Adeus, Lênin!

Bruno Oliveira
Reflexões
Published in
5 min readJul 25, 2014

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Resenha do Filme: Adeus, Lênin!
Direção: Wolfgang Becker
Ano: 2002

Indo um pouco para o cinema europeu, dessa vez é a hora de conhecer um pouco do cinema alemão e escolho esta grande obra, que retrata, principalmente, o momento pós-queda de Berlim e faz comparação de antes e depois do muro. Para contextualizar essa comédia-drama alemã, o filme foi fruto do movimento “Olstagie”, que surgiu uma década depois da queda do muro, por causa da nostalgias de algumas pessoas do modo de vida socialista e alavancou a volta de alguns produtos “comunistas” no mercado. Jovens passaram a usar camisa pró-GDR (Alemanha Oriental), programas pré-queda foram relançados, as entrevistas com celebridades da época foram reprisadas e vários produtos como cosméticos, alimentos e roupas foram comercializados novamente. E sobre esse cenário surge este filme que é essencialmente uma comédia mas que facilmente se confunde com um drama, misturando cenas engraçadas, com rápidos comentários políticos e momentos de pura emoção.

É inevitável fazer uma comparação com o filme Amélie Poulain (outro filme que pretendo retratar nessa coluna), os dois são filmes europeus, com uma narrativa muito parecida, devido a sua leveza e fluidez, cheios de referências externas (o filme de Becker cita várias vezes Kubrick). A diferença é que Adeus, Lênin! Parece-me mais complexo em seu enredo, excelente para quem gosta de história, mas o foco principal é o relacionamento entre as personagens, que são muito bem construídas pelo diretor e não tem como se comover pelo amor entre um filho e sua mãe. Um outro ponto muito forte do filme é a narração do próprio Alex, num texto muito bem escrito, que trata os acontecimentos de forma poética e séria, doce e amarga.

A história começa um pouco antes da queda do muro e começa a mostrar a vida de Christiane (Katrin Saß — pronuncia-se Sass) e seu filho Alex (Daniel Bruhl), que se recupera da perda mistoriosa do seu pai. Christiane é uma defensora fervorosa do movimento comunista e da aulas para crianças pregando os ideais comunistas, mas ao ver seu filho sendo preso durante uma manifestação anti-comunista, ela entra em colapso, desmaia e entra em coma. O momento é brilhantemente acompanhado pela trilha sonora de Yann Tiersen (outra semelhança com Amélie Poulain), em especial, na música Comptine D’un Autre Été: L’après:

O coma de Christiane não chega a durar muito tempo, mas é o suficiente para que tivesse havido uma revolução cultural significativa naquele local, já não estava mais na Alemanha Oriental, e sim numa Alemanha Unificada com a queda do Muro de Berlim. Entretanto, o médico revela a Alex que o coração de sua mãe está muito fraco e que não aguentaria uma informação tão chocante, então, Alex decidiu: manter as aparências da Alemanha Oriental, pelo menos aos olhos da mãe. Sua casa passou a ser um templo socialista , as pessoas só podem frequentar ali com roupas antigas, a comida tem que ser estatal, assim como os programas de TV e rádio (que Alex se esforça para recriar) e várias outros imprevistos, como o imenso outdoor da Coca-Cola em frente a janela da sua mãe. Entre cenas engraçadas e dramáticas, o amor de Alex por sua mãe prevalece e a trama é bastante envolvente e instigante.

Há muitas possíveis interpretações e análises possíveis sobre esse livro, desde o ponto de vista político e até literário. De uma forma simplista, posso dizer que a mãe é o puro idealismo socialista, representa a parcela da sociedade que encontra-se em estado nostálgico por aqueles tempos e que se recusa a participar do teatro de classes que é o sistema capitalista. O próprio diretor, disse uma vez em entrevista ao ser questionado em como alguém pode haver tanta nostalgia pelo comunismo:

“Oh, é impossível ser nostálgico de um regime tão duro e repressivo, mas o comunismo de alguma forma impunha um limite à expansão capitalista. Passaram-se só dez anos e este mundo consumista não deve ser visto como motivo de orgulho para ninguém, exceto pelos que se beneficiam da situação”.

O filme nos leva a várias reflexões políticas, mas sempre de forma sutil, sem atrapalhar a narrativa. Mais do que um debate maniqueísta sobre qual o melhor sistema sócio-econômico, a história tenta provar que a felicidade e o relacionamento humano é superior a qualquer instância política. O amor entre mãe e filho persiste independente de momento político e temos a prova de que nunca é demais ir longe por alguém. Que a felicidade não se encontra apenas nas garrafas de Coca-Cola, mas podem ser encontradas num quadro de Che ou em picles Spreewald, o que realmente importa para a felicidade é quem esta junto com você.

Outro ponto de enxergar a história é achar uma crueldade o fato de Alex enganar sua mãe com mentiras. E nesse ponto, podemos até concordar que sim, num primeiro momento podemos até não gostar das mentiras, mas com o desenrolar da história podemos mudar de ideia quanto a isso. Isso é uma questão ética das mais dificies: vale tudo pelo amor? Até enganar nosso objeto de paixão? Acredito que todos nós já tenhamos passado (ou iremos em algum dia) por essa encruzilhada moral e o filme trata brilhantemente essa questão. A história é movida por sonhos, desde o sonho socialista até o sonho do pequeno Alex em ser um cosmonauta (no começo do filme há uma explicação muito boa da diferença para um astronauta), e durante a trama, vimos como os sonhos são realizados e destruídos, e como aquilos que imaginamos nem sempre é o que realmente é, mas o que fica de lição disso tudo é que as intenções e os momentos são o que realmente importa.

A ideia dessa resenha é mostrar que apesar de terem a fama de frios e sem sentimentos, os alemães podem fazer boas comédias e que mesmo em face de seus piores momentos da história, são capazes de gerarem histórias comoventes e afetivas.

Originally published at www.escrevarte.com.br on July 25, 2014.

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.