Informática na educação

Andre Sobral
Reflexão Computacional
8 min readJul 30, 2019

Aprender fazendo

Os computadores modificaram como realizamos muitas das nossas atividades cotidianas como ouvir música, jogar, comprar e conversar. Será que a informática modificou a educação e as salas de aula da mesma forma?

Jean-Marc Côté e outros artistas franceses pintaram de 1899 até 1910 imagens de como seria o futuro

Chamamos de educação as atividades que envolvem a consolidação das informações mais confiáveis através da instrução de outras pessoas. É a forma como apreendemos o que existe, como funciona e o que é possível no mundo em que habitamos.

Estamos acostumados a idéia de que a educação se dá nas escolas, mas essas instituições surgiram em um momento específico da história, juntamente com o estado-nação. Anteriormente, a educação era uma responsabilidade da religião ou da família, que complementava a instrução doméstica com tutores, pessoas responsáveis por um acompanhamento personalizado do jovem.

A informática busca o processamento e a automatização das informações, computadores são máquinas de capturar e combinar símbolos, produzindo relações entre as informações oferecidas. O funcionamento do cérebro humano foi uma inspiração para a computação, não é de se espantar que a informática buscaria também formas de tornar mais eficiente o aprendizado dos homens.

Existe diferença entre as salas de aula acima?

O que entendemos por educação está presente na estrutura da escola, a própria sala de aula possui um tipo de organização préviamente pensada: apenas um professor; número maior ou menor de estudantes; ser uma sala; possuir cadeiras; existir um quadro; quantidade de tempo de aula; forma de avaliação; e até o tipo de atividade realizada durante os encontros.

Estes modelos de educação são baseados em uma ideia de que o professor possui as informações e que elas são passadas em uma única direção para um grupo grande e passivo de estudantes. Esta idéia que orienta nossas escolas muitas vezes ignora os meios que influenciam o processo de educar.

Será que a presença de um computador, seja na forma de projeções de slides ou como um quadro inteligente, modifica a sala de aula de alguma forma? É isso que entendemos como informática na educação?

Digitar textos, assistir aulas online, preparar slides e gráficos. É isso a informática na educação?

Boa parte do que utilizamos como informática na educação não foi produzido com o objetivo de modificar o processo educacional, mas para substituir ferramentas. A adoção de ferramentas digitais novas não implicam necessariamente em um aprendizado melhor, mais rápido ou eficiente pelos estudantes.

Apesar de existirem ganhos, também existem perdas. Será que o estudante, que não mais pratica a escrita e agora conta com um corretor automático, terá o mesmo aprendizado e domínio da língua? Uma aula online pode utilizar mais recursos visuais e alcançar um maior público, mas será que a ausência de discussões, colegas e do professor para esclarecimento de dúvidas resultará no mesmo ganho que uma aula normal?

Aperfeiçoamento de um método não questionado

A informática possibilitou o processamento em larga escala de dados, o que incentivou a escolha de um caminho pedagógico centrado na produção dessas informações. Trabalhamos com médias e notas como se elas significassem bastante sobre o aprendizado dos estudantes. Os professores geram indicadores na forma de números que são ofertados para as respostas dos estudante em avaliações pontuais.

Um período longo de aulas onde inúmeras informações são depositadas é avaliado através de um saque limitado em poucas horas de dedicação a um formulário padronizado chamado de prova. Pouco importa se a informação foi dominada e pode ser aplicada de forma prática ou foi memorizada para então ser descartada após a avaliação.

Esta avaliação pontual desconsidera problemas de saúde ou traumas emocionais momentâneos que possam afetar o desempenho do estudante, assim como situações ambientais e corporais como calor, frio, fome e desconforto sonoro. Os resultados dessas medições são processados e produzem indicadores da qualidade educacional, narrando a eficiência do estudante e da instituição sem qualquer proximidade das salas de aula onde são realizadas.

A escola é derivada de um modelo econômico e social

A escola é fruto de um tipo de sociedade de um período histórico em que foi idealizada: A presença de grades por toda parte; o controle dos corpos e suas vestimentas; a escolha das fileiras como organização; a organização das aulas por disciplinas; a imposição dos horários; o uso do sinal; e a separação em séries anuais.

A forma como ensinamos ignora quase que completamente os corpos dos estudantes os colocando de forma passiva em cadeiras por longos períodos, uma escolha baseada em uma percepção da mente como separada do corpo da qual faz parte. Até mesmo a alimentação que provê o corpo e a mente com os recursos necessários ao aprendizado é considerada como menos relevante na equação do ensino escolar.

Computadores foram distribuídos como soluções para problemas educacionais pelo mundo.
OLPC e Classmate

A proposta de uma mudança educacional através da informática para a educação observa no computador uma oportunidade para modificar o processo de aprendizado, invertendo papéis de professor e estudante.

O computador, quando pensado como uma máquina de processamento de linguagem e informações, permite colocar o estudante como programador, associando a prática de ensinar ao computador ao aprendizado e a resolução de problemas.

A lógica de programação seria uma forma de ensinar a pensar e categorizar o mundo e suas relações. Esta mudança oferece uma nova forma de pensar o problema pedagógico da sala de aula, que ao invés de procurar cumprir tabelas de conteúdos e informações, estaria interessada em oferecer artefatos produzidos pela ação dos estudantes.

O educador Sebastião Rocha e a educação baseada nas experiências das crianças.

A proposta de uma educação diferente deve se distanciar da repetição dos mesmos valores e modelos em ferramentas diferentes, ela deve procurar nossas experiências, desejos e potenciais. A disputa entre teoria e prática é uma armadilha, pois ambas estão relacionadas de forma inseparável.

Na cidade de Araçuaí, no interior de Minas Gerais, uma iniciativa popular de educação foi capaz de mobilizar a comunidade ao redor da educação através de uma proposta de não-escola surgida da crítica ao modelo tradicionalmente oferecido. No projeto ser criança, o foco é o desenvolvimento de cada estudante em sua relação com a comunidade e a cultura do local, buscando uma relação prazerosa com o aprendizado.

Somos protagonistas ou coadjuvantes de nossa própria educação?

A pergunta que a informática pode ajudar a responder é uma sobre o propósito da educação: Para que mundo educamos; quem são as pessoas que educamos; e por que educamos? O computador pode ser parte de um projeto pedagógico que pense a necessidade da criação e da prática como forma de aprendizado.

Outra contribuição que a informática pode trazer para o campo educacional diz respeito ao acesso e a escala, a disponibilidade da informação e a facilidade do seu consumo. Os aplicativos e softwares estão produzindo mais modelos de organização e distribuição de conteúdos antes restritos a pequenos grupos.

O acesso a informação ou comercialização do conhecimento?

Uma das formas mais significativas que possuímos de ampliação do acesso ao conhecimento está nas ferramentas de buscas e grandes bancos de dados de instituições universitárias. A disponibilidade de fontes e referências contribuiu significativamente para pesquisas dentro e fora dos ambientes escolares.

O controle dos bancos de dados e quem pode acessá-los continua um problema, existindo grandes conglomerados que lucram com barreiras de acesso ao conhecimento. No entanto, existem sempre iniciativas que procuram enfrentar esse controle e facilitar o acesso à informação.

A Informática pode contribuir com maior acessibilidade para a educação.

A informática pode transformar a educação através da acessibilidade de outras formas além da mera presença de informações online. Uma possibilidade é a construção de programas tutores capazes de personalizar o processo de aprendizado para cada estudante em uma turma, possibilitando um acompanhamento do ritmo e dos desafios oferecidos na educação.

A internet tem contribuído com a formação de comunidades de aprendizado, que operam não só como repositórios de aulas e informações, mas mobilizam cooperações entre seus participantes que persistem após o final dos cursos. Outra possibilidade da computação é oferecer novas mídias interativas para que estudantes entrem em contato com o assunto abordado usando outros sentidos como o toque.

A informática pode também quebrar barreiras de acesso a informações com ferramentas de tradução linguística dos conteúdos, permitindo pessoas de diferentes nacionalidades terem acesso ao que é escrito no planeta. Este processo de tradução pode abarcar também pessoas com deficiências, oferecendo os conteúdos em meios como braille e língua de sinais.

A informática permite a prática como meio pedagógico

Quando trabalhamos com computadores na educação, abre-se a possibilidade de uma pedagogia por projetos de forma mais abrangente e facilitada. Estudantes de diferentes cursos podem relacionar temáticas diversas com a criação de soluções computacionais, já que a informação é o denominador comum de qualquer relação humana com o conhecimento.

Produzir um mínimo produto viável ao final de um curso dá a oportunidade para os estudantes de colocar em prática seus conhecimentos de uma forma a propor uma interação com o mundo em que habitam e os desafios que percebem.

Informática também é entretenimento

O computador hoje possui um papel central na indústria do entretenimento, rendendo cifras maiores do que o cinema. O fascínio que os jogos provocam é um aliado na construção de uma pedagogia focada no prazer de aprender, onde o jogo é mais do que mero passatempo, mas sim uma mídia interativa para o ensino de um conteúdo.

LIBRASOffice & Damática

A possibilidade de interatividade entre jogador e jogo transborda para o conteúdo temático do jogo e seu ensino. É possível inverter novamente a dinâmica passiva de professor e estudante, permitindo a descoberta do conteúdo através da experimentação lúdica.

Jogos podem transformar o papel do professor.

A informática possui muito a contribuir para a educação, descentralizando e invertendo seus papéis. O professor pode sair do seu papel autoritário de automâto disseminador e repetidor de informações para descobrir uma nova relação com sua profissão. Em um mundo onde atividades repetitivas podem ser facilmente automatizadas, cabe ao professor resgatar sua relevância humana de provocador da curiosidade, da aproximação humana com o sujeito do processo educacional e seu potencial.

Referências

Foucault, Michel. Vigiar e Punir. nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,. 1987.
Severo, Fernando. TICs e TACs: o refazimento de softwares e engenheiros no limiar entre as ciências e os segredos. PESC/COPPE, 2016.
Paquete, Gilles. Quantophrenia. University of Ottawa, 2009.
Papert, Saymour. Mindstorms: children, computers, and powerful ideas. Basic Books, New York.

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