Resenha — Intervenção Lunar (Vanguart)

Intervenção lunar, olha pro céu e vê. De onde você vier, pede o que vai querer

Bruno Oliveira
Reflexões
9 min readSep 18, 2021

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Imagina algo que eu estava realmente ansioso por acontecer? Pois é, aconteceu. O Vanguart lançou, hoje (17/09) seu sexto álbum de músicas inéditas: Intervenção Lunar (2021). Na verdade a notícia é até melhor: esse vai ser só o primeiro de dois álbuns de músicas inéditas da banda que ainda tem novidade na manga. Só não foi melhor porque ainda não temos previsão de show, mas espero que quando essa pandemia estiver controlada eu posso garantir meu lugar no show.

Capa do álbum Intervenção Lunar (Nina Bruno)

Se no álbum anterior, ‘Beijo Estranho’ (2017), o grupo apostava em orquestrações épicas e uma camada imensa de instrumentos, o novo trabalho tem o papel de trazer o ouvinte para perto de si de maneira inédita” — Vanguart (em nota a imprensa)

Se tem algo que ganhou força no mundo da música durante a pandemia foi o bedroom pop. Músicas sem grande complexidade musical, com letras muito honestas e que falam sobre vivências realmente pessoais de seus cantores/compositores. Como se tivesse sido feita dentro de um quarto para um grupo de pessoas que provavelmente vai ouvi-las de dentro de um quarto. E no Brasil isso vem se tornando muito presente, bandas como AnaVitória e Jovem Dionísio (Aguei), Gilsons e Jovem Dionísio (Algum Ritmo), entre outras, tem explorado bem esse movimento — inclusive com videoclipes que representam bem estes momentos.

Não que o álbum do Vanguart se encaixe nesse gênero, Mas é possível ver certa tendência da banda em criar um álbum mais próximo das pessoas, como se fosse algo descompromissado mas ao mesmo tempo que serve de trilha sonora para o nosso novo cotidiano dentro de casas. Algo quente e acolhedor, cheio de afetos e com muito otimismo para quem tem lidado com esta quarentena seriamente.

Mas de onde saiu o nome do Álbum? De acordo com Hélio Flanders, vocalista do grupo:

“Fizemos uma longa pesquisa que incluía a ideia de uma superfície lunar mas que não fosse só isso. Na foto, a imagem das moedas de uma fonte dos desejos sem água casou perfeitamente com os versos da faixa-título: ‘Intervenção lunar / olha pro céu e vê / de onde você vier / pede o que vai querer’. O álbum aborda temas como desejo e a vontade de uma mudança profunda no mundo através do afeto”

Não interpreto que intervenção lunar refira a algum tipo de esoterismo. A minha visão da banda, desde a época de “Semáforo” é de que eles acreditam em coisas que estão aí, que existem e se provam. Mas o álbum é sobre sentimentos e afetos. Sobre querer e desejo. Sobre coisas que às vezes fogem da nossa compreensão. Por isto imagino que o nome refere-se a coisas concretas do nosso dia a dia, que podemos ver e sentir, mas que as vezes está distante de nós — como a Lua está da Terra (embora esteja sempre em sua órbita). Isso é sobre a vida, a vida real. A vida com afeto. A vida com luz, a vida que sente. A vida que para, que reflete, e que vive. A vida que não é só vida. A vida que, de vez em quando, sofre uma intervenção lunar.

E o mais importante, este novo álbum tem todas as melhores qualidades do Vanguart de todos os tempos: letras profundas (temos aqui não só um Hélio, mas também um Reginaldo bem inspirado), arranjos musicais bem elaborados, poesia e crônica mistura em um toque folk que já é bastante característico do trio e aquele toque quente na alma, que cativa e alivia. Para mim tem várias referências a diferentes momentos e expressões da música brasileira, do Clube da Esquina, Jovem Guarda e o folk Sertanejo brasileiro.

Intervenção Lunar é mais um grande álbum do grupo, e com certeza deixará músicas que serão lembradas daqui a muitos anos pelos fãs da banda e para todas as pessoas que desejam e que sentem. Músicas para escutar e abrir um sol (ou uma lua) dentro de cada um.

1. Vamos viver (Hélio + Reginaldo)

Vanguart — Vamos viver

A máxima de Vinicius de Moraes de que o amor deve ser infinito enquanto dure pode ser visto nesta música (“o pra sempre é o adeus que já não volta mais”). Entre tantos encontros e desencontros, devemos sempre aproveitar as oportunidades que temos. Uma vida pode existir e deixar de existir em pouco tempo. E por mais curto que ele (tempo) seja, há tempo de se viver nele. E mesmo que esse tempo acabe, por que não tentamos de novo. Vivemos, e mesmo depois de viver, ainda podemos renascer e viver de novo.

Vamos viver, ainda que falte tempo
E renascer, nas linhas que seguem nós dois

E aqui já se começa a falar do tema central do álbum: o querer! O sentimento é algo que transborda o corpo e se manifesta no querer, no desejo. E podemos querer tudo, se apaixonar por tudo, viver em tudo (e por tudo).

Eu só queria ter você pra me mostrar
As faces do mundo que eu não pude enxergar
Se tudo é uma ilusão
Vou acreditar nessa paixão

2. Intervenção Lunar (Reginaldo)

Vanguart — Intervenção Lunar

Se tem algo que me deixou completamente contente neste álbum é que cada vez mais o Vanguart rompe sua Heliodependência e já traz composições tão boas também dos outros integrantes. Eu considero essa a melhor música do álbum e foi composta pelo Reginaldo. E tem um ar de Clube da Esquina (é inegável esta influência na banda desde o último álbum), na melodia, no estilo poético da música.

Fogo pra me aquecer, olha a constelação
Diz que quer se encostar, intervenção lunar

E que música meus amigos. Uma vibe extremamente deliciosa, com um ar místico e ao mesmo tempo muito aconchegante. Tem um ar contemplativo, você consegue ficar em imersão na música e se imaginar olhando para o céu a noite enquanto a lua fica te olhando. Um diálogo mudo, um olhando pro outro. A mente absorta em pensamentos.

Pede o que vai querer
Deixa vir, deixa ficar
O meu mundo junto ao teu

Em meios a diversos pensamentos, está ali o mais importante: o querer. Olhar para o céu como se fosse um poço dos desejos, cada estrela uma moeda, um desejo de alguém — e você ali, fazendo mais um. O querer é seu, te integra ao universo, é uma força da natureza. Uma necessidade espiritual. É o encontro de mundos, onde meu pensamento encontra o de quem a gente quiser que ele a encontra.

3. Sente (Reginaldo)

Vanguart — Sente

Sente foi o primeiro hit do álbum e foi lançado antes da pandemia, no quase já longínquo ano de 2019. Só de olhar o clima já me bate a saudades daquela Ladeira do Porto Geral (em São Paulo) cheio de gente. A música é um grande convite para parar e… sentir!

Parar porque só assim sentimos o tempo e conseguimos dialogar com ele. Os erros que compõe o que somos hoje e não podemos esquecê-los. Das coisas que queremos para nos eternizar. Parar para entender o que nos fez chegar até aqui. Parar para entender o que faz a gente existir. Parar, para não cair.

Errar outra vez não te faz esquecer
Faz do agora o que vai nos eternizar

E sentir. Sentir porque precisamos de outros. Sentir porque precisamos receber e dar afetos. Sentir, dentro do tempo, é sempre um exercício de saudade, de estar junto de alguém que já participou de nossas vidas (ou que ainda vai participar). Parar para sentir. Sentir, e assim poder parar.

Toda vez que você chegar, eu vou estar de pé e vou debruçar
A saudade do meu corpo no seu corpo

4. Canção para o Sol (Hélio)

Vanguart — Canção para o Sol

Chama a atenção de que um álbum chamado Intervenção Lunar haja uma música chamada Canção para o Sol. E faz todo o sentido. Se a intervenção lunar nas últimas canções referia-se a momentos de reflexão, de desejo manifestado, uma canção para o Sol é o chamado para práxis. O Sol nasce depois da música, tal como todo aquele desejo deve se materializar em paixão.

Deixa o sol entrar, esmo que ele apague tudo vai brilhar
Mesmo que tudo dê errado eu vou pagar pra ver
Meu corpo se acender com teu amor

Impossível não relacionar os romances que tivemos ao longo de nossas vidas com esta música. Cada verso cabe dentro de cada cantinho dos nossos corações. Amar é um ato de coragem, por isso é necessário que o Sol surja depois da Lua. Viver é abraçar riscos, o amor pode trazer incertezas —mas o que é certo é que sempre vai acabar, cedo ou tarde.

Quando eu não esperava nada você estava lá
Mas a vida é uma criança desavisada
Que está cansada de esperar

Algo que me tocou muito nessa música é a versatilidade musical que a banda apresenta ao longo de todo o álbum. Se as músicas anteriores parece ter influência do Clube da Esquina, esta aqui já me lembrou mais a Jovem Guarda. Ao ouvir essa música, lembrei a todo momento da música da saudosa Diana — Porque brigamos.

5 — Suas coisas favoritas (Reginaldo)

Vanguart — Suas Coisas Favoritas

Incrível como as músicas do Vanguart são extremamente imagéticas. Você pode fechar os olhos e conseguir imaginar todo o cenário, toda a história contada, todos os objetos descritos. Uma experiência sinestésica, com muita simplicidade.

Vai, vai, vai
Descendo o rio

Acho que essa música pode bater muito forte para alguém que nasceu e cresceu em outro lugar e parte para um novo local (como a história de vários retirantes em São Paulo). As “coisas favoritas” a que se refere o título são as origens daquela pessoa, das coisas que fizeram ela ser o que ela é. Mas não é só sobre a terra “o que não cabe embaixo do seu calcanhar”, é sobre o que ela é e sobre o que ela irá descobrir. É o que está no seu coração, mesmo que seja o “chão da plantação”. Me lembra muito o poema Confidência do Itabirano, de Carlos Drummond de Andrade, aquela velha saudade da minha terra.

Parecia que era a ida o caminho de voltar
Suas coisas favoritas não mudaram de lugar
Sapatilhas na cidade, pés no chão na plantação
Ela sabe o que sabe, vai seguir seu coração

E não sei vocês, mas o começo dessa música me lembrou muito a música do Kansas — Dust in the wind (ou, para fazer uma correlação inesperada, com o Calcinha Preta — Louca por ti). Mas a real é que a música me lembra muito com várias músicas do cancioneiro do interior e sertão do Brasil, músicas como as de Sá & Guarabyra (João sem Terra, Roque Santeiro, Trem da Pirapora), podem comparar em letra e estilo. Vanguart na essência do folk brasileiro. Simplicidade e toque no coração de todos nós.

6 — Lá está (Fernanda)

Vanguart — Lá está

Para quem acompanha a banda, já presenciou algumas raras vezes em que a Fernanda se arriscou cantando nos shows (e também no grande projeto Vanguart Sings Bob Dylan). É o Vanguart se reinventando. E nessa música, na qual é também compositora, Fernanda se inspira muito talvez em Amy Winehouse — Back to Black e The Mamas & The Papas — Dream a little dream of me (pode ser que eu esteja muito emocionado pelo recém lançamento do álbum). E já que eu estou nesse momento eufórico, é incrível como eu consigo ouvir a frase “Love is all” ao invés no “Lá está” no refrão desta música.

Eu tenho um diário com as mensagens entre a gente
O que eu senti e você também
Esse vai e volta que não dura eternamente
E hoje eu tenho um outro querer

E o querer é retratado novamente. Essa música facilmente entraria na playlist de fossa de qualquer um. O querer também faz as pessoas se perderem, o desejo pode ir e voltar.

Porque estou tão perdida em mim
Esse meu lado tão complicado quer te ter

7 — Vento do Metrô (Hélio)

Vanguart — Vento no Metrô

Se tem uma coisa que eu gosto em várias das músicas do Vanguart (e andava meio sumida) é essa gaita que começa a melodia. Que deleite. E ainda mais quando o álbum termina com uma música do Hélio. O trecho “mas se tudo é experiência, eu quero a ciência” me lembra muito os primórdios da banda, da época do hitSemáforo” e as coisas que o trio acredita.

Porque tudo vale algum amor
Porque tudo vale algum amor
Porque eu sou do jeito que eu sou
Tudo vale algum amor.

E no fim todo o querer, todo o sentir, e todo o discurso do álbum leva a uma conclusão: tudo vale algum amor. Não acho que tenha como ficar explicando essa música, basta senti-la.

Essa é a chuva que tardou tanto em chegar
Esse é o escuro que se adianta pra brilhar esse é o gesso que se quebra
O osso que se regenera
É a alegria que já não se espera
Que chegou Que enfim chegou

Hélio, Fernandinha ❤ e Reginaldo (fotografia de Nina Bruno)

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.