejo agora — disse Lorde d’Elyse. — Quatro Presas de Ferro e um conjurador de guerra contra sua pistola e minha espada? — Ele sorriu sardonicamente. — Enfrentei probabilidades particularmente complicadas em meu tempo, mas talvez o que tenhamos em frente seja apenas um jeito de se suicidar.

— Tem bastante campo aberto entre nós — disse Vayne. — Talvez eu consiga três ou quatro tiros antes de que chegue a parte complicada. Isso deve valer por dois dos Presas de Ferro.

— Ainda restariam dois. Acho que posso lidar com isso, mas significa que você teria que lidar sozinho com Kovnik Grishka e seu campo de força.

— Basta você matar aqueles malditos Presas de Ferro rápido. — Vayne sorriu e verificou as balas de sua pistola arcana — Com certeza vou precisar de sua ajuda com Grishka. Pronto?

Lorde d’Elyse assentiu.

Os dois homens se preparam e, abaixados, começaram a avançar cautelosamente pelo campo. Eles conquistaram noventa metros até que Vayne estivesse na distância limite de sua pistola arcana. Ele parou, se levantou e mirou em um dos dos Presas de Ferro que estava na retaguarda da comitiva de Kovnik Grishka.

Ele evocou sua magia e desejou que a bala não se perdesse e que acertasse o alvo mesmo naquela distância extrema. Apertou o gatilho e a arma cuspiu fumaça e trovão noite adentro. O Presa de Ferro da retaguarda subitamente cambaleou, caiu por sobre um joelho e desabou para frente. Os outros se viraram para seu camarada caído e descobriram o perigo que se encontrava atrás deles. Eles rapidamente se aproximaram uns dos outros, travaram seus escudos e apontaram suas lanças de modo que formaram uma barreira pequena, mas efetiva.

— Agora! — Vayne gritou, começando a correr. Lorde d’Elyse o seguiu, tomando a dianteira quando Vayne diminuiu a velocidade para mirar e atirar novamente. Desta vez o projétil resvalou no escudo de um Presa de Ferro sem efeito nenhum. Com a pistola arcana vazia, Vayne abriu a arma e se apressou em recarregá-la enquanto tornava a avançar.

Lorde d’Elyse já havia quase alcançado os khadoranos quando Vayne atirou mais uma vez. Desta vez o tiro foi letal — a cabeça do Presa de Ferro do meio foi projetada para trás quando a bala trespassou-lhe o elmo e o crânio protegido pela peça. Ele tombou para trás, revelando pela primeira vez o objetivo daquela missão.

Kovnik Grishka era um homem alto, de constituição forte e encouraçado numa armadura escarlate de conjurador de guerra. Mesmo daquela distância, sua juventude era perceptível. Cabelos pretos como carvão, bochechas rosadas e um bigode ralo acentuavam o seu rosto anguloso. Ele estava armado com um machado mekânico de cabo curto e um canhão de mão. Ambas as armas já estavam prontas para serem utilizadas.

Vayne já estava a dezoito metros dos khadoranos, e ele mirou sua pistola arcana em Kovnik Grishka ao mesmo tempo em que o conjurador de guerra levantou o canhão de mão para atirar de volta. As duas armas despejaram sua munição quase ao mesmo tempo. Vayne sentiu a munição pesada do canhão de mão de Grishka assobiar ao lado de sua orelha direita, e viu a sua própria bala cintilar inofensivamente contra o campo de força do conjurador de guerra.

Alguns segundos mais tarde, Lorde d’Elyse alcançou os dois Presas de Ferro remanescentes. Eles se posicionavam em frente ao seu líder, travando seus escudos. O mestre duelista avançou, manuseava sua estoc como se fosse uma lança. Ele girou para longe da arma que tentou perfurá-lo, atravessando a guarda do inimigo a sua esquerda. O giro e a velocidade de sua investida impulsionou a estoc como um pistão, e a arma atingiu o Presa de Ferro logo abaixo de sua placa peitoral, onde o aço endurecido dava lugar a um saiote reforçado com escamas metálicas. A estoc penetrou com um ângulo que se voltava para cima, enterrando-se no corpo do khadorano de forma letal.

Ferido mortalmente, o Presa de Ferro caiu, e Lorde d’Elyse se virou para enfrentar o khadorano remanescente, levantando sua estoc numa defesa ágil para frustrar uma estocada da lança do outro. Kovnik Grishka, contudo, não esteve parado durante o ataque de Lorde d’Elyse, e Vayne, ainda a quase trinta metros do corpo-a-corpo, podia ver as runas mágicas se materializando ao redor da mão distendida do conjurador de guerra.

— Benoir! — Gritou Vayne, mas já era tarde de mais.

Uma rajada de vento congelante e partículas de gelo emanou da mão de Grishka, envolvendo tanto Lorde d’Elyse quanto o Presa de Ferro a quem ele combatia. Vayne ouviu um grito de dor abafado, mas ele não soube dizer se partiu do Presa de Ferro ou do Lorde d’Elyse. Os dois desabaram ao chão e a atenção de Vayne foi desviada por Kovnik Grishka, que se lançava em sua direção. Para piorar, um dos Destruidores havia se afastado da linha de batalha khadorana e avançava pesadamente até o seu mestre.

Vayne tinha uma bala sobrando em sua pistola arcana, e ele vasculhou nos recônditos de suas reservas internas a força para convocar a sua magia mais poderosa, um tiro rúnico que ele arriscava apenas quando era certo que abateria a vítima. Não havia essa certeza agora. Mesmo assim, mirou no conjurador de guerra que investia contra ele e atirou. A magia da bala fortemente encantada havia sido feita para atravessar proteções de todos os tipos, e ela trespassou violentamente o campo de força de Grishka para então atingir o khadorano no ombro esquerdo. O conjurador de guerra girou devido a força do impacto e foi atirado contra o chão. Vayne sentiu a exaustão se apoderar dele; despejar aquele impressionante nível de força de vontade em sua bala rúnica havia temporariamente minado as suas forças. Seus joelhos se dobraram e seus braços ficaram lentos e pesados. A alguns metros de distância, Kovnik Grishka levantou com dificuldade, seu braço esquerdo pendia inútil no ombro. Ele apanhou o machado mekânico com a mão direita enquanto se aproximava com rapidez, seu rosto enrijecido de dor e determinação.

De braços tremendo devido a fadiga, Vayne abriu sua pistola arcana e puxou mais duas balas rúnicas de sua bandoleira. Ele olhou para cima enquanto seus dedos tentavam furiosamente recarregar antes que Kovnik Grishka conseguisse derrubá-lo. A iminente silhueta do Destruidor apareceu atrás do conjurador de guerra, aproximando-se rápido.

Vayne tentou recuar e terminar a recarga, mas tropeçou — ele caiu de costas dolorosamente. Ele tateou o sabre com a mão esquerda, sabendo que não conseguiria sacá-lo antes que Grishka partisse o seu crânio em dois. O Kovnik chegou até ele de machado levantado, suas feições juvenis se retorceram em um rosnado repleto de ódio.

Com o canto do olho esquerdo, Vayne notou um súbito movimento. Ele virou a cabeça e viu Lorde d’Elyse lançando-se adiante, mesmo mancando, em uma investida. Suas mãos apertavam o cabo da lança explosiva de um Presa de Ferro. Grishka viu o movimento também e ele se virou apenas para ser apanhado pela ponta da lança bem no meio do tórax. O explosivo na ponta da arma detonou com um clarão de fogo vermelho e amarelo. A força da explosão atirou Kovnik Grishka no chão e lançou Lorde d’Elyse para trás, fazendo com que caísse de costas.

O gigante-de-guerra da classe Destruidor que estava correndo para defender o seu mestre estacou a apenas seis metros de distância, deixando escapar um assobio de vapor. Com a força retornando aos seus membros, Vayne conseguiu se levantar e correu até onde Kovnik Grishka jazia. O conjurador de guerra estava de costas, esparramado no chão, um buraco irregular no centro de sua placa peitoral revelava a carne enegrecida abaixo da armadura. Ele vivia, contudo, e seus olhos travaram em Vayne. Ódio, medo e sofrimento guerrearam pelo controle das profundezas gélidas de seu interior.

Vayne não hesitou. Colocou um dos joelho no meio do tórax de Grishka, prendendo-o no chão, e então meteu os canos gêmeos de sua pistola arcana abaixo do queixo do jovem Kovnik. Vayne virou a cabeça quando puxou o gatilho, estremecendo um pouco quando o corpo do inimigo se debateu após o estrondo surdo do disparo da arma.

Vayne levantou e se afastou de sua vítima. Ele andou até onde o Lorde d’Elyse estava precariamente tentando se levantar. A armadura de d’Elyse estava repleta de gelo e ele tinha diversos queimaduras de frio em seu rosto. Sem falar nada, Vayne passou o braço por baixo dos do duelista, ajudando-o a se erguer. Ambos se viraram para assistir as fileiras khadoranas se quebrarem em caos e confusão. Sem contar com o apoio do controle de Grishka, os gigantes-de-guerra khadoranos não conseguiam oferecer resistência a nada além das pedras lançadas pelas linhas llaelesas. O Coronel d’Glaeys percebeu a oportunidade e a milícia e seus próprios gigantes-de-guerra avançaram para cercar as tropas khadoranas. Em minutos a batalha estava terminada. Cada um dos Blindados e dos Guardas Invernais remanescentes foram mortos ou capturados e os gigantes khadoranos reduzidos a sucata.

— Bom trabalho, Mestre di Brascio — Lorde d’Elyse falou em voz baixa por sobre o ombro enquanto mancava até a sua espada, que havia caído próxima ao Presa de Ferro que matara. Quando ele voltou, pegou o antebraço de Vayne, segurando-o em um aperto firme, em seus olhos havia ansiedade e esperança. — Espero que você possa ser convencido a continuar em Merywyn. Llael precisa de sua ajuda.

Vayne sorriu e colocou sua própria mão sobre a mão do Lorde d’Elyse.

  • Nota: Man-O-War Shocktrooper traduzido para Tropa de Choque Blindada,

NQ # 46, pág. 36–42

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