Meditação, Corpo, Expressão e Educação Emocional

Ricardo Lapão
Reflective Practice on Life
5 min readMay 14, 2016

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Cada vez mais me cruzo com pessoas que me perguntam coisas como “Isso da meditação funciona mesmo?”, “O que é que é meditação?”, “Como é que se medita?” ou dizem algo como “Eu já experimentei algumas vezes mas não consigo”, “Não é para mim”.

Confesso que por vezes isso me deixa um pouco frustrado, não em relação às pessoas, mas em relação à falta e má informação que existe acerca do tema. Por outro lado é também uma oportunidade. No meu percurso tenho descoberto muita coisa acerca da meditação, e das coisas mais espectaculares é que qualquer coisa pode ser meditação e qualquer meditação pode não ser realmente meditação. Ou seja, o que é que é meditação? Para mim, a meditação é uma estado de permissão, que ao contrário das outras actividades em que fazemos coisas para chegar a um lugar, na meditação podemos estar ou não a fazer coisas, mas a meditação é um permissão, nasce de um espaço de relaxamento e são os lugares que vêm ter connosco. Além do estado, existem práticas. E as práticas são caminhos, que têm como objectivo guiar-nos até ao estado, de relaxamento e permissão.

Mas que lugares vêm ter connosco?

Para mim, a prática meditativa é toda a prática que aumenta a minha consciência sobre o meu estado actual. Ou seja, para mim o objectivo da meditação é sempre ampliar o reconhecimento de como é que eu estou neste momento, o que é que se está a passar comigo agora, e agora, e agora, e agora. Quase tudo o que se está a passar na minha mente consciente não diz respeito ao instante em que eu estou, e por isso não é muito relevante para a prática, no entanto, quase tudo o que se está a passar no meu corpo consciente diz respeito exactamente ao que está a passar comigo no momento presente, e isso é muito relevante para a prática. Muitas pessoas depois de fazerem uma prática meditativa dizem “Estou muito cansado”, e por vezes associam esse cansaço à prática, no entanto, a prática foi apenas o caminho para o reconhecimento desse cansaço que já lá estava antes. Normalmente este cansaço não é apenas físico, mas também emocional. Daí que o caminho para a meditação através do corpo seja mais fácil, para a maioria das pessoas.

Então meditar é não pensar?

Do meu ponto de vista essa é uma das maiores ilusões e crenças prejudiciais em relação à meditação. Se o objectivo da meditação é ter maior consciência do que se está a passar comigo, uma das consequências naturais da prática é um maior alinhamento entre mim e o meu ser natural, há uma maior adequação nas minhas respostas e consequentemente menor esforço e menos tensão, o que dá um maior relaxamento. Em particular, um maior alinhamento entre como me sinto, o que eu sinto e o que eu penso. A esse alinhamento eu chamo mais realidade. Se eu estiver a andar com as costas curvadas e começar a sentir uma dor, ou alguém me apontar esse facto, eu vou naturalmente corrigir a minha postura, na verdade há uma adequação da minha postura à minha naturalidade natural. E, provavelmente, eu passado um tempo vou me encontrar novamente na postura “errada” ou mais desadequada a um estado de maior relaxamento. Se eu tiver ganho esse hábito, eu já nem vou sentir desconforto físico e o meu corpo e tensão vão-se adaptar, e o desconforto físico e a tensão virão com correcção da postura.

Mas se quando eu tomo consciência eu corrijo, porque é que eu não mantenho?

Porque existe uma distância entre o que se está a passar comigo e o que eu tenho consciência que se está a passar comigo em cada momento. Ou seja, eu desconecto-me de mim, do meu corpo e das minhas sensações. Porque ao corrigir a minha postura, eu relaxo, e ao relaxar eu permito que venha uma maior sensibilidade, e essa sensibilidade assusta-me, é-me desconfortável, ou constitui mesmo uma ameaça à minha organização e estrutura.

Sentir é uma ameaça?

Da minha experiência parar e entrar em contacto connosco próprios, ou sentirmo-nos, é algo muito difícil, sobretudo porque existem um conjunto de emoções no caminho (entre mim e mim), sejam elas tristeza, zanga, medo, excitação ou outra qualquer, que eu não quero sentir. Quando elas surgem, a maioria das vezes passamos por cima delas, ou seja, reprimimo-las. Há muitas maneiras de o fazer, a mais fácil e automática é contrair os músculos e parar de respirar. No entanto, quando aparecem elas querem dizer-nos algo. E, para saber o quê é necessário dar-lhes espaço e possibilidade de expressão.

Mas essa expressão muitas vezes não tem espaço (físico e social), ou quando tem espaço não nos sentimos seguros para avançar. O mais comum é sentirmos medo de as expressar, uma vez que vamos acumulando registos de que expressar emoções é mau, desagradável ou inadequado. Outras vezes, até o queremos fazer mas não sabemos como. Esquecemo-nos… A expressão é algo que tem muitas formas e possibilidades, eu posso expressar-me através da dança, da voz, do corpo, das mãos, da música, etc. Mas para que eu consiga fazer essa canalização eu preciso de aprender. Não digo aprender técnicas ou métodos, mas aprender internamente, emocionalmente. Eu preciso de construir um reportório de experiências que me permitem reconhecer as minhas emoções e depois construir uma segurança que me permita escolher formas de expressão adequadas ao meu estado interno, aos meus recursos e ao meu contexto. Para isso, provavelmente, eu preciso de suporte.

Se tudo isto vale para nós adultos, vale também para as crianças, pois também elas, no mínimo a partir da idade escolar, começam a estar sobre um grande influência de sistemas mais repressivos, senão o for o seu sistema familiar, onde há pouco espaço para a expressão, mais não seja por terem que estar várias horas seguidas sentadas numa sala de aula. Com isto não quero dizer que seja bom ou mau (isso cada um sentirá à sua maneira) mas sinto que se esse mesmo processo for acompanhado de um espaço de partilha e aprendizagem emocional, de aprender a reconhecer e a lidar com as minhas emoções, o impacto pode ser radicalmente diferente.

Quando sentimos uma sensação física, se lhe dermos espaço, essa sensação vai transformar-se numa emoção, numa imagem ou num pensamento, e essas “coisas” contêm informação, que muitas vezes falam sobre as nossas necessidades. Ora se eu conseguir reconhecer o que é que eu preciso, que necessidades eu tenho, a cada momento da minha vida, e sobretudo em momentos críticos de maior intensidade emocional, e conseguir assumir essa responsabilidade — isso parece-me revolucionário.

Por tudo isto, para mim, meditar nao é não pensar, mas sim sentir-me melhor, sentir melhor e pensar melhor, sendo que o referencial de melhor não externo, mas sim interno.

Eu imagino um mundo em que uma criança pode substituir uma birra por uma solução, como por exemplo “Mãe, eu sinto-me frustrado, preciso de descarregar a minha frustração, abraça-me”. Com crianças assim, imaginem que adultos teríamos :-D

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