Um relato de conversão

Cléber Zavadniak
Reformados
Published in
10 min readFeb 10, 2014

Cristão: Como foi que você chegou a pensar em fazer o que está fazendo agora?

Esperança: Você quer dizer: como cheguei a procurar o bem da minha alma?

Cristão: Sim, este é o sentido da minha pergunta.

Esperança: Por muito tempo, eu permaneci nos deleites daquelas coisas vistas e vendidas na Feira da Vaidade, coisas que agora creio (houvesse eu permanecido nelas) teriam me afogado em perdição e destruição.

Cristão: Que eram estas coisas?

Esperança: Todos os tesouros e riquezas do mundo. Eu também gostava muito de viver em devassidão, festejar, beber, praguejar, mentir, em impurezas, desrespeito ao Dia do Senhor e muitas outras coisas que visavam a destruição da alma. Mas descobri finalmente, ao ouvir e considerar as coisas divinas, transmitidas por você e pelo amado Fiel, morto na Feira da Vaidade por causa de sua fé e de sua vida santa, que o fim daquelas coisas é morte. Entendi também que por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.

Cristão: E você, no passar do tempo, caiu sob o poder dessa convicção?

Esperança: Não, na época eu não estava disposto a reconhecer a malignidade do pecado, nem a condenação que acompanha a prática do pecado. Pelo contrário, quando minha mente a princípio começou a ser abalada pela Palavra, eu tentava fechar os olhos para essa luz.

Cristão: Mas qual foi a causa de você reagir dessa maneira às operações do bendito Espírito de Deus em você?

Esperança: As causas foram as seguintes: 1) eu ignorava que isto era a obra de Deus em mim. Nunca pensei que, através dos despertamentos em relação ao pecado, Deus inicia a conversão de um pecador. 2) O pecado ainda era agradável à minha carne, e eu relutava em deixá-lo. 3) Eu não sabia como me apartar dos meus velhos companheiros; a presença e as atitudes deles eram muito desejáveis para mim. 4) As horas em que as convicções vinham sobre mim eram tão preocupantes e aflitivas para meu coração, que eu não as suportava; não, nem mesmo a lembrança delas.

Cristão: Então, ao que parece, às vezes você se livrava da sua inquietação.

Esperança: Sim, com certeza, mas ela surgia de novo em minha mente, e eu ficava tão mal; sim, até pior do que estava antes.

Cristão: Por quê? O que trazia seus pecados à lembrança novamente?

Esperança: Muitas coisas, tais como:

1. Se eu apenas encontrasse um homem bom na rua;

2. Se eu ouvisse a leitura de qualquer trecho da Bíblia;

3. Se minha cabeça começasse a doer;

4. Se me contassem que alguns de meus vizinhos estavam doentes;

5. Se ouvisse o sino badalar por causa de alguém que havia morrido;

6. Se pensava em minha própria morte;

7. Se ouvisse falar sobre a morte repentina de outras pessoas;

8. Mas especialmente quando eu pensava a respeito de mim mesmo, que logo teria de comparecer no tribunal de Deus.

Cristão: E você conseguia, em qualquer ocasião, com facilidade, livrar-se da culpa do pecado, quando, por qualquer uma dessas maneiras, ela lhe sobrevinha?

Esperança: Não, nas últimas ocasiões não; porque eram tais ocasiões que aquelas coisas se prendiam mais fortemente à minha consciência; e, se tão-somente pensassem em voltar ao pecado (ainda que mentalmente eu estivesse contrário a ele), isto se tornava um tormento duplo para mim.

Cristão: O que você fazia, então?

Esperança: Pensava que tinha de esforçar-me para consertar minha vida, pois, de outro modo, eu imaginava, certamente seria condenado, amaldiçoado.

Cristão: E você tentou consertar sua vida?

Esperança: Sim, eu fugi não apenas dos meus pecados, mas também da companhia de pecadores e recorri a deveres religiosos, tais como orar, ler, chorar pelo pecado, falar a verdade a meus vizinhos, etc. Essas coisas eu fiz, e muitas outras, numerosas demais para relatar aqui.

Cristão: Você julgou que estava bem assim?

Esperança: Por um tempo. No entanto, finalmente minha aflição desmoronou sobre mim outra vez, apesar do esforço de todas aquelas minhas reformas.

Cristão: Como aconteceu isso, visto que agora você estava reformado?

Esperança: Várias coisas me fizeram sentir tal aflição, especialmente palavras como estas: Todas as nossas justiças são como trapo da imundícia; depois de haveres feito quanto vos foi ordenado, dizei: somos servos inúteis; e muitas outras desse tipo. De onde comecei a raciocinar comigo mesmo, assim: Se todas as minhas justiças são como trapos da imundícia; se pelas obras ninguém pode ser justificado; e, se quando fizermos tudo, ainda somos servos inúteis, então é simplesmente tolice pensar no céu através da obediência à lei. Pensei mais: se uma pessoa aumenta sua dívida numa loja até um valor sobremodo elevado e, depois disso, compra tudo que pode pagar à vista, mesmo assim a sua dívida antiga permanece registrada, pela qual o dono da loja pode levá-lo à justiça e mandar prendê-lo, até que pague a dívida.

Cristão: Bem, como você aplicou isso a si mesmo?

Esperança: Olhe, pensei comigo mesmo: através de meus pecados havia contraído uma dívida grande no Livro de Deus, e minhas reformas agora serão incapazes de pagar aquela dívida. Portanto, mesmo com as melhoras do momento, ainda deveria pensar: como me livrarei do perigo da condenação que eu trouxe sobre mim mesmo, por causa de minhas transgressões passadas?

Cristão: Uma excelente aplicação; por favor, continue.

Esperança: Outra coisa que me preocupava, mesmo depois de minhas reformas, era o fato de que, se eu examinasse bem o melhor do que estava fazendo, ainda podia ver o pecado, pecado novo, misturando-se com o melhor daquilo que eu fazia. Deste modo, agora sou forçado a concluir que, apesar de minha estimada vaidade a respeito de mim mesmo e de meus deveres religiosos, cometi pecado suficiente em um só desses deveres, para que eu seja enviado ao inferno, ainda que minha vida anterior tivesse sido impecável.

Cristão: E o que você fez?

Esperança: Eu não sabia o que fazer, até que abri meu coração a Fiel, pois ele e eu nos conhecíamos bem. Ele me disse que, se eu não obtivesse a justiça de um homem que nunca havia pecado, nem a minha justiça própria, nem toda a justiça do mundo me poderia salvar.

Cristão: Você acha que ele falou a verdade?

Esperança: Se ele me tivesse falado isso, quando eu estava feliz e satisfeito com minhas próprias reformas, lhe teria chamado de tolo, por causa de seu esforço inútil. No entanto, agora, visto que percebo minha própria debilidade e o pecado que se apega a meu melhor desempenho, forçosamente tenho que concordar com ele.

Cristão: Mas, quando a princípio ele lhe sugeriu isso, você achou que era possível encontrar um homem assim, de quem pudéssemos dizer com justiça que nunca cometeu pecado?

Esperança: Devo confessar que as palavras de Fiel a princípio me soaram estranhas, todavia, depois de conversar um pouco mais com ele e de estar em sua companhia, convenci-me plenamente disso.

Cristão: Você lhe perguntou que homem era esse e como você deveria ser justificado por meio dEle?

Esperança: Sim, ele me contou que era o Senhor Jesus, que habita à direita do Altíssimo. Assim, disse ele, você precisa ser justificado por intermédio dEle, crendo no que Ele mesmo fez nos dias de sua carne e naquilo que Ele sofreu, quando foi pendurado na cruz. Perguntei mais, a fim de saber como a justiça dAquele homem poderia ser eficaz para justificar outra pessoa diante de Deus. Fiel me disse que esse homem era o Deus Forte e que havia feito aquilo que fez, sofrendo aquela morte também, não por Si mesmo, mas por mim, a quem seus feitos e o mérito deles seria imputado, se eu cresse nEle.

Cristão: E o que você fez?

Esperança: Apresentei minhas objeções contra a atitude de crer, porque achei que Ele não estava disposto a me salvar.

Cristão: O que Fiel lhe replicou?

Esperança: Mandou-me recorrer Àquele homem e comprovar. Eu lhe disse que era presunção. Fiel respondeu que não, porque eu estava convidado a fazer isto. Então, ele me deu um livro sobre Jesus, escrito por Jesus mesmo, para me animar a vir a Ele com mais liberdade. Fiel me falou a respeito desse Livro que cada detalhe, cada i ou til, permanecia mais firme do que o céu e a terra. Perguntei-lhe o que eu deveria fazer quando me aproximasse de Jesus; Fiel disse que eu tinha de suplicar prostrado, como todo meu coração e alma, que o Pai O revelasse a mim. Perguntei-lhe também como eu precisaria fazer minha súplica a Ele. Fiel respondeu: Busque-O e você O achará no Trono da Graça, onde Ele está assentado o ano inteiro, para conceder perdão àqueles que a Ele se achegam. Eu lhe contei que não saberia o que falar, quando me aproximasse. Fiel mandou-me dizer o seguinte:

Ó Deus, sê misericordioso para comigo, um pecador, e faze-me conhecer e crer em Jesus Cristo. Pois vejo que, se não existisse a justiça de Cristo ou se eu não tenho fé nessa justiça, serei lançado fora totalmente. Senhor, já ouvi que Tu és um Deus misericordioso e ordenaste que teu Filho, Jesus Cristo, seja o Salvador do mundo. Além disso, ouvi que o Senhor está disposto a outorgar esta justiça a um tão pobre pecador como eu (e, de fato, sou um pecador). Senhor, utiliza esta oportunidade e magnifica tua graça na salvação de minha alma, através de teu Filho, Jesus Cristo. Amém!

Cristão: Você fez como foi ordenado?

Esperança: Sim. Fiz uma vez, e outra vez, e outra vez.

Cristão: E o Pai lhe revelou seu Filho?

Esperança: Não da primeira, nem da segunda, nem da terceira, nem da quarta, nem da quinta vez. Não, nem mesmo da sexta vez.

Cristão: O que você fez, então?

Esperança: O quê?! Eu não sabia o que fazer.

Cristão: Você pensou em parar de orar?

Esperança: Sim, centenas de vezes.

Cristão: Por que razão você não parou?

Esperança: Eu cri que era verdadeiro aquilo que me havia sido dito, ou seja, que sem a justiça desse Cristo nem o mundo todo poderia salvar-me. Por isso, pensei comigo mesmo: se parar, eu morro; e posso morrer tão somente junto ao Trono da Graça. Com isso, ocorreu-me o pensamento: Se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará. Então, continuei a orar, até que o Pai revelou-me o Filho.

Cristão: E como Ele lhe foi revelado?

Esperança: Eu não o vi com os olhos de meu corpo, e sim com os olhos do meu entendimento. Foi assim: um dia eu estava muito triste, acho que mais triste do que estivera em qualquer outra ocasião da minha vida; essa tristeza resultou de uma nova percepção da grandeza e da malignidade de meus pecados [nota do Cléber: para o leitor apressado e desatencioso: foi a percepção do pecado que gerou a emoção, e não o contrário]. E, quando naquela hora eu aguardava somente o inferno e a eterna condenação de minha alma, repentinamente, enquanto eu pensava, vi o Senhor Jesus olhando do céu para mim e dizendo: Creia no Senhor Jesus Cristo e você será salvo. Eu respondi: Senhor, eu sou um terrível, um terrível pecador. Ele respondeu: Minha graça é suficiente para você. Eu perguntei: Senhor, o que significa crer? E por meio da afirmativa: aquele que vem a Mim não terá fome; e quem crê em Mim nunca terá sede, entendi que crer e vir significam a mesma coisa. Compreendi também que a pessoa que veio a Cristo, isto é, aquela que em seu coração e afetos correu atrás da salvação por intermédio de Cristo, essa realmente creu nele. Então, me vieram lágrimas aos olhos, e perguntei-Lhe ainda: Mas uma pessoa tão pecadora como eu, pode mesmo ser aceita e salva pelo Senhor? Eu o ouvi dizer: O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Eu falei: Como, Senhor, devo considerar-Te, ao aproximar-me de Ti, para que minha fé seja colocada corretamente em Ti? Ele disse: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores. O fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê. Ele morreu por causa dos nossos pecados e ressuscitou por causa da nossa justificação. Cristo nos amou e nos lavou dos nossos pecados em seu próprio sangue. Ele é o Mediador entre Deus e nós; vive para sempre para interceder por nós. De tudo isso, concluí que tinha de procurar justiça na pessoa de Cristo e reparação pelos meus pecados no sangue dEle. Concluí também que a obra realizada por Ele, em obediência à lei do Pai e em submissão à penalidade dessa lei, não foi realizada em favor de Si mesmo, e sim daquele que aceitará este sacrifício para sua salvação e será agradecido. Nessa hora meu coração ficou repleto de alegria, meus olhos, cheios de lágrimas, e meus sentimentos, transbordantes de amor para com o nome, o povo e os caminhos de Jesus Cristo.

Cristão: Isso foi mesmo uma revelação de Cristo à sua alma. Mas conte-me, especialmente, que efeito ela teve sobre o seu espírito?

Esperança: Fez-me ver que todo o mundo, apesar de toda a sua justiça própria, encontra-se num estado de condenação. Fez-me ver que Deus, o Pai, embora justo, pode com justiça justificar o pecador que se chega a Ele. Deixou-me grandemente envergonhado da vileza de minha vida anterior e desconcertou-me ante o sentimento de minha própria ignorância, porque nunca antes havia entrado em meu coração um pensamento que assim me mostrasse a beleza de Jesus Cristo. Fez-me amar um viver santo e desejar intensamente fazer algo pela honra e glória do nome do Senhor Jesus. Sim, veio-me a ideia de que, se agora houvesse mil galões de sangue em meu corpo, eu o derramaria todo por amor ao Senhor Jesus.

Comentários de Thomas Scott, constante na edição da Editora Fiel:

Cristo não se manifestou aos sentimentos de Esperança, e sim ao seu entendimento. E as palavras aqui proferidas são das Escrituras, tomadas em seu significado autêntico. Todo esse relato coincide com a experiência dos crentes mais sensatos, que, depois de haverem sido profundamente humilhados, obtiveram entendimento do amor de Cristo, da sua gloriosa salvação, da liberalidade de seu convite, da amplitude das promessas e da natureza da fé justificadora, que os encheu de “gozo e paz” no crer. Estas bênçãos foram acompanhadas por efeitos permanentes, distinguindo-as completamente de todas as falsas alegrias dos hipócritas.

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