Conhecimentos insulares (Coletânea)
Coletânea de poemas sobre autoconhecimento e autodescobertas — um discurso sobre eu, eu mesmo e ego
“Quem sou eu?” Uma pergunta simples, mas profunda. Outra pergunta provocativa é: “Por que faço o que faço?”. Se você já se perguntou perguntas semelhantes, você não está sozinho. Quando não nos conhecemos ou agimos de maneiras que não entendemos ou não gostamos, pode ser um sinal de que a mudança é necessária. Mas como mudamos e o que precisa ser mudado? Einstein certa vez refletiu: “Quantas pessoas estão presas em seus hábitos cotidianos: parte entorpecidas, parte amedrontadas, parte indiferentes? Para ter uma vida melhor, devemos continuar escolhendo como estamos vivendo”.
Autoconhecimento
Quando olho no espelho,
não me vejo
embora tudo em volta
permaneça no lugar
Vejo apenas um quadro
antigo,
um retrato de anos atrás
Quando deixei de ser aquilo?
Me ausento de mim
sem cortejo
Mudo de roupa,
de banda, de livro
de endereço
De nome
ainda não me vejo
Lanço minha vontade
sobre aquela imagem
faço minha raiva
em fragmentos
que fragmentam
meus pensamentos
O espelho partiu
e levou minha dor
em vermelho
Busco a coragem
já não consigo me encontrar
me perdi
também a paciência
descubro que me escondo
de mim
Me ausentava
com medo de me encarar,
mas no fundo
só bastava ficar
Não sei como parei aqui
nessa mente
nesse corpo
Que sintoma é esse?
de onde saiu essa sensibilidade
essa descoberta
minha mente, agora
desperta
Exalo o que sinto
do meu infinito
longínquo
e particular
Me torno um viajante,
o caixeiro do tempo,
inicio a jornada
em busca da minha verdade
Feynman
Eu, um universo de átomos,
um átomo nesse universo
espaço como um tempo vivo,
capricho de uma mente fervorosa
estrelas que não perdem o brilho
O mundo é irreversível
nós lembramos do passado, mas não do futuro
queremos mudar o que há por vir, mas não o que já veio
todos tem um passado que o outro não tem pista
todos tem um futuro que o outro não habita
O tempo é uma ilusão persistente
tento agarrá-lo, mas ele escorre pelas mãos
da clássica mecânica
quântica — bela, ávida e dialética
algo que não se esgota, muda conforme o olhar
Deriva
Perambulo em beats
quando os bits e bytes me deixam
vagueio as plataformas
que os vagões não habitam
Sou um psicogeografo
me banho na deriva
derivo a equação da vida
vivo a geodinâmica
Encontro a fantasia
em meio a desejos nômades
de espírito, rico e jovem,
pedestre, caminhante e sonhador
A Terra ainda irá me devorar um dia!
como numa deriva continental
uma hora estou cá, no Minho
n’outra estou Trás-os-Montes
Em qualquer lugar, sou turista
me sinto em casa
em qualquer lugar, sou equilibrista
uma parte do todo
Enxaqueca
Em minha vigília,
não ouço cânticos ou salmos
minha testa arde, em palmos,
queimando minha vontade
Enfrento esta situação crônica
em meio aos poemas e contos
que leio no meio dos confrontos
que tenho contra a dor e minha mente
As horas são severas,
suspiro o tempo indecente
vejo o infinito em frente
a luta espiritual é implacável
Meu peito também dói,
sinto falta das noites de violão
sinto falta dos vinhos Esporão
vivo em busca do infinito
Quero me sentir livre como a liberdade
mas sou preso, quase Prometido
quando estou bem, amo desmedido
quando sofro, sou caçador de mim
Queria um mundo menos caduco
onde o tempo esteja sempre presente
e minha mente não fique ausente
nessa enxaqueca que nunca termina
O Outro
Havia um banco de jardim
dali acompanhava um riacho
que me lembrava o tempo
ou das lembranças que temos
(que é a mesma coisa)
Havia um banco de jardim
e também um enigma: o tempo
(no hoje, no ontem e no amanhã)
essa coisa que arde sem se ver
urdidura de lembranças e sonhos desperdiçados
Havia um banco de jardim
mas uma única vez havia um homem
um outro, mais velho e cansado
(atendia pelo mesmo nome)
viera da outra margem do riacho
Havia um banco de jardim
o outro falava o que eu poderia ser
bastava atravessar o riacho (enfrentar a correnteza)
tinha medo de me molhar, me perder nas lembranças
mas as memórias ajudam a parar o tempo
No fim,
apenas havia um banco de jardim
O interior amargo
No meu interior, encontro apenas o frio e o vazio
me libertei dos fast foods mentais
me tornei eternamente sozinho
sinto falta da compreensão alheia
Se estamos superficiais,
falamos de fenômenos que não vivemos
mas, na profundeza desses fenômenos,
falta-nos palavras para descrevê-lo
Se aprofundar demais dentro de si,
é caminho sem volta contra o superficial
saímos do nosso zeitgeist
e descobrimos que não sabemos de nada
As respostas não estavam lá fora
procurei-as aqui dentro, em busca de solidez
mas minhas convicções eram dogmas
axiomas de conversas de boteco
O interior pode ser amargo, mas
é uma consciência única sobre a experiência de existir
é o nosso próprio universo insular
é o único que temos
Fora de Mim
Torno-me forasteiro
vejo meu corpo em lágrimas
vejo as pessoas em minha volta
vejo as lembranças
Espero o fim dos dias, conto as horas
espero me encontrar (sempre em lágrimas)
nesta temporada fora de mim
Às vezes solitude, às vezes solidão
às vezes me basto, às vezes não
sempre as lágrimas, às vezes de chuva
às vezes me olho através dos olhos de outros
Resta terminar meus versos
É por isto, tudo é por isto
a vida e a morte é por isto
A mosca
Pequena mosca,
ninguém consegue me entender
será que você pode?
vivo o silêncio nesse entardecer
Pequena mosca,
em você, meu pensamento voa
não poderás ver a próxima estação
sou também uma mosca à toa
Pequena mosca,
vives por si, sem nenhum rompimento
seria eu como tu, ou tu como eu?
apenas um conjunto de ideias e lamento
Pequena mosca,
já me bate a ansiedade
não sou capaz de alcançá-la
mas agradeço a assiduidade
Pequena mosca,
nesse tédio, sou a morte
não consigo vê-la livre enquanto não o sou
que cada um fique a sua própria sorte
Navio pesqueiro
Uma barba, um homem doente
velas molhadas, proa quente
choro e Rio — só o de Janeiro
águas de março, sol de veraneio
Poucos, raros amigos
silêncio e amores calados
lua, conhaque e castigos
na lanterna dos afogados
Havia a promessa do mar,
não sei se fico ou se passo
se permaneço ou me desfaço
encho as águas, esvazio o olhar
Calmo um dia, no outro não
tempestade que entoa pacífica
no atlântico lanço o arpão
peixes de característica indica
Gostos de afago, e afago de sabor
tão longe, na boca só chega salgada
noite de chuvas e lágrimas de dor
até minha prece é ignorada
Suplico-lhe, poderoso mar:
algum dia tu irás parar e me ouvir
ou devo-me lançar náufrago para falar?
(Re)Significado
Me perguntam como tenho passado
passo apenas o presente
o que importa o que passo para os outros
se quem sofre sou eu?
Toda a paixão será arquivada
mas as fichas serão renovadas
usarei papel reciclado, com o mesmo carimbo talvez
passarei corretivo nas feridas
Queria ter um papo com o Aurélio
fazer esse verbo deixar de ser transitivo
colocar o ponto antes do complemento
transformar essa poesia em prosa
Quero o verso do avesso,
anestesia do que me feriu
a alegria do travesso,
adrenalina do que me abriu
Quero a boa noite noite de sono
e sonhos
Cheios de novos significados
A velha infância
Desde cedo,
uso o comboio de corda
descalço, com os pés no chão
tudo o que sinto também pensa
Desde cedo,
tenho contato com a eternidade
do imprevisível,
emergiam minhas emoções
Desde cedo,
as histórias, em mim
amadurecem e morrem
sou inquilino do meu passado
Quando acordei
o dinossauro já não estava lá
a magia não estava
a poesia não estava
o astronauta que sempre sonhei
também não estava
Quando acordei
olhei o céu, da minha cama
desde cedo
Teorias do Tempo
Deus criou o tempo,
mas não o tornou infinito
em nossa mente, nosso templo
sua passagem me torna aflito
O tempo flui em caminho
com os eventos em translado
ou é apenas ilusão, rodamoinho
não existe presente ou passado
O tempo é especioso
realmente dura o agora
quando não, somos ociosos
sentimos apenas a demora
Qual sua topologia?
Linha reta ou espiral,
mistérios para a astrologia
conversas para um luau
Não somos bons em perceber
o tempo se esvai
contamos segundos sem ver
a lágrima que cai
Felicidade
Questionar-se sobre ser feliz
é o caminho mais curto para ficar deprimido,
a felicidade não reside em pensamento
Há alguns momentos
(apenas uns dois ou três)
que nos enchem de alegria
emoção que dura instantes
Há alguns momentos
em que é melhor viver perene
se durar mais do que isso
nos condenamos a nunca mais senti-los
Há alguns momentos
que são extremamente curtos
mas arriscamos nossas vidas por eles
em plenitude clara e súbita
Há estes momentos — chamados de felicidade
uma simples questão de ser
o dançar na chuva
uma viagem do coração
Farewell
Me despeço,
como se fosse um adeus
mas para qual deus?
se sou ateu confesso
Me despeço,
desse passado atroz,
do presente sem voz,
do futuro que sempre esqueço
Me despeço,
na tentativa de não sofrer,
tudo me faz crer
que falhei pelo excesso
Me despeço,
e me despedaço
vejo apenas o chão e o espaço
sento, sinto e padeço
Me despeço,
encontrarei o mar de vento?
ou estrelas, não aguento
a ansiedade que teço
Me despeço,
chegou o grande dia
ainda que não esteja presente, é alegria
o que vos peço
Me despeço,
encaro as minhas feridas
também minhas dúvidas,
já sinto saudades, confesso
Casa Vazia
Cheguei em casa,
onde foi todo mundo?
Sofro no silêncio
Fico alheio a mim
A saudade torna-se presente
Passo nos quartos vazios
Na esperança das lembranças conversarem comigo
A espera me coloca na solidão
minha mente volta as costaneiras
O mar sempre foi um grande companheiro
Prefiro ir ao jardim, a torrente me provoca
A chuva se confunde com as minhas lágrimas
O gosto de zimbro na minha boca,
tão tônico quanto meus pensamentos
Gosto da solidão dos mares
mas prefiro navegar no calor das pessoas
O sentimento da ausência me define, me move
A campainha toca, também o meu coração
As vozes tomam o espaço vazio
Me sinto definitivamente em casa
O sal do mar escoa do meu coração
O só que fui no passado,
conflita com tudo aquilo que quero ser no futuro
Meu presente reside nas pessoas
Gratidão
Gratidão é aquele momento
que olhamos para o céu
e ele olha de volta para a gente
e só nos resta abrir um grande sorriso
Entre banalidades, penso no tempo gasto
o que vou deixar no mundo?
Penso em deixar os abraços a amigos idos
deixo as trocas de olhares que antecederam a empatia
deixo os sorrisos que sucederam a ajuda
deixo meus bolos de chocolate que acabaram de sair do forno
Gratidão é o esforço do reconhecimento,
uma aventura em si mesmo, atenção ao que merece valor
Quando me perguntam quem sou eu
conto o que faço, onde passei
conto os lugares menos óbvios
conto os contos de Tchekov
A felicidade não reside em pensamento
está nos atos, principalmente nos pequenos
está nos amigos que cativamos
está nas estrelas que observamos
Ozymandias
Acreditava ser dos reis, o Rei
possuía encantos e méritos
onde foi que errei?
Vou começar meus inquéritos
Lembro meus sonhos
queria conquistar o mundo
enfrentei obstáculos tamanhos
me perdi no meu coração, imundo
Acreditei que me sentiria em casa
em todo lugar, tal qual viajante
fugi do passado, fui atrás da brasa
das fogueiras de um caminho itinerante
Primeiro, senti a família
perdi as minhas referências
sei que o conceito partiu da Sicília
mas veio de São Paulo, as desavenças
Segundo, senti os amigos
os fins de tardes perderam os significados
ignorei a raposa, não me lembrei dos trigos
os vinhos trouxeram a solidão dos enforcados
Conseguinte, senti os amores
não que outra não houvesse,
mas os sabiás daqui não são o de algures
era sempre como se ninguém estivesse
Por fim, senti falta de mim
fui atrás do que achei que me pertencia
mas o que eu queria, eram os retalhos de cetim
apenas me privei, da minha própria vivência
Mas, a tempo voltei
em busca da felicidade, não a encontrei nas viagens
e jamais nos pensamentos, como imaginei
percebo que sempre esteve aqui, nas minhas origens
Náusea
A vida não pode ser só isso
saber o que há para se saber
atingir o que há para se atingir
vomitar, mas existir
ser a própria náusea!
O espelho reflete o eu esporádico
às vezes, um náufrago asmático e apático
às vezes, um monge fanático e antipático
às vezes, um medo enigmático
cai o dia e é assim,
cai a noite e é assim
Andar por aí sem querer parar
ficar aonde se chega primeiro
escrever sobre esse tempo pobre
defender seu canto e morrer
resta regurgitar suspiros