A contribuição da teoria crítica para as teorias da comunicação

Amanda Santos
Reflexões Subversivas
5 min readAug 23, 2017
Francis Alÿs: The Fabiola Project

O texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” foi publicado por Walter Benjamin (Escola de Frankfurt) em 1955 e está inserido nos estudos da Teoria Crítica. A Teoria Crítica foi formulada por intelectuais que, de acordo com Mauro Wolf, se basearam em ideais marxistas “na tentativa de consolidar a atitude crítica em relação à ciência e à cultura, com a proposta política de uma reorganização racional da sociedade, em condição de superar a crise da razão.” Foi daí que surgiu o termo Indústria Cultural (cunhado por Adorno e Horkheimer em “Dialética do Esclarecimento”) e as análises a respeito de como a arte se torna um negócio no sistema capitalista.

Em uma era de reprodutibilidade técnica, a arte passa a ser feita para ser reproduzida, ou seja, deixa de estimular qualquer pensamento crítico para se tornar apenas uma mercadoria. Essa reprodução em massa destrói a qualidade de objeto único e individual da obra; entretanto, a arte deixa de ser restrita às classes mais altas e passa a estar presente em todos os “níveis” da sociedade, o que a torna mais democrática, de certa forma. Essa democratização da arte se contrapõe com o fato de a produção da arte estar nas mãos das classes mais altas, que utilizariam essa produção cultural para manipular e, de certa forma, controlar as massas — e, como os próprios Adorno e Horkheimer afirmaram em sua obra, “sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica”. Em relação a esse monopólio da mídia, Benjamin menciona que “esse capital [cinematográfico] estimula o culto do estrelato, que não visa conservar apenas a magia da personalidade, há muito reduzida ao clarão putrefato que emana do seu caráter de mercadoria, mas também o seu complemento, o culto do público, e estimula, além disso, a consciência corrupta das massas, que o fascismo tenta pôr no lugar de sua consciência de classe”.

Os meios de comunicação de massa seriam uma forma de alienação do proletariado e a arte, como uma indústria, apenas impulsionaria a manutenção do sistema capitalista e de suas opressões. A indústria cultural não só permanece a indústria da diversão, como dizem os autores em Dialética do Esclarecimento, como também, segundo eles, a diversão seria “procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo”. O ato de se divertir não significa apenas conformismo e “estar de acordo”, mas também não ter que pensar no que é mostrado, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é exibido — é uma fuga de realidade.

O espectador não tem necessidade de nenhum pensamento próprio, pois “o produto prescreve toda reação” e, além disso, o tempo todo a mídia lhes diz o que pensar. Ao assistir a um telejornal, por exemplo, os fatos são noticiados com extrema parcialidade — você já recebe aquela informação com um certo ponto de vista a respeito e, teoricamente, não há razão para questionar tal opinião, uma vez que é muito mais fácil aceitá-la. E, como disseram em Dialética do Esclarecimento, “quem não se conforma é punido com uma impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do individualista”, ou seja, quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Em sua obra, Benjamin diz que “as massas têm o direito de exigir a mudança das relações de propriedade; o Fascismo permite que elas se exprimam conservando, ao mesmo tempo, essas relações”.

É impossível fugir da influência da indústria cultural quando o mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da mesma. Mesmo tendo posicionamento crítico, toda pessoa acaba sendo suscetível a certas influências, pois estas estão presentes em todos os meios midiáticos e é praticamente impossível evitá-las. No capítulo sobre indústria cultural da obra dos dois autores frankfurtianos, afirma-se que “o inimigo que se combate é o inimigo que já está derrotado, o sujeito pensante”, o que reforça a ideia de que pessoas que pensam de formas diferentes são uma possível ameaça às grandes corporações e ao sistema vigente. Além disso, ninguém tem que se responsabilizar oficialmente pelo que pensa, pois as instituições mais influentes acabam direcionando a sociedade para que tenham certas opiniões. Na obra mencionada, o trecho que mais exemplifica tal conformismo afirma que “a cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários, e não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz algo a mais. Ela exercita o indivíduo no preenchimento da condição sob a qual ele está autorizado a levar essa vida inexorável”.

Se a burguesia, detentora do monopólio midiático, utiliza as mídias “de massa” para controlar a massa de acordo com seus ideais e suas necessidades, processo comunicacional em questão seria usado para manipular o proletariado, que em tese não teria posicionamento crítico em relação às informações recebidas pelas mídias e acabaria reproduzindo o mesmo discurso padronizado que só serviria alienar as classes mais “baixas” e manter o sistema capitalista, impedindo também a formação da consciência de classe na população proletária.

Embora pesquisas mais recentes tenham demonstrado que os receptores não são tão passivos assim (e, embora nem sempre tenham posicionamento crítico, muitos acabam tendo uma visão diferente da esperada), os estudos de Adorno, Horkheimer e Benjamin fazem muito sentido, principalmente numa sociedade onde a desigualdade entre as classes é grande e o controle da produção midiática e cultural está nas mãos da classe mais “elitizada”, que tem acesso a outras formas de cultura mais eruditas, enquanto as classes mais baixas só têm acesso ao que lhes é oferecido pela indústria cultural e acabam perpetuando os mesmos valores. Embora não seja manipulado, o receptor recebe enorme influência dos meios de comunicação de massa e, além disso, há uma falsa ideia de liberdade de escolha, o que chega a ser irônico uma vez que se vê sempre a mesma coisa, ou seja, há uma liberdade de escolha entre coisas que acabam se mostrando iguais.

A Teoria Crítica, assim como as teorias Hipodérmica (Escola Norte-Americana) e Funcionalista, é considerada “ultrapassada” nos dias de hoje, mas contribui bastante para o estudo dos efeitos da comunicação na sociedade moderna. Tal teoria representaria, de certa forma, resistência a certos modelos econômicos impostos pela sociedade, sugerindo o uso da razão, da formação cultural e da arte para superar o modelo social vigente.

O conceito de Indústria Cultural nos fornece uma crítica importante em relação à sociedade capitalista — de que tudo se torna um produto e é comercializado, inclusive a cultura, ou seja, “o que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca: ao invés do prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor”, como foi afirmado em Dialética do Esclarecimento. Os estudos acerca da reprodutibilidade técnica da arte nos dias de hoje também são de extrema importância para compreender como essa indústria cultural consegue manter sua influência. Essa visão, considerada marxista, serve não apenas para analisar a influência dos meios de comunicação sobre as massas, mas também para analisar o contexto social em que vivemos e fornecer não apenas uma crítica ao capitalismo, mas a uma sociedade que transforma tudo em mercadoria e valoriza mais o lucro gerado do que o conteúdo da obra em si.

Escrito em 2016 para a disciplina de Teorias da Comunicação I

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