Redes Sociais, manadas e liberdade de expressão

Andre Sobral
Reflexão Computacional
9 min readAug 22, 2019

Um mundo virtual?

As redes sociais se tornaram inescapáveis, é difícil conhecer alguém que não esteja participando de pelo menos uma. Até mesmo os aplicativos originalmente voltados para troca de mensagens, serviços e estudo tomaram o formato de redes sociais. Mas o que é uma rede social? Existem redes que não são sociais?

Antes do surgimento das redes sociais e da web 2.0, existiam meios de comunicação direta “interativos” como o telegrafo e a telefonia e outros meios como jornais, rádios e televisores que transmitiam em apenas um sentido, propagando suas informações para receptores que poderiam apenas escutar.

Quem não conhece a voz do Brasil?

O que torna a rede “social” é a existência da possibilidade de comunicação entre os participantes, diferentemente das redes anteriores que operavam em apenas um sentido. Entendermos a força de um meio de comunicação através do seu alcance, não apenas em distância mas em número de pessoas atingidas, a sua audiência.

Os meios de comunicação ganham dinheiro através da venda da atenção de sua audiência para empresas que desejam fazer propagandas. O preço cobrado por esse acesso é proporcional ao número e ao perfil de pessoas alcançadas pelo meio de comunicação.

Quando falamos de redes sociais, quanto será que vale a nossa atenção? Será que somos parte das notícias do dia quando postamos uma foto em uma rede social? Uma imagem do que comemos ou de para onde vamos gera alguma renda para uma empresa? O quanto vale ficar por dentro dos acontecimentos da vida dos seus amigos?

De graça até injeção na testa ou “perfil do Google+?”

Uma das primeiras tentativas de explicar os efeitos da mídia de massa na população comparava a mídia a uma injeção de informação no público, que aceitaria passivamente e seria convencida por suas mensagens. Mas será que acreditamos em tudo que nos é dito? Somos facilmente manipulados pela imprensa?

Felizmente esse não é o caso, mas isso não quer dizer que somos imunes aos efeitos da mídia. Todos nós habitamos diferentes mundos, onde percebemos o que acontece de acordo com uma visão formada por narrativas que explicam o que existe e como as coisas funcionam.

O que se verifica é a ocorrência de um viés de confirmação, onde é sugerido pelo meio de comunicação uma informação que o receptor tem maior probabilidade de já aceitar. Mas como saber o que alguém é mais suscetível em acreditar?

Uma epidemia comunicacional

As redes sociais não são iguais aos outros lugares da internet , pois a rede possui muitos espaços que operam de forma similar aos meios de comunicação de transmissão em apenas um sentido. Quando falamos das redes sociais estamos pensando em espaços focados e movidos pela interação dos seus usuários.

Gilberto Gil canta as redes, já menos otimista agora que no passado.

A “viralização” de um conteúdo nas redes sociais ocorre quando seus usuários replicam a mesma mensagem inúmeras vezes em uma cascata que amplia o universo de atingidos exponencialmente. Este fenômeno pode ocorrer de forma imprevisível mas também é estudado e planejado por empresas que empregam especialistas em sua produção.

O foco das redes sociais é geralmente direcionado para mensagens rápidas, fáceis de reproduzir e compartilhar entre seus usuários. O que entendemos por “meme” é nada mais que uma mensagem curta e simples que utiliza estímulos visuais para provocar uma sensação e espalhar uma visão ou leitura de mundo.

A mesma mensagem e conteúdo podem se tornar virais ao serem adaptadas para um formato simplificado, traduzidas em uma imagem familiar ou engraçada e associadas a uma memória agradável para o público que está sendo direcionada.

Quando usamos as redes sociais estamos nos comunicando em público, isso pode ser evidente em fóruns ou postagens, mas também é verdadeiro para mensagens diretas aparentemente privadas. Os aplicativos de comunicação contam com funcionalidades que permitem a cópia, o encaminhamento e o registro das mensagens de forma que qualquer comunicação está sujeita a possibilidade de ser exposta ao escrutínio público.

Uma das consequências do surgimento das redes sociais é a descentralização da produção e circulação de informações. No passado apenas podiam emitir notícias aqueles que possuíam um enorme aparato para possibilitar sua produção, hoje possuímos celulares que são capazes de filmar, fotografar, gravar e transmitir em tempo real os acontecimento.

Uma ideia na cabeça e um celular na mão.

Uma das consequências do surgimento das redes sociais é a descentralização da produção e circulação de informações. No passado apenas podiam emitir notícias aqueles que possuíam um enorme e caro aparato para possibilitar sua produção, hoje possuímos celulares que são capazes de filmar, fotografar, gravar e transmitir em tempo real os acontecimento.

Grandes meios de comunicação procuram simular confiabilidade e isenção em seu trabalho, mas quando recebemos notícias, devemos considerar que tipo de orientação financeira e editorial estão envolvidas em sua narrativa. Um jornal de propriedade de grandes empresários que possui entre seus compradores a classe média e alta provavelmente terá um tom e perspectiva adaptado para este público.

De forma similar, um cidadão que utiliza seu celular para gravar uma ação policial em seu bairro terá em sua narrativa o interesse e a perspectiva de quem está presente e envolvido naquele momento em algo intenso e potencialmente perigoso. Logo o jornalismo chamado de “independente” poderia ser entendido como um tipo engajado de produção de narrativas.

É impossível contar uma história sem um ponto de vista, mesmo quando o narrador que se coloca como isento ou neutro, narrando como um olhar de fora uma situação, esta também é uma escolha política de como narrar. Estamos, portanto, não a procura de uma verdade jornalistica, mas de inúmeras histórias que possam enriquecer como entendemos um acontecimento.

A grande quantidade de produtores de conteúdos nas redes sociais levam a outro problema, o de como selecionar o que e quando consumir. Será que nós estamos fazendo um bom uso do nosso tempo e uma boa seleção do que clicamos?

Uma indústria da atenção

Quem nunca levou o celular para o banheiro e passou horas sentado ao vaso sanitário navegando pelas redes sociais? O tempo que passamos conectados e interagindo com sites e aplicativos é influenciado por sua arquitetura, e como tempo de navegação é a moeda que gera lucro para as empresas, o design é sempre otimizado para prender nossa atenção.

São muitas as estratégias das empresas para otimizar os seus rendimentos: Manchetes chamativas que são conhecidas como “iscas de cliques”; os locais onde são distribuídas as propagandas; os mecanismos que permitem saber seus hábitos e preferências; o tom amigável e íntimo das interfaces; a infinitude do conteúdo disposto em uma linha do tempo inacabável; o envolvimento emocional com o conteúdo.

Manadas digitais?

Quando estamos nas redes sociais, estamos convivendo e interagindo com centenas de pessoas. Será que conversamos e interagimos da mesma forma quando em grupos tão grandes? A psicologia das multidões observa o comportamento de grandes grupos de pessoas em situações diversas como incêndios, catástrofes, brigas de torcida, linchamentos.

Quando há uma aparente unanimidade em relação a algum comportamento, se torna mais fácil a sua aceitação e repetição. Por exemplo, quando alguém grita bandido na rua, é mais fácil acreditar do que desconfiar da acusação. Da mesma forma, quando já existem muitas pessoas hostilizando uma posição em uma postagem, é mais fácil xingar ou atacar seu produtor.

Desafiar uma visão corrente em um espaço coletivo exige mais coragem e determinação do que fazer o mesmo em uma conversa privativa. O custo associado a admitir estar errado também é relativo ao tamanho do público envolvido, sendo mais difícil para um dos lados admitir a derrota em um debate público.

O mesmo é válido para o reforço positivo no que chamamos de “bolhas”, onde as redes sociais produzem espaços povoados apenas por pessoas que concordam com nossa opinião. Estes ambientes atuam como câmaras de eco, que fortalecem nossas crenças e visões de mundo produzindo uma sensação de que existe apenas uma narrativa sobre os acontecimentos.

Envenenados pelas redes sociais

Existe uma percepção de virtualidade nas redes sociais, onde o intermédio de telas e computadores produz um distanciamento que facilitaria a sensação de impunidade e encorajaria a falta de empatia entre seus usuários. A sugerida liberdade de expressão criada pelas redes não é absoluta, existem inúmeros casos de consequências graves para pessoas que realizaram atividades nocivas online.

Em 2013 protestos que colocaram milhões nas ruas foram organizados por todo o Brasil através das redes sociais, ativistas que mobilizaram protestos foram presos em consequência de sua militância. Em 2018 empresas utilizaram-se das redes sociais para promover um candidato à presidência, um modelo de propaganda eleitoral irregular que resultou na vitória do candidato.

Não há virtualidade nas redes sociais, as chamadas nuvens que hospedam arquivos são servidores de aço e concreto. A internet depende de redes físicas, relações políticas e das pessoas que a utilizam, ela é um espaço como outros. Devemos ter em mente que as interações que ocorrem na rede são reais e produzem efeitos igualmente inescapáveis. Agressões que são consideradas intoleráveis no dia a dia não devem ser entendidas como menos graves por ocorreram na internet.

As redes, quando não supervisionadas, tem produzido espaços de intolerância e agressão irrestrita, assim como fóruns que alimentam comportamento destrutivos e extremismo violento e suicida. A replicação de comportamentos negativos e linguagem agressiva na rede tem banalizado tais comportamentos também nas ruas e salas de aula.

O cérebro eletrônico também faz spam!

Como saber se a pessoa com quem você discute na internet é mal intencionada? Será mesmo que ela é uma pessoa? Alan Turing produziu teorias da computação a respeito da dificuldade de distinguirmos computadores e humanos em ambientes controlados. As redes sociais atuais estão repletas de robôs comprados para disseminar conteúdos enquanto se passam por usuários humanos.

A atuação dos robôs pode produzir métricas falsas de aprovação ou repercussão de assuntos, construindo as pautas a serem discutidas por outros meios de comunicação. Desta forma, é possível produzir engajamento por replicação automatizada de apoio, até mesmo polemizando e antagonizando contra palavras chave dos seus concorrentes.

Admirável 1984 novo

As redes sociais vendem uma imagem de familiaridade e intimidade para seus consumidores, parecem ser espaços colaborativos e amigáveis onde podemos ser mais felizes. No entanto, observamos constantemente comportamentos nocivos destas companhias em nome de maiores poderes e margens de lucro.

Nosso trabalho informacional e emocional é quase sempre gratuito e produz riqueza para as companhias que administram remotamente. O nível de acesso a nossas vidas pessoais que as tecnologias como celulares e assistentes oferecem para as empresas é praticamente inimaginável, superando facilmente a distopia de George Orwell onde um televisor nos vigia em cada cômodo.

Governos tem criado parcerias com redes sociais ou fundado suas próprias redes para vigiar e controlar o comportamento do seu povo, e não temos mais certeza de que mundo nossos colegas e família habitam., pois suas bolhas possuem fontes de informação que são radicalmente diferentes das nossas.

Vivemos uma combinação perversa das piores distopias produzidas no último século, onde uma plataforma de entretenimento e diversão coloniza outros campos da vida e produz uma vigilância incessante. É necessário rever nossos hábitos dentro e fora das redes sociais, refletindo sobre as permissões que concedemos as gigantes empresas de tecnologia que estão bastante interessadas no controle do nosso comportamento.

Referências

MALINI, Fábio. ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013.

SCHNEIDER, Christopher, J. TROTTIER, Daniel. The 2011 Vancouver Riot and the role of Facebook in Crowd-Sourced Policing. BC Studies no.175, Autumn 2012.

SOBRAL, André. Ações Coletivas em Rede: Um Estudo de Caso Sobre o Anonymous Rio. UFRJ, 2016.

SOUSA, Cidoval Morias de. Jornadas de Junho: repercussões e leituras. Campina Grande: EDUPB, 2013.

WHALEN, John. Persuasive Design: Putting it to use.

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