Versos sobre o fim de um relacionamento

Um tratado sobre as dores nos momentos de fossa

Bruno Oliveira
Reflexões
10 min readApr 23, 2020

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Os poemas deste artigo é uma coletânea de versos publicadas pela minha amiga Karine, aqui no Medium — ela começou a escrever com frequência recentemente, e não só sobre poesia. Todos são sobre um momento bem sofrido dela no fim de um longo relacionamento, também vou acrescentar alguns versos meus com pensamentos similares. Um verdadeiro raio-x das dores do fim, uma ode da fosse e da autoflagelação anunciada. Não estou querendo emoldurar esta dor, mas de difundi-la para quem a precisa. Os momentos de lutos exigem auto reconhecimento, se outras pessoas se reconhecerem nos versos, vão saber que não estão sozinhas, que todos passam por isso, e que como todos os momentos ele vai passar. É como ouvir música triste quando estiver triste.

Sobre as lembranças no momento de luto

Instantes antes da desgraça acontecer. O momento do término em si é algo esquisito, todo aquele sentimento que nutriu o relacionamento por tanto tempo se esvai, não correspondido. E esse momento vai ecoar pela cabeça de quem estiver em luto por muito tempo.

O término é um momento de reflexão, de olhar para o passado, como se fosse um filme. Ela lembra dos detalhes dele como se fossem únicos, do andar, do sorriso e até dos gostos peculiares (“tatuagem de Dominguinhos”). E esse olhar nostálgico, sempre exclui os momentos ruins (a princípio os que causaram o término), e esse olhar é sempre para um passado maravilhoso, onde tudo era perfeito, “eterno” e de “nova esperança”. A tristeza então surge quando se lembra que aquilo nunca mais vai existir (se é que existiu mesmo e não é só uma nostalgia enviesada), o luto confunde-se com arrependimento, e aí começa o princípio de dor.

Ismália é um poema do poeta mineiro Alphonsus de Guimarães. Um dos principais nomes do simbolismos brasileiros, e como qualquer simbolista, ele não quer trazer uma mensagem clara em seus poemas, apenas algumas sugestões, símbolos para que as pessoas o interpretem. E se a carapuça servir, então esse vai ser o significado único para cada autor que o lê. Em seu poema, Alphonsus coloca Ismália como uma pessoa que está sucumbindo a um inferno astral, em instabilidade mental e emocional. E neste estado de angústia, há a confusão entre a fantasia, o onírico e o real. E o mesmo acontece no poema de Karine: (i) há essa confusão entre o real e o onírico (entre fechar os olhos, no primeiro verso, e abri-los, no segundo); (ii) também está em instabilidade emocional (como “seu coração dispara pelo medo”); (iii) a dor sempre vêm quando lembro dEle, o antigo objeto de seu amor — que parece convidativo no começo, mas depois a faz lembrar de tudo que ruim que ele a fez (“Lúcifer fora um anjo”), então lembra porque se afastou dele. O poema fala sobre a dor de lembrar de seu objeto amado nesse momento de luto — toda mulher tem um pouco de Ismália.

E o luto se instaura. E tem aquele paradoxo clássico, que é difícil confrontar: o luto me leva a indiferença, não sinto os sabores das comidas, os cheiros das flores, a textura da lã, o brilho do sol… e ao eliminar todas essas sensações, ele intensifica a dor, a dor destrói primeiro os sentidos, e depois parte para destruir a mente e a alma. E aí começa a fossa.

Sobre a fossa em si

As lembranças se impregnaram nas coisas, nas palavras, nos atos. Tudo que foi feito com ele vira gatilho para a fossa. A música preferida dele, a sorveteria que sempre íamos, o quarto em que passamos os melhores momentos do nosso relacionamento. Parece que alma dele está lá, como uma horcruxe invocando a dor.

E essa dor começa a eclodir. Confunde-se com outras, parece uma enxaqueca, uma dor de cabeça refratária onde aparentemente não há remédio. O tempo passa a ser um inimigo, te devorando aos poucos.

A dor não é só na alma, mas ela passa a ser mental e física/biológica. A patologia vai ser formando nesse momento de fossa — e aí vem os pensamentos perigosos, aqueles que surgem e te dão a impressão de que não tem nada a perder. No começo parece ser só uma sugestão, mas depois vira opressor e parece apontar um único caminho de liberdade.

Sobre os momentos a sós

É incrível as companhias que fazemos nesse período de fossa. Não conseguimos ficar a sós, a nossa companhia é extremamente dolorosa, e os momentos sozinhos são os piores. E passam a ser terreno fértil para pensamentos autodestrutivos.

A nossa vida passa a ser apenas números sem sentidos. Números que já não nos servem mais. Como nada tem sentido, vivemos em um tédio infinito, nos sentimos deslocados. É nesse momento que temos que deixar de ouvir as vozes indesejadas da nossa mente. Os momentos autodestrutivos continuam mais presentes do que nunca.

Como nós mesmo não nos basta, passamos essa temporada fora de nós. Uma verdadeira montanha-russa de sentimentos. Por vezes vamos apreciá-lo, em solitude, as vezes sofremos e gritamos a injustiça do universo, em solidão.

Sobre voltar a vida ao normal

Passo a me permitir aos poucos. Não é fácil, e na maioria das vezes nem verdadeiro. Mas é o primeiro passo. A fossa vai ficando para trás, e você tenta se readaptar a normalidade da vida. Claro que não existe mais o “normal”. O status quo foi quebrado, aquilo não vai voltar mais, e ainda bem. Esse é o momento de mudar, tentar ser melhor. Ainda que seja só por uma noite.

E o cotidiano parece voltar aos poucos. Mesmo o café da manhã já é diferente, a dor parece estar espalhada no pote de margarina, aqueles comerciais sempre foram enganosos. Mas a noite ainda é mais dura, nem a literatura e a arte parece me salvar dessa vez, mas já ajuda um pouco. Não é a vida que queremos, não é a nossa vida, mas talvez seja isso que precisamos para renascer.

E no meio desse novo cotidiano vem as recaídas. Várias perguntas sobre esse novo desconhecido surgem e nos derrubam. Nem Axl Rose consegue nos animar como antes. Tento acordar, por várias vezes. Será que finalmente eu consigo?

Vou entendendo minhas necessidades. A experiência do término foi profunda, uma oportunidade de autoconhecimento. Me fez perceber que preciso de muitas coisas, e outras eu já me basto. Mas acima de tudo, me fez perceber que eu quero — mas eu preciso aprender a saber querer.

Momento de encontrar forças

Tento voltar a plenitude. Talvez o momento de maior reflexão seja o fim da fossa. Quero ser eu de novo, mas diferente. Quero voltar a ser meu/minha, não ser mais refém do que já passou.

Aceito a minha condição. E essa é a senha secreta que destrava o modo “fossa”. A dor é inevitável, ela vai continuar existindo, mas o sofrimento é opcional. Como diria Drummond, as vezes nunca sara, as vezes sara amanhã. Aceitar é se livrar do fardo, e a leveza que isso traz é a força que precisamos para seguir em frente e recomeçar. Ainda há tempo, temos todo o tempo do mundo.

Ser de novo, é ser algo que ainda não sabemos bem o que vai ser. As pessoas nos impõe várias sugestões do que é ideal ser, mas corremos o risco de ser apenas o fantasma do que éramos. Ser de novo, é algo que exige responsabilidade. Podemos ser muitas coisas, e isso pode gerar angústia. Esse é um momento delicado da fossa, o ser algo novo é algo que precisa de bastante atenção. Que sejamos uma versão melhorada de nós mesmo.

E só conseguimos nos livrar de toda a dor da fossa e do luto quando conseguimos ressignifcar as coisas. O ato derradeiro de liberdade. Mudar o que já foi, atribuir novo significado e conviver nessa nova realidade. Não é fácil, mas ninguém disse que seria. Mas é essencial para nos tornarmos cada vez melhores, cada vez mais maduros, cada vez mais humanos. Não desejaria essa experiência para ninguém, mas recomendo que todos passem por ela. A arte ajuda, as pessoas ajudam, a nossa própria companhia ajuda. Não estamos sozinhos, a vida é repleta de dor, mas talvez seja isso que a torna tão especial.

Há vida após o término.

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.