Relações intertextuais entre Poemas e Canções brasileiros.

A produção artística no Brasil na década de 60 e 70 foi latente, isso se evidencia pela explosão de diversas vanguardas artísticas desde da seara das artes plásticas, passando pela literatura até chegar à música. Nesta última mais especificamente, a efervescências de novos ritmos e a quebra de paradigmas culturais fizeram com que o Brasil produzisse obras musicais como nunca antes havia feito antes. Da Bossa Nova ao Iê-iê-iê, pluralidade talvez seja a melhor palavra para definir essa época política e socialmente tão soturna, mas ao mesmo tempo rica no âmbito da cultura popular brasileira.

Abordaremos a seguir, no entanto, três obras em específico: O poema “Operário em construção” de Vinicius de Moraes e as músicas “Construção” e “Domingo no Parque” interpretadas respectivamente por Chico Buarque e Gilberto Gil, na tentativa de estabelecer elementos comuns entre as obras.

Operário em construção

O poema de 1959 de Vinicius de Moraes constrói através da literatura lírica a história de um homem comum, operário da construção civil que em certo momento toma consciência de sua importância para a existência e construção da sociedade e se empodera do seu poder de existência.

A história se constrói a princípio com o homem em estado de alienação, quando de repente questiona o seu valor enquanto mão de obra e percebe que não apenas uma força servil, mas também um agente da transformação e construção do mundo. A partir desse momento, ele assume o protagonismo de sua existência e se torna independente das forças sociais que o oprimem.

Interpretação do poema “Operário em Construção”

Construção

Chico Buarque constrói através de uma lírica impecável, (inclusive muitíssimo baseado e inspirado pelo texto de Vinicius) a história também de um operário, mas dessa vez o tom e a narrativa são diferentes. A obra de 1971 que foi composta enquanto Chico estava exilado (e que por sinal é conhecida como um dos cânones da música brasileira), retrata de maneira quase fúnebre a queda (literal e filosófica) de um homem que se encontra imerso no marasmo do trabalho.

Chico constrói uma narrativa que primeiramente humanizando o personagem, ao mostrar seu último contato com sua família, mostra sua enfadonha jornada de trabalho exaustiva, seu último descanso e pôr fim a trágica morte derradeira que o transforma em um objeto entulhado na calçada atrapalhando o trânsito.

A canção “Construção” interpretada por Chico Buarque

Domingo no Parque

Lançada em 1968, Domingo no Parque foi performada inicialmente por Gilberto Gil em conjunto com o mutantes em um festival da canção, após a apresentação a música teve enorme êxito comercial, se tornando um hit do final da década de 60. A obra experimental contava com as (na época) polêmicas guitarras elétricas, além de violão, uma orquestra e sons experimentais, era realmente uma obra disruptiva para o momento.

A narrativa é construída em volta da história de dois amigos, João e José, homens de personalidades completamente distintas, mas que entram em conflito pelo coração de Juliana. Nesse momento o mote da história muda (tal como a música) e vira uma tragédia. A canção (menos política que as outras duas obras citadas) também é um retrato da realidade brasileira.

“Domingo no Parque” interpretada pela primeira vez por Gilberto Gil e Os Mutantes no Festival da Record.

Relações de intertextualidade entre as obras:

Apesar de não terem relações diretas, as obras constroem entre si relações de intertextualidade não apenas pelo período histórico, político e social que foram concebidas, mas também pelas inspirações e referências comuns que carregar, nesse sentido é possível destacar os seguintes pontos de intersecção entre elas:

Ditadura

Talvez o ponto que mais une as obras seja o regime militar brasileiro instaurado em 1964 e findado em 1985, esse período soturno de grande desesperança e caos na história do Brasil foi o ponto que mais unem essas obras em um mesmo contexto social. Por serem todas dos primeiros e piores anos da ditadura, as obras refletem igualmente um certo pessimismo não apenas político, mas da vida, com exceção da obra de Vinicius as outras obras são grandes tragédias brasileira, que não tem um arco de redenção ou final feliz, mas um ar de desesperança e tragédia, como era de se esperar do período.

Ademais, os artistas que produziram as 3 obras citadas foram nesse período perseguidos e ameaçados pelo regime militar, logo isso reflete nas obras como sinal de resistência, os discursos construídos nas obras apesar de em maioria pessimista mostram uma resistência, cultural social e política da ditadura e principalmente na obra de Vinicius e Chico a discordância com o sistema vigente que objetifica e menospreza o trabalhador.

Tropicalismo

Outro ponto crucial desse período é que todas as obras citadas são construídas no contexto do tropicalismo. O Tropicalismo ou Tropicália, foi uma vanguarda artística brasileira que visava criar e valorar uma produção artística genuinamente produzida no Brasil, que falasse das dores, problemas, anseios, qualidades e defeitos do Brasil e de seu povo. Esse movimento era focado em construir e criar, apenas… Sem amarras de gênero, sem limitações e principalmente sem censura.

Ambas as obras esbanjam dessa brasilidade experimentalismo e são provavelmente algumas das maiores referências do tropicalismo brasileiro, que tinha por ideal proibir a proibição e considerar justa e válida qualquer forma de expressão artística que exaltasse e/ou criticasse o brasil brasileiro, sem interferências imperialistas ou visões eurocêntricas, mas apenas aquilo que valorizasse nossas raízes.

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