Mais uma cambalhota e estamos em 2016

Ricardo Lapão
Reflective Practice on Life
6 min readJan 24, 2016

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Foi o Natal. Entre prendas, jantares e combinações várias, somos invadidos por uma sensação de balanço, ou talvez não. Para mim, o final do ano leva-me sempre para esse lugar de olhar para trás e tentar perceber e sentir o que foi, como foi, o que ficou por ser… é um grande saco de emoções variadas que me deixa entre o nostálgico pelo que foi, triste pelo que podia ter sido, e feliz pelo que consegui. E tudo isto ao mesmo tempo.

Este ano em particular, e um pouco na continuidade do anterior, foi um ano de muitas mudanças inesperadas e de muitas experiências novas. Guardo uma sensação de metamorfose que não estou certo de ser das experiências em si, se do que os meus olhos querem ver. A verdade é que me sinto diferente, mais próximo de mim e com os pés mais assentes na terra. É como se me fosse possível olhar ao espelho e ver uma nova pessoa, mais madura, mais livre, mais gentil e mais amorosa, e isso faz-me sentir calor no meu coração e um friozinho na barriga em relação ao que está para vir. Este ano sinto que a agulha da minha bússola esteve orientada para todos os 360 graus, foi exaustivo, mas sinto que o resultado foi inesperadamente fantástico. E o mais fantástico é que o caminho foi feito por mim. Com dúvidas, com amigos, com lágrimas e gargalhadas, com fins e com inícios, mas foi feito por mim, e penso que essa foi a minha grande conquista de 2015 — Eu posso confiar em Mim, mesmo desconfiando.

Isso fez-me perceber que eu vivo muitas vezes numa prisão. Uma prisão criada por mim mesmo. Uma prisão que me obriga a ser perfeito, certinho, correcto, justo, simpático, tolerante, etc… Isto não foi uma grande novidade, aliás deve ser um tema de vida em si, mas a grande novidade foi ter percebido que a tentativa de sair dessa prisão era uma prisão em si. Descobrir que na verdade tudo o que eu preciso já está cá, mesmo que eu não o consiga ver ou sentir. Está. Não digo isto como uma panaceia ou remédio para todos os males. Continuo a espernear perante a frustração de não conseguir permanecer nesse “estado de graça”, e a sentir medo perante o desconhecido, mas alguma coisa mudou, passou a haver a possibilidade de uma direcção interna. Uma referência interna de casa que eu desconhecia. Isso trouxe-me uma maior legitimidade para ser eu próprio e para perseguir os meus sonhos.

Durante muito tempo julguei e critiquei aqueles que falavam de aceitação. Havia nessa palavra algo de desistência e resignação que me parecia odioso. Como vou desistir? Isso não é possível! Isso não é para mim! Eu sou um lutador, um guerreiro! Que vai até à última gota de suor. E sempre que mudava o cenário da minha vida, esse instinto guerreiro vinha comigo. “Eu não quero seguir o caminho dos peixes mortos, eu sou como o salmão a nadar contra a corrente.” Na verdade hoje compreendo que essa dificuldade com a aceitação estava relacionada com a minha dificuldade em aceitar-me a mim mesmo, como sou, aqui e agora. Se eu parar de lutar, vou ficar à deriva! Com ZERO controlo sobre a minha vida. Por vezes via outros peixes a ir com a corrente, dando pequenos toques para esquerda ou para a direita para apanhar um pouco de alimento, e pensava, que sortudos! Porque é que para eles é tão fácil? E nunca me passou pela cabeça a ideia de que isso estava ao meu alcance, que era uma escolha minha. Perceber isso foi como tirar do meu corpo uma malha de tensão. Quando essa tensão saiu, ao contrário da minha expectativa eu não senti apenas um alivio, eu senti medo. Foi assustador. Foi como se estivesse nu, e pior que isso com amnésia, pois todo o mundo de referências que tinha de mim, que eu conhecia, pareciam-me estranhas. Sentia-me como um foguetão que larga os tubos de combustível para entrar em órbita ao sabor das forças do universo, uma sensação de impotência sobre o meu próprio rumo que eu não conhecia. Mas… voltando aos peixes, quando decidi não continuar a nadar obsessivamente contra a corrente e me deixei ir, comecei a passar por todos os lugares onde já tinha estado, foram mais de trinta anos a nadar vigorosamente, então havia muita água percorrida, e cada vez que passava por alguma coisa que me dizia algo sentia um aperto no coração. “Também vou perder aquilo?” Nesses momentos dava por mim a voltar a nadar contra a corrente. E os desafios eram cada vez maiores, aquilo eu não posso perder. Mas à medida que fui nadando e desistindo de nadar, comecei a sentir uma força, e percebi que aqueles anos a nadar vigorosamente me deram força, me deram experiências e vivências que não estavam nos sítios nem nas coisas, mas estão em mim, no meu corpo, nas minhas memórias, na minha maturidade, em mim. Durante um tempo senti mesmo muita raiva contra mim próprio, eu considero-me uma pessoa inteligente. Como é que eu não pensei que era “só” parar de lutar!? Mas a certeza de que eu não queria continuar a lutar era mais forte, e inevitavelmente ganhava. Mesmo nos momentos em que sentia a ameaça da solidão e a ilusão da separação.
Durante esse retorno a Casa, foram muitos os fantasmas que me visitaram. Fantasmas que na verdade eram imagens de mim próprio que eu próprio construí e alimentei, como recursos para fugir de mim.
Fui percebendo o tamanho da minha arrogância, e o quanto era para mim assustador ser apenas mais um peixe no oceano, sem nunca ter parado para pensar que ser mais um peixe no oceano, se calhar, poderia não ser assim tão mau.
Lutar com esses fantasmas fazia-me voltar a nadar contra a corrente, até conseguir quebrar a ilusão e perceber que eles eram eu, e que ao lutar contra eles estava outra vez a lutar contra mim próprio, e que na verdade, eles apenas queriam ser reconhecidos como partes de mim, e que eu me recusava a fazê-lo. Foi aí que eu voltei a ouvir a palavra aceitação, Ah então é isto que quer dizer Aceitação! E esses pequenos momentos de Eureka, foram permitindo que eu fosse crescendo, e percebendo que eu sofria de uma forma distorcida de anorexia, se me tirassem um fotografia veriam um peixe em espinha a lutar freneticamente contra a sua própria carne. Quanto mais eu lutava mais carne aparecia, o que até fazia sentido pois a minha massa muscular ia aumentando. E eu inocentemente reclamava. Mas de onde vem tem tanta coisa? E surpreendentemente cada vez que virava costas a uma batalha, bocados da minha carne voltavam ao seu lugar. O mais “cómico” é hoje em dia lembrar as muitas vezes que me olhei ao espelho e que me questionei, mas porque é que eu tenho tantas feridas? Porque é que me faltam tantos bocados! Eu até sou boa pessoa, porque é que é tudo tão difícil?

Mas até aqui ainda tudo estava bastante contaminado pela dualidade da luta, do esforço. Apenas tinha do meu lado um “salto de Fé”. Se eu desistir vai ser melhor. “Será?” Não sei, mas vou confiar que sim!, e nesse processo volta e meia voltava o meu critico e questionador interno, que por acaso é bastante gozão e dizia “Sim, sim, estás muito melhor agora! Tudo o que tu construíste até agora, podes dizer adeus, e com o que é que ficaste? Com nada, nadinha! Isso deixa ir, liberta-te de tudo e pode ser que apareça aí na esquina o bilhete vencedor da lotaria. Volta e meia surgiam desafios, e e a voz gritava: “Eu avisei-te, eu disse-te que te ias dar mal, agora aguenta-te, a não ser que queiras voltar a nadar contra a corrente. Na verdade, tu até já o fizeste uma vez, agora até deve ser mais fácil.” Mas eu já não era o mesmo, eu já sabia que não era por ali, eu já tinha sentido pequenos momentos da paz de não lutar e isso tinha-me transformado. Então, com alguma pena ia-me deixando ir.

08.12.2015

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